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Tabaco, amianto e agrotóxico: Vamos regredir na luta contra o câncer?

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Possibilidade de reduzir tributos de cigarro, voltar a produção e uso de amianto e grande liberação de agrotóxicos preocupa comunidade da saúde.

 

“Infelizmente interesses sanitários e de saúde pública do brasileiro estão sendo colocados de lado por outros interesses”. Com essa frase, o ex-ministro da Saúde, membro titular da Academia Nacional de Medicina e pesquisador associado do CEE-Fiocruz José Gomes Temporão, em entrevista ao Instituto Vencer o Câncer (IVOC), resume sua preocupação com três assuntos que estão em debate e têm gerado apreensão entre os profissionais que atuam na área de saúde: a possibilidade de reduzir a tributação de cigarros, a volta da liberação de amianto no país e o ritmo de liberação de agrotóxicos este ano.

Em comum, tabaco, amianto e agrotóxico são substâncias consideradas de alto risco para o desenvolvimento de cânceres. Em setembro de 2018, o representante da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) Joaquín Molin anunciou, no Brasil, que cerca de 193 mil pessoas no mundo perdem a vida todos os anos por exposição a substâncias químicas nocivas.

Tabaco: responsável por 30% dos casos de câncer diagnosticados no mundo. De todas as mortes causadas por câncer, a cada cinco uma é provocada pelo cigarro. Segundo a OMS, o tabaco é responsável por 63% dos óbitos relacionados às doenças crônicas não transmissíveis. Também responsável por 25% das mortes por doença coronariana (angina e infarto) e25% das mortes por doenças cerebrovasculares (acidente vascular cerebral). O Ministério da Saúde registra que o tabagismo – inclusive o passivo – é responsável por 85% das mortes por doença obstrutiva pulmonar crônica.

Amianto: a Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC), da Organização Mundial da Saúde, considera todos os tipos de amianto como cancerígenos. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) registra em seu site: “A exposição ao amianto está relacionada à ocorrência de diversas doenças. Ele é classificado como reconhecidamente cancerígeno para os seres humanos. Não foram identificados níveis seguros para a exposição às suas fibras”. E ainda: “Todas as formas e tipos de amianto são cancerígenos. Em 29 de novembro de 2017, os ministros declararam a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei Federal 9.055/1995, que permitia o amianto do tipo crisólita. O banimento desta substância na indústria brasileira é definitivo.” (grifo nosso)

Agrotóxicos: “Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são registradas 20 mil mortes por ano devido o consumo de agrotóxicos”, alerta o Inca em seu site. Que avisa ainda: “O Brasil vem sendo o país com maior consumo destes produtos desde 2008, decorrente do desenvolvimento do agronegócio no setor econômico, havendo sérios problemas quanto ao uso de agrotóxicos no país: permissão de agrotóxicos já banidos em outros países e venda ilegal de agrotóxicos que já foram proibidos. A exposição aos agrotóxicos pode causar uma série de doenças, dependendo do produto que foi utilizado, do tempo de exposição e quantidade de produto absorvido pelo organismo”… “estudos vêm mostrando o potencial de desenvolvimento de câncer relacionado a diversos agrotóxicos, justificando a recomendação de precaução para com o uso e contato”.

 

Os fatos

No final de março, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, criou um grupo de trabalho para “avaliar a conveniência e oportunidade de redução de tributação de cigarros fabricados no Brasil”. Conforme a portaria, o objetivo é “diminuir o consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade, o contrabando e os riscos à saúde dele decorrentes”.

A extração e a venda do amianto estão proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2017 no Brasil. Em meados de maio foi criada uma comissão no Senado para pedir a reabertura de mina de amianto que está paralisada desde fevereiro e um grupo de senadores quer que a decisão seja revertida e o STF volte a liberar o material no país.

O ritmo de liberação de agrotóxicos no Brasil é considerado o maior registrado pelo Ministério da Agricultura, que divulga os números desde 2005, quando houve 91 registros. Só este ano, até 14 de maio foram aprovados 169 produtos, número maior que o total de 2015, quando foram feitos 139 registros. O crescimento deu um salto neste ano, mas vem sendo registrado aumento desde 2016: em 2018 foram aprovados 450 registros.

 

Temor pela perda de conquistas

“Existe cigarro de boa qualidade? Existe câncer de pulmão de má qualidade e boa qualidade?”, questiona o oncologista Drauzio Varella, um dos fundadores do IVOC, em vídeo e artigo no seu site. Para o médico, analisar a possibilidade de redução da tributação de cigarros como se fosse para proteger os brasileiros é um contrassenso: “Não existe ‘cigarro de boa qualidade’”.

“A indústria tabaqueira quer que o cigarro custe mais barato para que as pessoas mais pobres possam ter acesso e fumar mais do que fumam hoje”, pondera Drauzio. “Hoje nós temos uma das mais baixas prevalências de cigarro no mundo: cerca de 10% dos brasileiros adultos fumam. Muito menos do que na Europa e nos Estados Unidos. Isso foi obtido às custas de um grande esforço de muitas autoridades de saúde no Brasil e a indústria quer agora abaixar o preço para fazer os fumantes fumarem mais porque estão perdendo mercado”. Ele reforça que desde que a Lei Antifumo foi aprovada, em 2011, o Brasil é exemplo de redução do consumo de tabaco, passando de 15,7% em 2006 para 10,1% em 2017.

“Segundo estudos, 50% da redução do tabagismo são atribuídos aos reajustes sobre os impostos de cigarro e política de preços mínimos”, afirma José Gomes Temporão, e argumenta que o preço do cigarro brasileiro é barato se comparado com outros países, como a Austrália: “Lá é 30% mais caro. Os países que reduziram o consumo de tabaco tiveram aumento nos preços do cigarro. A Convenção Quadro da OMS para Controle do Tabaco, ratificada pelo Brasil em 2005, considera o aumento de impostos sobre cigarro como uma de suas estratégias”.

Temporão destaca que a política antitabagista no Brasil é reconhecida como sendo de grande sucesso. “São décadas de investimento, informação, educação, trabalho nas escolas, produção de material didático, boa comunicação, medidas importantes. Não podemos misturar uma estratégia vitoriosa, com acúmulo de conquistas, com uma medida que ameaça essas conquistas. É uma medida danosa que estimularia o aumento do consumo e início precoce do tabagismo. Seria um gigantesco retrocesso”, alerta.

Ele ressalta o fato de a indústria tabagista continuar buscando novos mercados, como na África e Ásia, e novas estratégias, como uso de aditivos para deixar mais agradável o fumo e iniciar crianças e adolescentes. “Tabagismo é uma doença pediátrica hoje em dia: 80% dos fumantes começam a fumar antes dos 18 anos. A facilidade de acesso com preços baixos tem grande influência. Há ações no Supremo para banir aditivos, sabores dos cigarros. E também propostas para deixar as embalagens genéricas, sem cores, para que o maço fique sem atrativos. São medidas que já foram adotadas em vários países desenvolvidos: alguns estados americanos, no Canadá, alguns países europeus”.

Sobre a arrecadação com impostos da indústria tabagista, o ex-ministro avisa que os números da arrecadação anual com tributos federais e estaduais não chega a R$ 13 bilhões ao ano e compara, citando estudo do Inca, que o Estado brasileiro gasta cerca de R$ 57 bilhões por ano no sistema de saúde com tratamento de doenças causadas pelo tabagismo e perda de produtividade. “A AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com ação para exigir indenização”, diz, referindo-se à ação civil pública que a AGU protocolou no dia 21 de maio cobrando das fabricantes de cigarro o ressarcimento dos gastos da rede pública de saúde com tratamentos de doenças causadas pelo fumo nos últimos cinco anos.

 

Amianto e agrotóxicos

Temporão apresenta a mesma apreensão em relação aos temas do amianto e agrotóxico. Sobre o amianto, defende que o banimento foi uma grande conquista com evidências científicas robustas, impedindo que os trabalhadores desenvolvam doenças graves. “É mais uma medida que espero que não passe. Se passar, é o caso de ir ao Supremo”.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que haja 125 milhões de pessoas expostas e mais de 100 mil mortes anuais por cânceres causados pelo amianto. Estudos da entidade indicaram que pelo menos uma em cada três mortes por câncer ocupacional está relacionada ao amianto e que não existem limites seguros para seu uso.

Na questão dos agrotóxicos, o ex-ministro da Saúde aponta uma inversão de valores. “Não atende a saúde pública, mas interesses dos mercados, das empresas”, avalia. “Precisamos saber qual a realidade hoje do produto que chega à mesa do brasileiro”.

Estudos de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstraram que para cada dólar usado na compra de agrotóxicos, cerca de 1,28 dólar é gasto no tratamento de envenenamentos agudos, além das intoxicações crônicas, como as desregulações endócrinas, cânceres, Alzheimer, Parkinson, problemas de desenvolvimento e de reprodução, entre outros.

 

Inovação, uma aposta na saúde

Enquanto entidades e profissionais dedicam-se a manter as conquistas da saúde dos brasileiros, há boas notícias em inovações apresentadas no 55º Encontro Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), o maior evento mundial de Oncologia do mundo, que reúne mais de 32 mil profissionais para discutir novidades que podem mudar o cenário do câncer. A edição deste ano teve mais de 2.400 resumos aceitos para apresentação e mais de 3.200 resumos adicionais para publicação online.

 

Facilidade de acesso também pode influenciar tabagismo

Um desses estudos abordava justamente o impacto da facilidade de acesso a locais de venda de tabaco na cessação do consumo do produto em pacientes com câncer de pulmão e de cabeça e pescoço. O trabalho parte da premissa de que o tabagismo após o diagnóstico de câncer está associado a desfechos mais desfavoráveis e que já há comprovações de que a disponibilidade de acesso ao tabaco dificulta a cessão em pessoas que não têm diagnóstico de câncer. O objetivo era observar a situação em sobreviventes de câncer. Considerando a distância dos pacientes até o varejo de tabaco mais próximo o estudo demonstrou que pacientes que moravam mais perto de locais de venda tiveram taxas reduzidas de cessão de tabagismo.

A conclusão é que reduzir a densidade dos fornecedores de tabaco é uma estratégia de cessação que pode impactar positivamente os resultados dos tratamentos de câncer. O trabalho demonstra que as facilidades geográficas de acesso, assim como as financeiras, de preços mais baixos, têm influência nos índices de tabagismo.

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