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Conhecer o perfil do câncer gastrointestinal pode mudar a história da doença

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Por sua alta frequência e letalidade, o tumor é destaque da Sociedade Americana graças às novidades no tratamento. Especialistas atuam com personalização para melhorar resultados.

Os tumores gastrointestinais são bastante frequentes e com altas taxas de mortalidade. Por isso, uma conquista contra a doença é motivo de destaque no mundo científico, como fez a Sociedade Americana de Oncologia (ASCO, da sigla em inglês) em seu Clinical Cancer Advances 2021, documento que publica anualmente os principais avanços do tratamento de câncer no mundo. Os tumores gastrointestinais envolvem esôfago, estômago, pâncreas, fígado, intestino delgado, intestino grosso, reto e ânus.

“Esse tipo de tumor é responsável por 26% dos casos de câncer no mundo, conforme dados americanos”, alerta Ricardo Carvalho, oncologista especialista da área e membro do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer. “De cada quatro casos de câncer, um é gastrointestinal. E o que chama mais atenção é que de cada três óbitos por câncer, um é por esse tipo de tumor”. As estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA) apontam que no Brasil o câncer de cólon e reto, com 41 mil casos anuais, fica atrás em incidência dos tumores de pele não melanoma (177 mil), mama e próstata (66 mil cada); na sequência estão pulmão (30 mil) e estômago (21 mil).

O relatório da ASCO ressaltou como avanço deste ano o perfil molecular dos tumores gastrointestinais, permitindo a personalização do tratamento e, assim, melhores resultados. Como explica Carvalho, o perfil molecular pode identificar determinadas alterações, o que abre oportunidades para o uso de terapias específicas, aumentando a chance de uma resposta positiva ao tratamento, de cura, de controlar a doença, e com menos efeitos colaterais.

“Antes, os pacientes de câncer de estômago, por exemplo, eram tratados de forma igual. Hoje em dia, observando o aspecto molecular de cada caso, conseguimos identificar apresentações moleculares diferentes. Se olharmos dez biópsias de pacientes com tumor de estômago podemos achar aspectos diferentes em cada caso e individualizar o tratamento”, explica o oncologista. “Você trata cada um de acordo com suas características moleculares. O estudo do perfil molecular identifica essas alterações, permitindo a individualização do tumor e a personalização do tratamento, com resultados mais efetivos”.

Os avanços demandam uma maior especialização dos profissionais, reforçando a necessidade de o paciente buscar oncologistas especialistas nas áreas de cada tipo de câncer e centros de referência.

 

Como o perfil molecular funciona na prática

O perfil molecular é feito a partir de análise, com técnicas especiais, do material obtido na biópsia, para pesquisar e identificar mutações específicas. Para algumas mutações já existem inclusive medicamentos direcionados.

“No congresso da ASCO do ano passado foram apresentados estudos que mostraram o uso de terapias para alterações moleculares específicas, com melhores resultados dos tratamentos. Antes sabíamos que os tumores tinham determinadas alterações, mas agora temos as drogas específicas para elas e sabemos que são benéficas em determinadas situações”, diz.

Ele cita dois estudos relacionados à mutação HER-2 em pacientes com câncer de estômago e intestino que comprovaram que determinado medicamento resultou em melhores resultados em comparação ao tratamento até então padrão para estes cenários. “Geralmente são pacientes politratados, que não têm mais tantas possibilidades de tratamento. Nessa situação, com escassez de opções terapêuticas, abriu-se uma janela de oportunidade demonstrando que usar uma nova droga específica para esse gene HER-2 aumenta a chance do tumor diminuir e do paciente ficar livre de piora da doença, além de aumentar a sobrevida. Os resultados foram bastante animadores”.

No caso do câncer de estômago, o estudo envolveu pacientes com a mutação HER-2 que receberam na primeira linha de tratamento quimioterapia com Trastuzumabe. Quando esse tratamento falhava, normalmente a segunda linha envolve a quimioterapia convencional. O resultado demonstrou, entretanto, que uma nova molécula, o Trastuzumabe deruxtecan, consegue manter a ação contra o HER-2 e, sendo mais efetivo que a quimioterapia de escolha, até então padrão. Segundo o oncologista, essa nova molécula se tornou, nesses casos, o novo padrão.

O medicamento foi aprovado no FDA (órgão regulador americano) em janeiro deste ano para o tratamento do câncer de estômago HER-2 positivo que tenha falhado o tratamento de primeira linha com trastuzumabe. Ele é uma terapia-alvo, ligando-se às células do câncer e colocando a quimioterapia diretamente dentro da célula. “A quimioterapia convencional atua em todas as células do nosso corpo – as que se dividem rapidamente e também as normais, provocando os conhecidos efeitos colaterais. Quando usamos drogas modernas, específicas contra determinada molécula do tumor, é como se estivéssemos usando um míssil teleguiado, direto ao alvo, ao invés de usarmos uma bomba que destruiria todo o campo ao redor do nosso alvo. É muito mais efetivo, poupando as células saudáveis, resultando em maior eficácia e menor toxicidade”, esclarece.

O uso desse medicamento para os tumores com HER-2 positivo nesse cenário, de segunda linha, ainda não está aprovado no Brasil, mas o oncologista acredita que até o ano que vem deve haver a aprovação. A opção dessa medicação para primeira linha ainda é alvo de estudos.

 

A importância de identificar alterações

Carvalho alerta que atualmente é fundamental, em tumores gastrointestinais, que o paciente saiba que existem essas alternativas e a necessidade de se fazer o perfil molecular. “Temos  vários exemplos de como o estudo molecular pode se transformar em tratamentos melhores”.

Entre esses exemplos, cita a presença da alteração molecular chamada instabilidade de microssatélite. Para descobri-la, é feito um exame simples com o material da biópsia, disponível em diversos locais do país. Para pacientes de câncer de intestino com essa característica molecular, o uso de imunoterapia (Pembrolizumabe) na primeira linha, ressalta, é melhor do que a quimioterapia. “Até o ano passado o câncer de intestino, nesse caso, era tratado na primeira linha com quimioterapia. Essa alteração molecular ocorre em 5% dos tumores de cólon, os quais podem receber esse tratamento mais efetivo e menos tóxico já na primeira linha. Por isso a importância do exame para tratar melhor”.

Outro exemplo da contribuição da análise para tumores gastrointestinais é a pesquisa molecular em colangiocarcinoma, para identificar mutações IDH e FGFR que, quando presentes, possibilitam o uso de drogas específicas para esse tipo de tumor.

“Em câncer de pâncreas temos um exame simples feito no sangue, que é a pesquisa de mutação do BRCA”, afirma Carvalho, avisando que quando há essa mutação, que acontece em cerca de 7% dos casos, existe uma droga (Olaparibe) que pode ser utilizada em determinado momento do tratamento.

Quanto ao acesso aos exames de perfil molecular, o oncologista comenta que uma boa parte está disponível nos convênios e alguns também são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“Cada vez mais nos tumores gastrointestinais o perfil molecular vai ganhar espaço. A perspectiva de futuro é mergulhar profundamente no aspecto molecular do câncer gastrointestinal, fazer um estudo ampliado de todos os genes do tumor, tentando identificar alterações moleculares que possibilitem uso de terapias alvo específicas”, avalia o especialista. “É importante o oncologista pesquisar a fundo o tumor do paciente, buscando a identificação de alvos que possam se traduzir em drogas a serem usadas no tratamento. É fundamental a busca pela individualização do tratamento”.

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