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Projeto de Investigação sobre o cenário do câncer de próstata no sistema de saúde público brasileiro

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A investigação, solicitada pelo IVOC, lança um olhar sobre o cenário do câncer de próstata na perspectiva do Sistema Único de Saúde, avaliando desde a prevenção até os cuidados paliativos. Os resultados da primeira fase, de levantamento de dados do Brasil, estado e cidade de São Paulo, foram apresentados no evento online. As próximas etapas, adiadas em virtude da pandemia, preveem coleta de dados primários, envolvendo reuniões com poder público, grupos focais, sociedades médicas, usuários do sistema público e pacientes em geral.

“Apesar dos progressos na prevenção, tratamento e cuidados paliativos, o acesso a esses avanços ainda é desigual pelo mundo”, ressalta a pesquisadora Luiza Cecilio. Na avaliação do cenário mundial, o câncer de próstata aparece como principal motivo de morte em metade dos países analisados, apresentando tendência de aumento da mortalidade na América Latina. Em incidência, há tendência do aumento de casos de câncer na maior parte dos continentes, com exceção de América do Norte e Europa.

No Brasil, é o tumor de maior incidência (29,2% do total), excluindo o câncer de pele não melanoma, com taxa de mortalidade também em tendência de crescimento. Contribuem para esses dados o envelhecimento da população, o grande percentual da raça negra e o aumento da obesidade em homens adultos.

A taxa de mortalidade apresentou crescimento em análise de 1990 a 2017, com tendência a continuar podendo, inclusive, passar o câncer de pulmão em causa de morte entre neoplasias em homem. Entre os problemas constatados destaca-se o fato de a maioria dos casos ser diagnosticada no estádio II (48%), seguido pelo estádio IV (23% – percentual quatro vezes maior do que nos Estados Unidos). Também a falta de padronização de condutas de tratamento pelo país conforme o estadiamento da doença e os prazos para realização de exames para diagnóstico e início do tratamento, que são muito altos e podem impactar o prognóstico da doença. 

A análise das políticas públicas teve início a partir de 2001, com a implementação do Programa Nacional de Controle do Câncer de Próstata (PNCCaP). Quanto aos fatores de risco – idade, raça negra e obesidade -, apesar de os três estarem presentes na população brasileira, não há diretrizes consolidadas. Somente a SBU segue o mesmo padrão das instituições internacionais, incluindo a raça negra. Quanto à idade, apesar de ser considerada fator de risco, não há padronização nem se leva em conta sua interação com os demais fatores. Considerado fator de risco, o histórico familiar não conta com padronização quanto ao grau de parentesco e tipos de câncer que influencia.

O documento Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Adenocarcinoma de Próstata (DDT), de 2016, é o único que trata da questão do tipo individual negro como fator de risco além da idade e história familiar. “Não recomenda rastreamento populacional, mas indica decisão compartilhada”, avisa Vera Osório.

A consultora esclarece que a investigação foi direcionada para toda linha de cuidado do câncer de próstata, que deve representar um atendimento contínuo de assistência ao homem. Envolve promoção, prevenção, rastreamento, diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos.

Na promoção e prevenção, uma as dificuldades é a alta prevalência e tendência de aumento de sobrepeso e obesidade em todas as capitais brasileiras. A vantagem, indica o levantamento, é que essas condições são passíveis de controle, além de poder contar com o Vigitel, que monitora, entre outros índices, o excesso de peso da população. O aumento da prevalência de atividade física também é um ponto a favor.

A falta de consenso na definição dos temas e orientações específicas sobre a saúde do homem é um fator que dificulta a prevenção, levando à necessidade de mobilizar e alinhar instituições, com maior visibilidade nas mídias e estratégias que sensibilizem o público masculino.

 

Rastreamento, o desafio

“Mundialmente, a orientação sobre o rastreamento do câncer de próstata continua sendo tema controverso, gerando ausência de consensos”, afirma a consultora Vera Lídia, ressaltando que a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) não oferecem recomendações, posicionamentos ou guias informativos específicos para este tumor. 

O Ministério da Saúde (MS) e o Inca não têm padronização em seus posicionamentos, comunicação e orientações, gerando dúvidas e confusão – o Ministério se posiciona contrário ao rastreamento e documento do Inca registra que não o recomenda. O consenso do PNCCaP orienta para a realização do rastreamento oportunístico, mas essa prática não está consolidada. A DDT não tem parâmetros bem estabelecidos, mas aponta caminho para rastreamento seletivo; introduz a importância do diagnóstico precoce e os fatores de risco idade, raça negra e histórico familiar, entretanto não estabelece seus parâmetros.

“O Guia de Saúde do Homem para Agente Comunitário nos deixou alerta, pois indica realização de exame em homens com sintoma, alinhado com o Inca, que não recomenda exames de rotina em assintomáticos”, chama atenção Vera. 

 

Conceito de rastreamento pela OMS, 2003

Rastreamento: exames de indivíduos assintomáticos com a finalidade de identificar presuntivamente a doença não reconhecida. Pode ser oferecido em três forma diferentes.
Rastreamento populacional organizado Dispensado por meio de planejamento ativo, a pessoas convidadas, tendo como frequência a faixa etária pré-definida.
Rastreamento seletivo (individual) Modo seletivo para um subgrupo já identificado, com maior risco de ter a doença.
Rastreamento oportunístico Oferecido de modo oportuno, ao indivíduo que, por outras razões, procurar os serviços de saúde.

 

As orientações do MS e Inca diferentes do Consenso do PNCCaP são obstáculos para melhorar o enfrentamento do câncer de próstata. A situação se agrava com a falta de detalhes sobre os três tipos de rastreamento e um posicionamento definido sobre o seletivo. Quase duas décadas após a implantação do PNCCaP, o cenário ainda se encontra indefinido, com falta de padronização protocolar das condutas dos profissionais de saúde e de uma mensagem clara para a população. Seria importante também ter estudos para caracterizar o perfil e fatores de risco especificamente do brasileiro.

 

Diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos no levantamento

A análise apontou que mais de um terço dos diagnósticos (35%) são feitos nos estágios 3 ou 4 da doença, percentual elevado em comparação com os Estados Unidos. Constatou subutilização de recursos disponíveis na atenção secundária referentes a consultas com urologistas (56% não utilizadas), biópsias (93% não usado) e anatomopatológicos (95%), ou seja, há médicos para atendimento e material para realização dos exames, mas não é utilizado pela população; no caso da biópsia e dos anatomopatológicos, o uso fica em menos de 10%. Essa falta de acesso aos serviços de diagnóstico demonstra entrave no percurso do paciente, sugerindo que ou a atenção básica tem dificuldade para identificar o problema ou identifica e a dificuldade está em referenciar para a atenção secundária.

Como resultado, tem-se menor sobrevida, maiores custos, comprometimento da qualidade de vida e aumento dos indicadores de mortalidade. 

Quanto ao prognóstico, o levantamento constatou grande diversidade de primeiro tratamento no Brasil, o que sugere a inexistência de uma padronização de condutas; elevado período de tempo entre a hipótese diagnóstica e o tratamento (em torno de três meses entre consulta e tratamento); manutenção do elevado período de tempo para acesso ao tratamento a partir do diagnóstico, apesar da publicação da “Lei dos 60 dias“; e existência de uma grande diferença de medicamentos disponíveis no Brasil e no mundo para o tratamento do tumor. 

“A análise sugere que a inexistência de padronização de conduta pode estar relacionada à dificuldade de acesso ou à existência de tratamento necessário no país”, avalia Vera Osório. “Mais de 40% dos homens levam mais de 60 dias para começar o tratamento depois do diagnóstico”.

Nota-se também diferença entre a realidade das cidades brasileiras, com desafios de acesso à cirurgia, equipamentos de radioterapia e de medicamentos, que impacta o tratamento. Quanto aos medicamentos, há casos de novas drogas, como imunoterápicos e terapias-alvo, que não são aprovados pela Anvisa nem disponibilizados no Brasil.

A estruturação dos cuidados paliativos, que melhora a qualidade de vida de familiares e pacientes que enfrentam a doença em estágio avançado, é recente no mundo (OMS: 2014) e no Brasil (MS: 2018) e, portanto, está em processo de implantação. No país, o câncer de próstata é um dos principais tumores que demandam cuidado paliativo domiciliar em homens.

Seu aperfeiçoamento passa por ampliar a oferta, que é centrada em hospitais, aumentar a cobertura, estabelecimento de protocolos e integração com a rede de assistência, além de maior capacitação de profissionais da saúde.

 

Medidas para o enfrentamento

O levantamento apresenta diversas medidas que podem ajudar o enfrentamento do câncer de próstata. “Pincelamos questões mais críticas, problemas que possuem caminhos e podem ser aprimorados”, diz Luiza.

O documento traz diversas recomendações ao longo de toda jornada, desde ações para prevenção, como iniciativas de hábitos saudáveis; indica ainda sugestões para promoção, diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos.

Quanto ao ponto-chave do rastreamento, uma alternativa sugerida é entender com especialistas os posicionamentos sobre os três tipos e avaliar melhor se há necessidade de mudança de políticas públicas, além de promover discussões que possam levar a definições sobre os modelos oportunístico e seletivo.

 

O material do levantamento pode ser baixado aqui

Projeto de Investigação sobre o cenário do Câncer de Próstata no Brasil 2

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