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Saiba os principais ganhos e pontos mais debatidos da nova lei de pesquisa clínica com humanos

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Por Viviane Pereira

Além de consolidar e ampliar preceitos e trazer inovações e melhor definição de prazos, a nova lei que regulamenta a pesquisa clínica com seres humanos no Brasil – Lei 14.874/2024 – traça parâmetros claros relacionados à responsabilidade do patrocinador. Toda essa regulamentação mais precisa aumenta as possibilidades de ampliar esse tipo de pesquisa no país. 

“Temos uma lei robusta, com um ordenamento jurídico seguro, que incentiva”, avalia a advogada Camila Martino Parise, sócia de Pinheiro Neto Advogados e responsável pela prática de Life Sciences & Healthcare. “O Brasil é muito interessante para pesquisas com seres humanos, pela nossa característica populacional, a qualidade das nossas instituições, a facilidade para recrutamento de voluntários e corpo técnico extremamente qualificado. Por isso é um país bastante atrativo para pesquisas com seres humanos, e agora temos uma lei que dá uma segurança jurídica mais robusta”.

O desafio, explica a especialista, é regulamentar essa lei para eliminar os gargalos que existem na legislação – ela cita como exemplo a necessidade de que para acreditar os CEPs é preciso uma regulamentação. 

Como fica o fornecimento pós estudo

Uma das inovações da nova legislação é definir que o patrocinador, no momento da submissão do protocolo, pode justificar que não vai fornecer o produto depois que o estudo terminar. “Se tratamos, por exemplo, de uma doença que já possui inúmeras terapias disponíveis, registradas, acessíveis e a pesquisa é para verificar a segunda indicação do produto, se serve para determinada doença, pode não fazer sentido o paciente continuar tomando uma medicação experimental quando existem outras disponíveis no mercado”, pontua a especialista.

Aspectos como esse serão considerados para a definição do fornecimento ou não do produto pós estudo, com avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa.

“Agora o fornecimento pós estudo é específico da droga experimental”, diz Camila Parise, esclarecendo que antes, quando o paciente recebia uma droga experimental e tinha um medicamento para controlar um evento adverso, havia uma discussão sobre a necessidade de continuar fornecendo esse outro medicamento. “Agora, a legislação é clara e determina que em havendo a obrigação de fornecimento do medicamento experimental pós estudo, terá um plano de acesso que será submetido ao CEP para avaliação, junto com um programa de fornecimento pós estudo”. 

A decisão também leva em conta a avaliação de cada paciente – o investigador precisa considerar se é a melhor terapia ou tratamento para o paciente, com uma análise de risco e benefício em relação aos tratamentos disponíveis. O patrocinador pode ser ouvido nesse processo de decisão individual.

A nova lei conta com critérios objetivos para essa avaliação, tanto para o momento da decisão de fornecer quanto de interromper o fornecimento. Entre os critérios estão:

  • Gravidade da doença.
  • Se ameaça a continuidade da vida do participante.
  • Disponibilidade de alternativas terapêuticas satisfatórias para o tratamento do participante, considerando a sua localidade. 
  • Evidência de benefício para o participante – se ela supera o risco com uso de outro medicamento experimental.
  • Se o medicamento experimental contempla ou não uma necessidade clínica não atendida.

O programa também pode ser suspenso se o paciente decidir que não quer mais participar. “No pós estudo o paciente ou seu representante legal pode tomar a decisão de interromper o tratamento. O melhor cenário é a cura da doença, quando o paciente está curado”, destaca a advogada. 

Há ainda outras situações que podem levar à interrupção:

  • Introdução de uma alternativa terapêutica satisfatória.
  • Reação adversa que inviabilize a continuidade do tratamento com medicamento experimental.
  • Ausência de benefício do uso continuado do medicamento, considerando a relação risco benefício fora do contexto do ensaio clínico.
  • Aparecimento de novas evidências de riscos relativos ao perfil de segurança

O que que a lei trouxe de novo?

Diante das discussões que aconteciam em relação ao fornecimento pós estudo, a lei inova definindo que o fornecimento pode ser interrompido a partir da disponibilidade do medicamento experimental na rede pública de saúde. “Isso nós não tínhamos na regra anterior, a interrupção do fornecimento se o medicamento estiver disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) – significa que ele passou pelo estudo clínico, foi registrado, recebeu preço e foi incorporado”, afirma Camila Parise. 

“Teremos então um debate sobre o que é a disponibilidade no SUS: a incorporação ou a efetiva disponibilização? E quando houver um medicamento que não é compra centralizada, o que será considerado como disponibilizado? Mas a ideia é que se o medicamento está na rede pública, por lei o fornecimento pós estudo pode ser interrompido”.

Há ainda outro critério para a interrupção do fornecimento, que é a impossibilidade de obtenção ou fabricação por questões técnicas ou de segurança. “Neste caso, o patrocinador deve fornecer alternativa terapêutica equivalente ou superior”.

A sócia de Pinheiro Neto Advogados comenta também um inciso que foi vetado pelo presidente, que considerava a interrupção com o transcurso de prazo de 5 anos, contados da disponibilidade comercial do medicamento experimental no país. “Esse inciso foi vetado e o Congresso avaliará se mantém ou não o veto”.

O que mudou quanto à responsabilidade do patrocinador

Antes – havia um conceito na regra da obrigação de prestar assistência imediata e integral. 

Agora – a regra determina que o patrocinador tem obrigação de indenizar e prestar assistência à saúde do participante da pesquisa por eventuais danos sofridos em decorrência da sua participação da pesquisa.

O que muda na prática – quando o dano sofrido for relacionado à participação na pesquisa, o participante terá assistência à saúde.

 

“Antes havia um conceito de assistência imediata, que é aquela emergencial e sem ônus de qualquer espécie ao participante da pesquisa, em situações que que este dela necessite, e assistência integral, que provocava certa divergência quando se aplicava um caso ou outro; agora há uma consolidação e a definição de assistência à saúde do participante da pesquisa por eventuais danos sofridos em decorrência do estudo, para atender complicações e danos decorrentes direta ou indiretamente da pesquisa – ou seja, é preciso ter nexo de causalidade entre o dano e a pesquisa”, avalia.

 

Mudança importante: penalidades por descumprimento da norma

Uma inovação que Camila Parise considera importante é a inserção de penalidades caso a norma seja descumprida. “Antes não havia essa penalidade. Agora, se há descumprimento do plano de transição dos participantes após o término do ensaio clínico, se existe inobservância de responsabilidade do patrocinador, do pesquisador e uma série de outras ações previstas na norma, há penalidade para os stakeholders envolvidos na pesquisa clínica, inclusive pecuniária”, informa. “Antes era uma norma ética, não havia penalidade – o descumprimento implicava em uma infração ética”.

Para a advogada, todas essas inovações criam um ambiente legal que oferece maior segurança e a tendência, considerando as características do país, é ter um ambiente mais favorável e atrativo, do ponto de vista jurídico, para a realização de pesquisas clínicas no Brasil.

Logotipo do Instituto Vencer o Câncer

O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.

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