Estádio do São Paulo Futebol Clube é o primeiro no país a ter sanitários readequados
Para quem convive com uma estomia, acessar banheiros públicos adaptados é uma questão de dignidade e inclusão. Apesar de ser uma realidade para milhares de brasileiros, especialmente pacientes que passam por tratamentos de cânceres como os de intestino e bexiga, encontrar locais preparados para atender essas necessidades ainda é um desafio. Em todo o país, são pouquíssimos os municípios e estados que têm leis que obriguem a instalação dessas estruturas.
A disponibilização de banheiros adaptados está prevista no artigo 22 da Lei 5.296, de 2004, que estabelece que “a construção, ampliação ou reforma de edificações de uso público ou coletivo devem ter sanitários acessíveis para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida”. É o caso de pessoas com estomias.
Um bom exemplo acaba de vir do estádio do São Paulo Futebol Clube, o primeiro no Brasil a oferecer banheiro adaptado para esse público. A parceria – com uma empresa de produtos para cuidados com estomia, retenção urinária, feridas e pele – transformou dois sanitários já adaptados para PCDs, adicionando vasos elevados na altura do abdome para o descarte do conteúdo das bolsas coletoras – um detalhe simples, mas que faz toda a diferença. O sanitário também possui ducha higiênica, espelho mais alto, barras de apoio, suporte de papel higiênico.
“Todos os espaços públicos mereceriam ter um banheiro adaptado para pessoas com estomias, mas esta ainda é uma condição invisível”, afirma a Dra Angela Boccara, enfermeira estomaterapeuta e integrante do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer.
A estomia é uma comunicação de um órgão interno para o meio externo. A mais conhecida é a estomia intestinal, em que o indivíduo precisa usar um dispositivo coletor, uma bolsa. “Para que a pessoa com estomia possa fazer seu autocuidado, sentindo-se bem para voltar às atividades da vida diária, ela precisa ter segurança. Para isso, necessita de um equipamento de boa qualidade, mas também de ter acesso a locais onde ela possa fazer o esvaziamento desse equipamento de forma segura e confortável”, ressalta Angela Boccara.
Qualidade de vida
Fernanda Constantino, de 38 anos, é maquiadora artística e cantora. Em 2015 foi diagnosticada com um tumor desmoide de parede abdominal. Este tipo de tumor raro é considerado benigno, mas é localmente agressivo, crescendo rapidamente e pressionando os órgãos ao redor.
Fernanda fez uma cirurgia para retirada do tumor em 2015, mas ele voltou três anos depois. Continuou o tratamento com quimioterapia intravenosa, quando teve uma infiltração no intestino. Teve muita febre e dor, mas considerava “normal” ter dor.
O médico deu duas opções: fazer uma nova cirurgia grande, com possibilidade de o tumor crescer novamente, ou seguir com a quimioterapia e fazer uma colostomia. A segunda opção foi a escolha.
“A adaptação foi difícil, porque eu continuo tendo o meu intestino. Meu caso não é para poder ter a reversão (da colostomia), porque meu tumor ainda está aqui. Estou fazendo a quimio para, quem sabe, ele sumir”, conta. Mas Fernanda admite que foi a melhor decisão. “Pela primeira vez eu tive qualidade de vida. Eu tinha a diarreia (como efeito colateral do tratamento), mas não ia mais correndo para o banheiro. Eu podia dormir tranquila, tomar meus remédios. Pela primeira vez eu consegui no banheiro de uma maneira normal. Eu não tinha mais dor – e antes eu morria de dor. Faz cinco anos que eu estou com a bolsa de colostomia”, afirma. E, com bom humor, diz que deu até um nome para ela. “É a Mona”.
Fernanda esteve presente na apresentação do sanitário para pessoas com estomia, no estádio do São Paulo, no início de dezembro. “Eu fui no banheiro e fiquei maravilhada”, brinca. “É você só chegar, abrir, esvaziar, limpar, fechar e lavar sua mão”.
“A adaptação de um banheiro para pessoas com estomia não é uma obra absurdamente difícil e cara de ser feita”, afirma a enfermeira estomaterapeuta Angela Boccara. “Basta elevar o vaso sanitário para que a pessoa possa esvaziar a sua bolsa com tranquilidade. Eu acho que é importante que os empresários, as autoridades entendam isso. Não basta estar numa lei, numa resolução. É preciso que se efetive”, ressalta.
Fernanda Constantino conta um pouco da sua rotina no Instagram @fe.constantino. No perfil, ela compartilha dica de cuidados e também conversa com outras pessoas estomizadas. Para quem passa a conviver com a estomia, ela dá uma dica: “Seja gentil com você, por favor! Às vezes nem a gente entende nosso próprio corpo. É é uma novidade e dê um tempo para você mesmo se entender. Pesquise, mas pesquise em lugares sérios. Você vai achar mais pessoas iguais a você. Esse dia (da abertura do sanitário adaptado) é uma oportunidade de você enxergar que você é bem-vindo em todos os lugares”.
Fernanda d´Avila
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.