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Câncer de pênis pode levar a amputação

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sabonete penis

Em qualquer manual de urologia, sites do governo e sociedades médicas, a descrição é clara: “o câncer de pênis é um tumor raro, com maior incidência em homens a partir dos 50 anos”. 

Raro não é um termo muito apropriado quando falamos de certas regiões do país. No Maranhão, por exemplo, onde a situação é endêmica há mais de 20 anos, são aproximadamente 13 novos casos todos os dias, e a cada 15 dias, um homem tem seu órgão genital amputado. Para se ter uma ideia, na região Sudeste aparece um caso por mês, sendo que a maioria vem de outros Estados. Comparando com a incidência de outros tipos de tumores, o câncer de pênis é mais comum no Norte e Nordeste que um câncer de glândula suprarrenal, por exemplo.

Homens de 40, 50 anos, com vida sexual ativa, com muitos filhos para criar e que não fazem a menor ideia de que, para lavar o pênis, é necessário puxar o prepúcio (pele), expondo completamente a glande (“cabeça do pênis”). Esse é o perfil do paciente com câncer de pênis no Brasil. Dois itens básicos poderiam simplesmente eliminar o câncer de pênis do Brasil: água e sabão.

Medidas primárias de higiene estão intimamente relacionadas à doença por alguns motivos. Segundo o dr. Leonardo Oliveira Reis, professor titular de Urologia e Oncologia da PUC e membro da Sociedade Brasileira de Urologia, pacientes que não fizeram cirurgia de fimose (procedimento que retira a pele do prepúcio), com o passar dos anos mantendo somente uma limpeza ineficaz, acumulam secreção (esmegma) na cabeça do pênis. Esse ambiente é propício para a proliferação de bactérias que geram inflamação crônica. O que começa com uma simples “feridinha”, por conta da agressão na epiderme do órgão, transforma-se em tumor. “O câncer de pênis é 100% evitável, mas é preciso o auto-cuidado.”

Dr. José de Ribamar Calixto, urologista e professor da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), aponta algumas hipóteses para a região Nordeste concentrar tantos casos. “Talvez porque aqui no Maranhão tenhamos um dos menores IDH do país. Para você reconhecer um ferimento no pênis é necessário um grau de discernimento, já ter ouvido falar que aquilo é perigoso e que a solução é procurar um médico. Mas faltam políticas públicas para levar esse tipo de informação aos municípios mais afastados da capital.”

A Secretaria de Estado de Saúde do Maranhão diz que realiza constante capacitação dos profissionais de saúde, para que eles consigam transmitir aos homens informações básicas de prevenção, mas faltam recursos para realizar ações mais efetivas, como mutirões. “O foco é prevenção, pois o câncer de pênis gera um custo extremamente elevado dentro do sistema de saúde. Mas estamos trabalhando no momento somente com uma verba limitada do Estado. O último recurso que conseguimos do Ministério da Saúde foi em 2008, e no valor de R$ 330 mil. Infelizmente, é muito pouco, pois estamos falando de 217 municípios e uma equipe de mais de 15 mil pessoas”, afirma Tereza Carvalho, chefe do Departamento de Atenção à Saúde do Adulto e do Idoso.

Percurso

Normalmente, quando o paciente se dá conta de que é necessário procurar ajuda já é tarde por conta da rápida evolução da doença. Nos municípios do interior, o agente de saúde recebe um paciente com uma ferida no pênis, com odor forte, secreções purulentas e notifica que pode se tratar de uma lesão maligna. A partir daí, é necessário conseguir encaminhamento rápido até um hospital de referência na capital. Mas pela experiência do Dr. Ribamar, esse paciente consegue finalmente chegar somente depois de 12 meses. “Uma lesão que lá atrás possivelmente estaria no estágio I ou II já chega no III ou IV. No estágio IV, eles precisam ser submetidos a amputação”, diz Ribamar.

A retirada do órgão genital soa aterrorizante para qualquer um, mas em casos de câncer avançado ela é mais que bem-vinda. “Não há mais o que fazer. É bem triste, os pacientes pedem pelo amor de Deus para serem amputados. É um sofrimento muito grande”, afirma o urologista. Devido à ausência do autocuidado, a taxa de mortalidade da doença ainda é muito alta, pois casos nos estágios III ou IV já implicam em destruição do órgão genital e metástases linfáticas.

O tratamento nos estágios iniciais poderia ser muito mais ameno, exigindo somente a circuncisão. Mas como isso é muito raro na prática clínica, na maioria das vezes o tratamento consiste em retirar todo o pênis, incluindo as raízes que se estendem até a pelve. Nesse procedimento, o cirurgião cria uma nova abertura para a urina e a micção pode ainda ser controlada, já que o esfíncter é preservado. O homem passa a urinar sentado.

No último estágio da doença, às vezes também são removidos os testículos. Essa cirurgia é denominada castração, por remover a principal fonte natural da testosterona, o hormônio masculino. Os homens submetidos a esse procedimento devem usar uma versão artificial do hormônio durante o resto da vida. Esquemas quimioterápicos e radioterápicos não são eficientes para tratar o câncer de pênis

Dr. Ribamar esclarece que não é possível fazer reconstrução nem colocar uma prótese (recurso utilizado em casos de incontinência urinária, uma das possíveis sequelas do câncer de próstata, por exemplo). Por consequência, a vida sexual do homem também é fortemente atingida. Comparando de maneira grosseira, é como se fosse retirada toda a vulva da mulher e só restasse o canal urinário. “Infelizmente, apesar da importância, nós ainda não chegamos no momento de discutir a questão de como fica a sexualidade pós-cirurgia. Há grupos de trabalho de acompanhamento na área de psicologia e de assistência social, mas isso ainda é muito recente”, afirma o médico.

Uma informação tão básica como lavar adequadamente o pênis poderia salvar centenas de vidas todos os anos no Brasil. Começar a questionar esse termo “raro” também é um bom caminho, para que as políticas públicas se concentrem mais nessa população. “Trabalho em hospital oncológico diariamente e posso dizer que já vi 3 mil casos desse tipo de câncer em 30 anos de profissão. É tudo, menos raro”, finaliza o dr. Ribamar.
Logotipo do Instituto Vencer o Câncer

O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.

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