Campanha estimula conscientização para saber o máximo de informação, possibilitando melhor decisão
Há pouco mais de quatro meses, o exame de acompanhamento do câncer de pulmão de Marcos César dos Santos, de 48 anos, tinha quatro nódulos: um de 2,3 centímetros e outros menores – o menor com 0,9 centímetro. No último exame, havia apenas um nódulo, de 0,4 centímetro. O paciente comemora: “Os resultados da terapia-alvo foram fantásticos”.
A descoberta do tumor aconteceu em 2017. Em abril daquele ano, Santos, que mora em São João da Boa Vista, interior de São Paulo, teve uma tosse que não passava e estranhou alguns gânglios na lateral do pescoço. Com a impressão de que estava com a garganta inflamada, tomou anti-inflamatório por sete dias. Como não sumiram os nódulos, ele foi a uma consulta e a médica considerou duas possibilidades nesse primeiro momento: apenas uma infecção ou um linfoma.
Ele passou por especialistas para fazer exames e a suspeita do linfoma continuava. Para aprofundar o diagnóstico, fez cirurgia e retirou alguns nódulos para diagnóstico na BP – Beneficência Portuguesa de São Paulo. Em um primeiro momento teve a certeza de que era câncer, mas foi preciso uma investigação para descobrir que os nódulos no pescoço eram metástase de um câncer de pulmão – também havia metástase em parte do tórax. A confirmação veio em agosto daquele mesmo ano. Santos revela que faz parte da estatística dos 7% que nunca fumou e desenvolve câncer de pulmão – ele ainda vive em uma cidade bastante arborizada e com menos poluição do que as metrópoles, desconsiderando ainda esse fator, já que a poluição também contribui para o risco.
Iniciou em setembro de 2017 tratamento com 18 sessões de quimioterapia, que reduziram bastante o tumor. No início de 2018 o médico indicou a leitura genética para descobrir o marcador do tumor – com o material enviado aos Estados Unidos veio o resultado: positivo para ALK (veja sobre marcadores a seguir). Essa informação é o que permite fazer um tratamento totalmente dirigido ao tipo de tumor do paciente – ele começou a tomar medicamento de terapia-alvo em outubro de 2018.
Considerando a importância da medicina de precisão, o Instituto Vencer o Câncer lança a Campanha ‘Câncer de pulmão tem nome e sobrenome’, que tem como objetivo conscientizar o paciente sobre a importância de saber exatamente o tipo e subtipo do seu tumor para definir o melhor tratamento.
Tumor precisa de mais atenção
No mundo, o câncer de pulmão é o primeiro em incidência e mortalidade desde 1985. No Brasil é o segundo mais comum em homens e mulheres – ficando atrás, respectivamente, de próstata e mama, sem contar o câncer de pele não melanoma. Essa alta incidência e mortalidade vai na contramão da conscientização – o oncologista Gustavo Schvartsman, do Hospital Israelita Albert Einstein, chama atenção para esse fator. “Os cânceres de mama e próstata acabaram tendo uma grande penetração na mídia com as campanhas, mas o câncer de pulmão é mais letal tanto em números relativos quanto absolutos. Cerca de 50% dos pacientes acabam falecendo da doença, especialmente porque comumente é diagnosticada em fases mais avançadas. Mesmo o câncer diagnosticado em estágio precoce tem uma chance razoável de recidivar”.
Um dos objetivos da conscientização é diminuir a incidência, já que 90% dos tumores desse tipo são relacionados ao tabagismo. Outro fator de risco importante, destaca o médico, é a poluição do ar nas grandes metrópoles. Ele comenta ainda outras exposições relevantes para esse tipo câncer, como a poeira de sílica e asbesto, que afeta principalmente trabalhadores de construção, e o gás radônio, que é detectado em locais que são construídos sobre reserva de urânio. “O Brasil tem a quinta maior reserva de urânio do mundo; há cidades como, por exemplo, Poços de Caldas, que têm uma incidência muito grande. Estamos prestando um pouquinho mais de atenção a isso como fator de risco”.
Rastreamento para tabagistas
Os tabagistas formam a população de maior risco para desenvolver câncer de pulmão, sendo considerado de alto risco quem fuma um maço de cigarro por dia por 30 anos. Schvartsman diz que pacientes entre 50 e 80 anos com essa alta carga tabágica devem fazer rastreamento, para descobrir a doença antes que surjam sintomas, com tomografia de tórax de baixa dose realizada anualmente. Segundo o oncologista, essa medida pode baixar a mortalidade pelo tumor em 20%, se implementada populacionalmente.
O perigo do radônio
Esse tema, explica o médico, é muito mais bem trabalhado nos países de primeiro mundo, como nos Estados Unidos, onde é possível encontrar medidor de radônio nos supermercados. “As pessoas são aconselhadas a verificar os níveis de radônio nas suas casas para saber que cuidados precisam tomar. O principal meio de contornar isso é ventilar bem a casa – aqui o gás vem pelas tubulações, pelas frestas das casas e, se não forem bem ventiladas, pode fazer com que a pessoa se exponha a maior parte do tempo. Esse problema é amplamente desconhecido no Brasil e precisamos começar a conscientizar a população de que isso é algo relevante”.
O risco da poluição do ar
Schvartsman informa que a estimativa é de que em cidades com bastante trânsito, muito automóvel, ônibus a diesel, grande uso de combustíveis fósseis, até 10% dos casos de câncer de pulmão podem ser relacionados a esse fator. Ele explica as correlações: “Morar em São Paulo, por exemplo, já implica em um risco equivalente a três ou quatro cigarros por dia, não em comparação direta, mas na medida em que essa quantidade de cigarro eleva o risco de desenvolver o tumor. É um risco baixo, mas já maior do que na população em geral. Para quem usa transporte público, cerca de duas horas por dia, exposto diariamente à fumaça, o risco pode chegar até 10 cigarros por dia na equivalência com o tabagismo.
Tratamento: tumor do tabagista é diferente
O oncologista explica que há dois tipos de câncer de pulmão: do tabagista e do não tabagista. “O tabagista normalmente tem sintomas crônicos, como pigarro, tosse, às vezes cansaço, não dá muito importância e só vai perceber quando a tosse fica mais forte, sai sangue no catarro, tem dor torácica, sintomas que podem indicar uma doença avançada, às vezes até com metástase – cerca de metade dos casos é diagnosticada com metástase”.
Essa diferença do tumor de quem é tabagista e quem não é vai influenciar o tratamento. Schvartsman esclarece que o cigarro é um agente mutagênico muito importante. Por isso, quando o paciente fuma por muitos anos, por décadas até, o cigarro induz múltiplas mutações no DNA do tumor. “Cada gene vai codificar uma proteína e quando você tem uma mutação, às vezes troca a ordem das letras do código genético, criando uma proteína aberrante que pode levar a uma proliferação desregulada da célula. O cigarro induz muitas dessas mutações”, cita.
Por conta dessas mutações e proteínas diferentes, o tumor é bastante heterogêneo, pode responder um pouco melhor à imunoterapia, diz o médico, porque quanto maior o número de mutações, mais heterogêneo o tumor fica, mais diferente das células de origem, chamando mais atenção do sistema imune. “Para ‘escapar’ do sistema imune, o câncer acaba expressando uma proteína chamada PD-L1, que inativa o sistema. A imunoterapia bloqueia a interação dessa proteína no tumor, fazendo com que o sistema imune se fortaleça para atacar novamente o câncer”.
Apesar dessa melhor resposta à imunoterapia, o oncologista revela que o prognóstico do paciente tabagista costuma ser pior, porque a doença acaba sendo mais agressiva, por conta dessa heterogeneidade, das múltiplas mutações, com um tumor que cresce mais rápido, além do paciente ser mais debilitado pelo tabagismo.
O câncer de pulmão no não tabagista, especialmente em mulheres mais jovens, muitas vezes tem alterações chamadas de driver – basicamente uma mutação que faz com que o tumor cresça. “Atualmente sabemos de pelo menos dez alterações genéticas – podem ser mutação, fusão, deleção, uma série de mecanismos pelos quais o gene é afetado. Cada uma dessas alterações hoje tem um remédio alvo-dirigido, que é o que chamamos de medicina de precisão”.
Segundo Schvartsman, essas mutações driver ocorrem principalmente no subtipo de tumor adenocarcinoma, que pode ou não ser relacionado ao tabagismo, diferente do segundo mais frequente, carcinoma escamoso ou espinocelular, que é quase sempre desenvolvido em tabagistas.
“Em todo adenocarcinoma de pulmão nós temos, obrigatoriamente, que fazer a pesquisa dessas mutações”, avisa o oncologista, transmitindo uma boa notícia: alguns dos painéis moleculares, que realizam essa pesquisa, são patrocinados pela indústria farmacêutica e os pacientes podem fazer o teste gratuitamente. Nos painéis, o gene é sequenciado a partir de uma biópsia de um pedaço do tumor – o dna do tumor é extraído e sequenciado, buscando alterações em comparação com o genoma humano. “O Instituto Vencer o Câncer faz um trabalho excepcional na luta pela quimioterapia oral. Acredito que o próximo passo será pelo acesso aos exames, porque a Anvisa aprova o tratamento, mas não aprova o teste que é necessário para descobrir a alteração que torna o tumor suscetível ao tratamento”.
Ele acrescenta que o Brasil já desenvolve esses painéis – antes era preciso enviar todos os casos para os Estados Unidos para fazer sequenciamento. “Temos painéis que fazem sequência de 2 a 4 genes, de 50 genes, alguns com centenas de genes e carga mutacional tumoral e há o teste americano Foundation One, que sequencia 324 genes. Muitos não vamos usar para nada hoje, mas como está avançando rapidamente, às vezes sequenciamos um gene que ainda não tem remédio aprovado, mas daqui a dois anos vai ter. Então prevemos um pouco o futuro”.
Esse sequenciamento é uma forma de os médicos saberem o máximo de informações sobre o câncer para tomar a melhor decisão de tratamento.
Tratamento alvo-dirigido
Com a informação do gene que provoca a mutação no tumor é possível indicar o medicamento exato para conter esse processo – assim funciona o tratamento alvo-dirigido: uma pequena molécula que vai especificamente na proteína que está mutada. Esses remédios são chamados genericamente de antineoplásicos orais.
Atualmente cinco genes contam com tratamento alvo-dirigido aprovado para ser usado quando o sequenciamento encontra a mutação: ALK , EGFR, ROS1, BRAF e NTRK. Schvartsman avisa que outros quatro genes têm dados interessantes, mas ainda não contam com tratamento aprovado no Brasil.
Essa atuação da medicina personalizada aumenta a chance de resultado positivo. “Se faz tratamento desses tumores com quimioterapia, a sobrevida cai dramaticamente, ficando em torno de um ano, um ano e meio. Dependendo do tipo de alteração, pacientes com EGFR, por exemplo, hoje vivem três a quatro anos com antineoplásicos orais. Nos pacientes que têm ALK, metade ultrapassa cinco anos de sobrevida. Sem o tratamento alvo-dirigido apenas 10% alcançavam esse resultado”, conta o médico.
Além de aumentar o tempo, esse tratamento melhora a qualidade de vida, por gerar menos efeito colateral que a quimioterapia e possibilitar que o tratamento seja feito em casa. Outro fator importante, aponta o oncologista, é ser um tratamento moderno em que se entende como o tumor está crescendo e contorna especificamente esse crescimento.
Apesar do alto custo, Schvartsman comemora o fato de ter conseguido levar esse tipo de tratamento ao Hospital Municipal Vila Santa Catarina, onde também atua. “Conseguimos negociar valores; gasta um pouco mais, mas oferece um tratamento muito melhor e qualidade de vida”.
O paciente Marcos César dos Santos garante e comprova no seu cotidiano os benefícios desse tipo de medicamento. “O bom da terapia-alvo é que o efeito colateral é baixíssimo; eu me sinto super bem”, diz. “O efeito da quimioterapia é bastante doído. No dia em que eu fazia e no dia seguinte, o que chamam de D1, eu não sentia nada. Mas do D2 ao D7 eu passava muito mal, tinha muita náusea, o corpo ficava arrebentado. Quando comecei a terapia-alvo, minha vida mudou: às vezes tenho um pouco de diarreia, de cansaço, mas no geral vivo normalmente, fico com meus filhos, vou na academia, jogo futebol”.
Ele defende que o paciente deve buscar informação de qualidade, positiva, não ficar procurando saber quanto tempo tem de vida, mas onde vai encontrar solução para viver mais. “O médico se preocupa com a sua saúde. preocupe-se com sua vida”, aconselha. “Quando você é diagnosticado com esse tipo de doença, o chão some, você pensa: morri. Mas hoje temos expectativa de vida muito maior, e não falo de sobrevida, falo de vida mesmo. Quem me conhece e me encontra pergunta se eu tenho certeza que estou doente. O que me impulsiona é minha fé – sou católico -, a ajuda de muitas pessoas – filhos, amigos, parentes – e meu objetivo de querer criar os meus filhos, que têm 11 e 7 anos. Até quando, só Deus sabe. Cada dia é uma vitória. Importante é manter o alto astral, a cabeça erguida, porque se baixar a guarda para essa doença, em pouco tempo ela te engole. Desde que fui diagnosticado eu me coloquei nesse ponto e assim faço todos os dias, dizendo: vou vencer. Vai chegar um dia em que não vou precisar mais de tratamento”.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.