O assunto é controverso. Ainda sem regulamentação pelas agências de saúde em todo o mundo, inclusive no Brasil, o cigarro eletrônico desperta debates acalorados e divide a opinião dos especialistas. Alguns defendem que seu uso é menos prejudicial à saúde, podendo ser considerado uma estratégia de redução de risco ou auxílio para interromper o vício. Outros, no entanto, consideram o cigarro eletrônico uma nova maneira de manter o uso da nicotina e do hábito de fumar, podendo inclusive contribuir para o surgimento de novos fumantes.
Cigarro comum
O cigarro convencional possui cerca de 4 mil substâncias que causam dependência química, entre elas muitas substâncias cancerígenas. Em teoria, o cigarro eletrônico só tem nicotina. Um estudo que será publicado este mês no periódico Nicotine and Tobacco Research mostra que, apesar de não conter as tais 4 mil substâncias tóxicas, o cigarro eletrônico pode produzir agentes cancerígenos semelhantes aos encontrados no cigarro convencional. Segundo o estudo desenvolvido pelo Instituto de Câncer Roswell Park, nos Estados Unidos, o cigarro eletrônico pode produzir formaldeído, uma conhecida toxina formada quando a nicotina líquida e outros ingredientes do cigarro eletrônico são submetidos a altas temperaturas. Os níveis da substância aumentam de acordo com a voltagem da bateria do “e-cigarette”.
“Entre os fatores cancerígenos do cigarro está o calor. A fumaça produzida pela queima do tabaco pode chegar na boca a 300, 400 graus, temperatura que se mantém por milésimos de segundos, mas é suficiente para queimar a mucosa. Essa é uma das causas do câncer de cabeça e pescoço que acontece em fumantes”, explica o especialista em cessação de fumo Daniel Deheinzelin, do Hospital Sírio-Libanês.
Dependência e interrupção do vício
Deheinzelin alerta para a manutenção do vício em nicotina e para a questão comportamental que envolve o uso do cigarro eletrônico.“O fumante tem dois tipos de dependência. Uma dependência é química, a abstinência de nicotina, e uma a abstinência comportamental, do hábito de fumar. O cigarro eletrônico libera nicotina, mas não causa tosse, não provoca desconforto, não produz cheiro, e transmite a ideia de que a pessoa vai continuar fumando, mantendo o hábito, o gestual”, afirma o especialista.
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Por não ser permitida a venda, não existe controle sobre seu uso. Proclamado como um adjunto para o tratamento de cessação do vício, o e-cigarette nem sempre cumpre essa proposta. O que se sabe é que muitos o utilizam sem a intenção de parar de fumar, em geral adolescentes. Estudo publicado no British Medical Journal mostrou que adolescentes que sabem dos males causados pelo cigarro convencional e optam por fumar o cigarro eletrônico têm sete vez mais chances de fazer uso do cigarro convencional em um ano em comparação com aqueles que nunca experimentaram o e-cigarrette. Isso significa que além do gestual, o cigarro eletrônico cumpre o papel de manter a pessoa viciada em nicotina. “Apesar de ser considerado mais seguro, em termos de dependência de nicotina ele é tão ou mais eficiente que o cigarro convencional. É uma nova maneira de manter o vicio em nicotina”.
Cigarro eletrônico
Apesar disso, um estudo publicado na revista Addiction na edição do dia 20 de maio indica que existe uma chance 60% maior de interromper o vício ao utilizar o cigarro eletrônico em comparação com outros métodos de liberação de nicotina, como adesivos e gomas de mascar. O estudo liderado por Robert West, professor do departamento de epidemiologia e saúde pública da University College London, acompanhou 5.863 fumantes durante cinco anos, entre 2009 e 2014.Os resultados indicam que 20% das pessoas que fizeram uso do cigarro eletrônico para interromper o vício obtiveram sucesso. Para os participantes que tentaram apenas com a força de vontade essa taxa foi de 15,4%, e de 10% entre aqueles que utilizaram adesivos ou chicletes de nicotina.
Mas afinal, o cigarro eletrônico pode ser uma importante ferramenta para a cessação do tabagismo, ou representa apenas a substituição de um vício por outro?
Para Deheinzelin, como instrumento para cessação do tabagismo o cigarro eletrônico não é melhor que nenhum dos tratamentos disponíveis. “Na melhor das hipóteses ele é igual ao uso de adesivos de nicotina, que entre os tratamentos disponíveis é o que talvez tenha menor eficiência”. Os críticos do cigarro eletrônico acrescentam que ainda faltam evidências científicas de longo prazo para validar sua segurança e eficácia. Além disso, alertam que seu uso pode representar um retrocesso, tornando o tabagismo novamente atraente e prejudicando o resultado de anos de trabalho de conscientização sobre os malefícios do cigarro.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.