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Covid-19 e os cuidados com os pacientes oncológicos

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“Nós estamos em um momento muito delicado, um momento único de uma grande pandemia com a qual obviamente ninguém estava habituado a conviver. Isso gera uma série de repercussões e uma delas é a desinformação em relação ao impacto da covid-19 sobre outras doenças, como o câncer”. A observação do oncologista Fernando Maluf, um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer (IVOC), reflete a angústia de muitos pacientes oncológicos que vivenciam a dificuldade de serem considerados de risco para o desenvolvimento da forma mais grave da doença e precisam se expor ao sair na rua para seus tratamentos. Existem também a insegurança e o temor de adiar ou cancelar procedimentos. Pensando justamente em levar informação aos pacientes o IVOC lançou a campanha Cuidar Mais.

Ter os procedimentos cancelados é o maior medo de Sabrina Tatiuse Neves, 39 anos, que possui uma cirurgia agendada para 20 de maio, em que vai retirar o ovário, o útero, o apêndice e talvez, se precisar – e ela espera que não precise -, uma parte do intestino. Apesar de o médico ter confirmado o procedimento, a dúvida surge quando vê as notícias do aumento da demanda por respiradores. “Vou precisar de respirador na cirurgia; tenho medo de sobrecarregar (faltar respirador) e eu não conseguir fazer. Todo dia está mudando”.

Sabrina tem câncer de ovário com metástase no peritônio; recebeu o diagnóstico em outubro de 2018, fez quimioterapia e faz imunoterapia. Como precisa ir muito ao hospital para seu tratamento, teme precisar suspender a cirurgia caso pegue a doença antes – ou mesmo contrair durante ou depois, quando precisará estar bem para se recuperar. “É assustador. Estou de quarentena total, só saio para o tratamento, mas a agenda está cheia, tem exames, preparação para a cirurgia”, conta. Quando precisa sair, toma todos os cuidados, usando máscara, separando a roupa para lavar quando chega, tomando banho. “O hospital passou todas as orientações sobre higiene, o que devemos fazer para ir, não ficar em sala fechada lá, avisar se tiver algum sintoma para avaliarem se precisa adiar. Eu tomo todos os cuidados, mas ainda é uma insegurança muito grande ir para o hospital”.

Mesmo assim, ela prioriza o tratamento porque sabe que é essencial. É justamente essa a mensagem que Maluf destaca. “Temos que saber que pacientes com câncer são grupo de risco se tiverem algumas das características, por exemplo doenças hematológicas como leucemias, linfomas e mieloma múltiplo, pacientes em tratamentos quimioterápicos ou outras drogas que coloquem a imunidade num patamar muito baixo ou pacientes com doença muito avançada”.

O oncologista esclarece: pacientes que não estão nesses grupos não têm risco maior nem de infecção nem de complicação pela covid-19. “É importante saber que o câncer pode ser muito mais perigoso do que o próprio coronavírus. Os médicos têm feito esforços muito grandes em adaptações de protocolos, como adiamentos de cirurgia quando não envolve risco para o paciente, ou adiamento de tratamento de radioterapia ou de quimioterapia quando o risco também não é aumentado com o adiamento. Também têm feito tratamentos com variação, por exemplo, espaçamento entre aplicações de hormonioterapia, quimioterapia ou imunoterapia” Ele ressalta que é fundamental que os pacientes discutam com seus médicos os riscos da covid-19 e do tumor. Assim serão feitas adaptações para preservar a integridade máxima dos pacientes oncológicos. “Não tome decisões por si próprio, decisões que podem não ser acertadas acreditando que a covid-19 é mais grave do que o próprio tumor”.

O conceito de seguir o tratamento e avaliar adaptações é o que adota e indica o Instituto Nacional de Câncer (INCA), como explica o coordenador de assistência do órgão, Gélcio Mendes. “Os pacientes oncológicos, em especial os que estão fazendo quimioterapia e eventualmente radioterapia, têm uma diminuição no seu status imunológico, uma depressão do sistema imunológico e, com isso, um risco maior das complicações da infecção pelo coronavírus. São pacientes que já estão debilitados por vezes pela própria doença, pelas cirurgias que foram feitas”.

Para prevenir a transmissão do coronavírus, Mendes avisa que desde o início o INCA ajustou procedimentos e organizou um gabinete de crise. “Com relação aos pacientes, revimos algumas das nossas rotinas, em especial com os pacientes em quimioterapia, limitando tratamentos que tragam maior alteração da imunidade. Reservamos uma ala do Hospital do Câncer para atender pacientes com suspeita de infecção pelo coronavírus e também para tratar os que têm a doença confirmada. Também reservamos leitos de CTI”.

Os atendimentos ambulatoriais foram reavaliados e restritos para os que fazem consultas apenas de revisão, que vão ao hospital a cada três ou quatro meses somente para avaliar e acompanhar o tumor, que já estão fora de tratamento. “Mantivemos as consultas regulares de pré e pós-operatório e as relacionadas aos tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Estamos restringindo algumas cirurgias relacionadas a procedimentos de correção, como reconstrução da mama e do trânsito intestinal, que sendo adiadas não trazem prejuízos ao paciente”.

 

De longe, mas acompanhando

“Antes o hospital era um porto seguro e hoje é uma ameaça”, avalia a enfermeira Veronica Torel de Moura, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, que atua diretamente com pacientes oncológicos, acompanhando suas principais angústias. “Temos visto um certo desespero por parte de todos pacientes, estejam eles em tratamento ou seguimento. Além de todo o medo, a insegurança que o câncer traz, hoje o paciente tem uma outra ameaça, que é a covid-19”.  Ela destaca que precisa separar bem os que estão em tratamento e os que fazem seguimento para definir as orientações e avaliar riscos.

Muitos dos que estão em tratamento passam a maior parte da semana no hospital, fazendo exames e tratamentos às vezes diariamente. “Estamos nos deparando com pacientes que querem desistir do tratamento, querem adiar, querem pular etapa. Encontramos muitas dificuldades em relação a isso”. Para evitar prejudicar os tratamentos, conta que detalha todas as orientações do Ministério da Saúde e dos guidelines brasileiros e de outros países, especialmente que já passaram por essa fase da pandemia. Nesse contexto entram orientações básicas de higienização, de isolamento social e para as idas ao hospital.

“Hoje conseguimos analisar cada caso e, quando possível, postergar a vinda do paciente, avaliando um exame que talvez possa passar algumas semanas para frente, consultas que podemos fazer à distância. Tudo muito personalizado. Para quem faz, por exemplo, quimioterapia, que cai a imunidade, já estamos sempre orientando dos cuidados para prevenir infecções”.

Se os contatos telefônicos já eram constantes, agora aumentaram para tirar dúvidas, acompanhar e monitorar.

“A orientação ao paciente oncológico é que não deve parar o tratamento, porque antes de qualquer coisa ele tem uma doença que requer cuidados específicos. A doença não vai parar porque tem a covid-19. Vai continuar e muitas vezes progredindo”.

Há uma atuação direcionada também aos pacientes que terminaram o tratamento e fazem seguimento, que precisam de acompanhamento de perto para descobrir qualquer sinal de retorno da doença. “Temos vivido nessa situação limítrofe em mostrar que eles possuem diagnóstico prévio de uma doença que requer cuidados, que não dá para fechar o olho para ela, e manter todas as recomendações”, afirma. “O paciente que está livre da doença, está há dois, três anos longe do tratamento, pode levar uma vida normal respeitando as orientações do Ministério da Saúde para a população em geral. Podemos postergar um exame, mas tem que manter os olhos atentos e não abandonar a consulta ao oncologista, porque existe uma doença e precisa fazer esse seguimento”.

Aos pacientes que estão em tratamento, seja com quimioterapia, imunoterapia ou mesmo com medicações orais em casa, Veronica explica o que precisa de atenção especial: se a temperatura está acima de 37,8, deve colocar o alerta, por ser paciente oncológico, e procurar o serviço de saúde, porque tem a questão da baixa imunidade e pode não ser só gripe. “Lembrando que pela baixa imunidade ele está sujeito a outras infecções. O paciente que faz tratamento precisa de um olhar diferenciado. Aos pacientes em seguimento, as orientações são as mesmas gerais, de procurar um serviço de saúde apenas se tiver sintomas mais grave, como febre alta que não passa, tosse e principalmente falta de ar”.

 

A seguir, algumas orientações de Gélcio Mendes, coordenador de assistência do INCA:

 

> cuidado do paciente durante o período de isolamento

As medidas são basicamente as de confinamento que devem ser seguidas por toda a população, envolvendo distanciamento social, lavagem de mãos e etiqueta respiratória.

 

> uso de máscara durante o tratamento

Em casa não tem necessidade. Durante o deslocamento para as unidades de saúde, temos recomendado uso de máscara, em especial se for usar transporte público e nas áreas de espera dos ambulatórios e consultórios. O objetivo dessas máscaras é diminuir a exposição a eventuais partículas.

 

> contato com pessoas doentes

É recomendado evitar sempre o contato com pessoas que potencialmente estejam gripadas ou resfriadas.

 

> vacinação contra gripe

Por ser uma vacina de vírus mortos, não temos objeção ao uso nos pacientes, embora saibamos que por terem resposta imunológica mais débil, teoricamente vão se beneficiar menos da vacina. Isso deve ser discutido entre o paciente e o seu médico, especialmente os que usam imunoterapia, em que existe estimulação do sistema imune.

 

Importante!

Os pacientes devem seguir medidas de prevenção, mas mantendo ao máximo possível o tratamento oncológico, porque é um tratamento que não pode aguardar.

Logotipo do Instituto Vencer o Câncer

O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.

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