Nos casos crônicos, atraso não tem tanto impacto; nos agressivos pode prejudicar tratamento. Data chama atenção para importância de divulgar informações
“Eu vou morrer? Vou sofrer para morrer? Vou ficar careca? Vou poder ser mãe?”. Essas foram as perguntas que Débora Regina Fiamini, 36 anos, fez para o médico quando finalmente descobriu que tinha linfoma de Hodgkin clássico esclerose nodular 2A. Em meio às dúvidas, mais do que medo, a sensação era de alívio por finalmente saber seu diagnóstico, depois de muitos exames, palpites errados e até o início de um tratamento para tuberculose. “Muita gente demora para fechar diagnóstico. Participo de grupos de linfoma e é desesperador; muitos médicos acham que é tuberculose, e não é. Conheci meninas que trataram tuberculose por dois anos antes de descobrir o linfoma”, revela Débora, ilustrando uma situação que é bastante comum: a dificuldade de diagnóstico do linfoma, um tipo de câncer do sistema linfático, dividido em linfoma de Hodgkin (LH) e linfoma não-Hodgkin (LNH).
Para alertar e divulgar informações sobre esse câncer é realizada a campanha Agosto Verde Claro e 15 de setembro é considerado o Dia mundial de conscientização sobre linfomas.
Pesquisa realizada pelo Observatório de Oncologia demonstra que o linfoma costuma ser diagnosticado tardiamente no Brasil: mais da metade (58%) descobriu a doença em estágio avançado, com diagnóstico mais tardio em 60% dos homens e 57% das mulheres. O levantamento foi feito com pacientes atendidos pelo SUS entre 2008 e 2017.
A boa notícia, alerta o onco-hematologista Phillip Scheinberg, membro do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer, é que no caso dos linfomas o diagnóstico tardio influencia menos do que nos tumores sólidos. “Nos linfomas crônicos não faz muita diferença; não há cura, a gente só controla, a maioria dos casos por muitos anos, às vezes até décadas. Nos linfomas mais agressivos, curamos no geral 60% – quando é descoberto em fase menos avançada, aumenta a chance de cura, chegando em média a 70% a 80%”, avalia o médico. “Nos Estados Unidos, 70% a 80% dos linfomas crônicos são diagnosticados na fase avançada”. O importante, avisa, é fazer biópsia assim que houver suspeita (veja informações sobre sintomas, diagnóstico e tratamento a seguir) – o problema em muitos casos, como na história de Débora, é quando não há sequer a suspeita.
Longa jornada até o diagnóstico
Débora é dentista e trabalhava bastante, chegava a fazer jornadas de 14 horas por dia e, confessa, adorava. Um sábado, em meados de novembro de 2018, estava em casa assistindo televisão quando sentiu travar o pescoço no momento em que foi levantar para pegar um pão de queijo na mesinha da sala. “Na hora eu falei para a minha mãe: ‘deu um torcicolo’. Quando coloquei a mão no pescoço, senti que tinha uma bola. Minha mãe queria que eu fosse direto para o médico; disse que não iria, bastava tomar um remédio para tirar a dor. Liguei para um amigo fisioterapeuta que faz RPG e falei que precisava estar bem para atender na segunda-feira”, recorda.
O amigo a atendeu no domingo e indicou um médico de cabeça e pescoço. Como não queria perder tempo, decidiu se adiantar e fazer todos os exames (sangue, urina, ultrassom, tomografia) em um hospital, de madrugada, e já levar os resultados na consulta. “No hospital, meio que me seguraram; meus pais estavam viajando e, como era tarde, chamei meu irmão, avisando que estava acontecendo alguma coisa errada”. Quando o irmão chegou, ela ouviu no corredor mesmo, da médica que segurava seus exames: “você tem alguma coisa maligna; corre porque pode ter poucos dias de vida”.
O irmão ficou indignado e brigou com a médica. Enquanto chorava e era medicada para acalmar, via as pessoas no hospital orando por ela. E foi à oração que se apegou quando saiu dali, parando de madrugada com o irmão na frente de uma Igreja Universal e pedindo que ele se ajoelhasse e orasse com ela. “Ora como você nunca orou na vida”.
O especialista em cabeça e pescoço a acalmou, informando que seria impossível dar aquele diagnóstico com os exames – avisou que poderia ser um linfonodo aumentado, uma infecção urinária e até tuberculose, já que trabalhava em contato com pessoas que poderiam ter a doença. Débora começou então a fazer diversos exames: sorologia, punção aspirativa, vários testes de tuberculose, biópsia.
No dia 27 de dezembro, com o resultado da biópsia em mãos, o médico lhe disse que não acharam o bacilo e ele não tinha ideia do que ela poderia ter. “Pode ser nada e pode ser tudo”. Foi então encaminhada para dois especialistas: o infectologista avisou que tinha características de tuberculose, mas pediu revisão da biópsia; o tisiologista falou taxativamente que era tuberculose e disse que seria besteira fazer a revisão, que gastaria dinheiro à toa, já que o plano não cobria o exame no laboratório indicado – recomendou começar imediatamente o tratamento para tuberculose.
Débora começou o tratamento, mas também refez a biópsia. Teve bastante reação aos medicamentos para tuberculose, precisando tomar antialérgico. Quando recebeu o e-mail com o resultado da revisão, levou um susto: diagnóstico de linfoma de Hodgkin clássico. “Na hora falei para minha mãe: ‘estou com câncer’. O infectologista pediu para eu correr para o consultório e quando cheguei ele e a esposa estavam chorando, disse que não esperava isso, ou não teria pedido para enviar no meu e-mail”.
Encaminhada ao onco-hematologista, assim que o médico viu todos os seus exames, avisou: “Seu diagnóstico não está fechado”, porque havia muitos exames negativos e um positivo. Voltou à estaca zero. Dias depois, Débora foi internada para começar nova série de exames e pesquisar melhor a doença – foram cinco dias de angústia no hospital.
“Em 1º de fevereiro de 2019 recebi o diagnóstico final: linfoma estágio 2A. O médico avisou que estava no início, clavicular e um ponto pequeno no tórax. Não hora fiquei aliviada por ele dizer que eu tinha linfoma, por finalmente ter um diagnóstico”. Logo começou a quimioterapia e, diferente da maioria, que costuma ter reação dias depois, passou mal já enquanto recebia a medicação – precisou fazer as oito sessões internada. Já após a primeira sessão a diminuição do volume no pescoço chamou atenção – e deu alívio. “Entrei em remissão no dia 3 de abril de 2019”, comemora.
Depois da jornada difícil que viveu para ter seu diagnóstico – que seria ainda mais complicada se não tivesse decidido refazer a biópsia – e vendo desafios que outras pacientes compartilham, desabafa: “Parece que os médicos não entendem o linfoma”. Conta que o que lhe sustentou desde o início foi sua fé e os sinais que recebeu de Deus durante sua trajetória no combate à doença.
Conhecendo melhor o linfoma
O onco-hematologista Phillip Scheinberg explica que o fato de grande número de linfomas serem diagnosticados tardiamente está relacionado à apresentação da doença. “Têm linfomas com apresentação mais indolente, mais crônica, às vezes o paciente pode não sentir muita coisa ou sente e não procura um médico, acha que não precisa, por exemplo, se tem um gânglio no pescoço que não incomoda. Pode ser diagnosticado seis meses, um ou dois anos depois, e não é considerado tardio, porque a doença não estava trazendo repercussão para o paciente e nesses casos não existe necessidade imediata de tratar, na maioria das vezes. É diferente quando o linfoma é bem agressivo, por exemplo, que se apresenta de forma muito mais rápida e violenta – nesses casos, o paciente geralmente não consegue ficar muito tempo sem procurar ajuda médica”.
Quando há suspeita, destaca, o correto é fazer biópsia para ter um diagnóstico preciso, porque às vezes há divergência em relação ao subtipo de linfoma. Outra questão que pode atrasar o diagnóstico é a dificuldade de realizar biópsia, porque em alguns locais o acesso aos exames não é tão fácil.
Nos casos em que ainda não houve suspeita e o paciente está sendo tratado, por exemplo, para tuberculose, o médico lembra que é essencial acompanhar a melhora da doença – se está tratando e não há evolução, se o medicamento não funciona e o quadro até piora, é preciso questionar se o tratamento e o diagnóstico estão corretos e considerar o linfoma. “Há paciente que aparece com um caroço no pescoço e é infeccioso mesmo, trata com antibiótico e some. A evolução é muito importante nesses casos, verificar se os sintomas desaparecem, se está piorando. Se não melhora, começa a ter febre, a pessoa passa a sentir mal e desenvolver sudorese, tem que questionar por que não está melhor e provavelmente não é infeccioso”.
Sintomas e tratamento
Nos casos dos linfomas crônicos, os sinais podem demorar anos para aparecer. Se é mais agressivo, em dias a pessoa apresenta sintomas. Há situações, cita Scheinberg, em que o paciente faz um ultrassom de abdômen no check-up e descobre um gânglio. “É o mais comum de acontecer; pode estar avançado, mas para o linfoma crônico não quer dizer que é ruim, apenas que há mais áreas afetadas e não é muito impactante para o tratamento. Como cresce lentamente, pode passar para vários locais antes de a pessoa sentir algo”.
A dificuldade de entender os sintomas também se dá porque eles são comuns a várias doenças: febre, sudorese, fraqueza, mal-estar geral. “O mais importante é quando aparece um gânglio do nada, duro e não dói – isso é sinal de que pode ser linfoma”, ressalta o onco-hematologista. “Se é doloroso, provavelmente é um gânglio inflamatório, e se é inflamatório, provavelmente não é linfoma”.
O tratamento mais comum é com quimioterapia. O linfoma indolente de baixo grau, sem cura, é possível controlar de 80% a 90% dos casos.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.