A Lei dos 60 Dias (12.732/12), que começou a vigorar em maio de 2013, garante ao paciente com câncer o direito de iniciar o tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) em, no máximo, 60 dias após o diagnóstico da doença. No entanto, um ano após entrar em vigor, a lei ainda não saiu do papel. O Ministério da Saúde pretende que todos os registros de novos casos de câncer sejam feitos pelo Siscan – Sistema de Informação do Câncer – para obter um mapeamento da doença no País. O sistema, no entanto, não funciona. “A ideia do Siscan é boa e importante mas, na prática, a sua implementação precisa ser aprimorada. Aqui em Porto Alegre, por exemplo, em postos de saúde com muitos casos de câncer, o Siscan não funciona. Como o usuário vai ter direito ao cumprimento da lei, se nem o registro é feito ainda?”, questiona Maira Caleffi, mastologista e presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama – Femama.
A Femama encomendou uma pesquisa de abrangência nacional com gestores estaduais de saúde, hospitais e centros de tratamento de câncer do Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo foi compreender o cenário da implementação da Lei, identificando suas principais dificuldades, e comprovar com números que ela não está sendo cumprida. A pesquisa ainda está em andamento, e os dados preliminares foram apresentados durante Audiência Pública na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, em Brasília (DF).
Participaram do estudo 59 instituições de todas as regiões do país e 39% responderam. Para 79% dos entrevistados, não houve repasse extra de recursos para a implementação da lei. Na opinião de 33% dos respondentes, o Siscan está apenas parcialmente implantado e com problemas de funcionamento, e todos os entrevistados desconhecem uma data limite para o pleno funcionamento do sistema. Além disso, 25% dos participantes não foram treinados para utilizar o Siscan e 75% desconhecem a existência de algum plano de ação para fazer cumprir todas as obrigações constantes da lei. A presidente da Femama apontou que a maioria das unidades básicas não têm acesso à internet, condição básica para o funcionamento do Sistema.
A pesquisa registrou ainda uma dificuldade maior em realizar o tratamento com radioterapia. O tempo médio para iniciar o tratamento radioterápico no SUS é em média após 100 dias, muito além do prazo legal de 60 dias.
Audiência Pública
Durante a audiência pública o Ministério da Saúde revelou que 1.546 municípios utilizam atualmente o Siscan — ainda pouco, frente à totalidade dos 5.564 municípios brasileiros .“Existem 573 mil casos de câncer no Brasil por ano, e no último ano mil foram registrados no Siscan, com apenas 56% dos casos atendidos em 60 dias. Isso é 0,2%, é uma estatística que eles não deveriam nem mencionar para ilustrar o funcionamento”, lamenta Maira.
O principal ponto discutido foi o artigo 3o da Portaria no 876/13, que determina o início da contagem do prazo de 60 dias a partir da inscrição do diagnóstico no prontuário médico, e não após a assinatura do laudo patológico, o que na prática pode aumentar o período de espera ao qual o paciente é submetido. “Enquanto o paciente não consegue a consulta, esse prazo ainda não está valendo, pode avançar indeterminadamente. Mas para nós, o que vale é o diagnóstico. Nós queremos a data do laudo, e não a data do registro”, alerta a presidente da Femama.
A coordenadora-geral de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas do Ministério da Saúde, Patrícia Sampaio Chueiri, concordou que esse artigo representa um entrave e se comprometeu a acelerar a sua exclusão desta portaria.
E o paciente, o que deve fazer?
Muitos pacientes nem sabem que têm o direito de ser atendido em 60 dias. Outros, que têm conhecimento da Lei, acabam não contestando porque não sabem a quem recorrer. A orientação é comunicar o Ministério Público desde o início, através de um requerimento informando o pedido de atendimento no SUS. “O paciente tem que ter essa ideia de tempo, que tempo custa vida, que é preciso agilizar. Por isso a lei é muito importante”, explica Maira.
Segundo ela, é preciso continuar mobilizando a sociedade civil e o poder público, somar esforços para que a Lei dos 60 Dias funcione em todo o Brasil e para qualquer brasileiro. Muitos estão deixando de ter acesso rápido e chance de cura, e isso não é apenas no câncer de mama, mas próstata, pulmão, em todos os tipos de câncer. “Nós vamos continuar insistindo para que o paciente receba tratamento em até 60 dias a partir do diagnóstico. Queremos tratamento eficaz. E rápido”, conclui.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.