A frase, de Marco Antonio de Biaggi, o cabeleireiro das estrelas, resume de forma poética sua epopeia desde a descoberta de um linfoma em 2015 até a retomada do trabalho em seu salão de luxo no coração dos Jardins. Também poderia resumir sua história, do menino que nasceu em uma família simples e nas ruas de Pirituba, bairro paulistano, sonhava em fazer parte do mundo da moda e das celebridades que via nas revistas que folheava por horas nas bancas de jornais. Vislumbrou na profissão de cabeleireiro a possibilidade para realizar esse sonho, mas precisou enfrentar os tempos secos da vida, como o ano em que passou servindo café e varrendo chão em um salão de luxo.
Sua dedicação, o trabalho sem descanso e seu talento o levaram a pentear cabelos de modelos e atrizes para o mercado editorial e fazer centenas de capa de revistas. Nomes como o da bilionária Athina Onassis e da top model Naomi Campbell estão entre os das muitas famosas que passaram pelo MG Hair.
Biaggi vivia o auge de sua florescência e se preparava para mais uma temporada no Copacabana Palace quando acordou, na manhã de Natal de 2015, sentindo o que parecia uma bola embaixo do braço. Passou por dois hospitais com diagnósticos de que não tinha nada com que precisasse se preocupar antes de ter a notícia que mudaria sua vida: tinha linfoma do tipo não Hodgkin. “Começou minha luta, a descoberta. O que é um linfoma? Eu nem sabia o que era. Aí o médico falou que era igual ao do Gianecchini”. Sua primeira preocupação foi: “Como vou dar essa notícia para os meus velhinhos?”, referindo-se aos pais.
Logo começou a fazer quimioterapia, porque seu quadro era grave. “Eu vi que o medo só tem poder até que você o encare de frente. Eu o encarei de frente, com nomes que nunca tinha ouvido falar: protocolos, quimioterapia, linfoma não Hodgkin, tirar o liquor da espinha, da nuca… Quando você chega lá vê que não é esse bicho de sete cabeças que parece”.
Ele conta que não sentiu enjoos, mas lembra como foi difícil o dia que o cabelo caiu. “Eu levantei e a fronha estava cheia de cabelo. Quando cai é punk; cai tudo mesmo, é de chorar. Quando cai a sobrancelha, o cílio, você começa a ficar verde, parece um extraterrestre. É aquele zum zum zum sempre que você chega em um lugar; eu que sou famoso é pior ainda”. Profissional da beleza, com empresas pagando milhões para usar sua imagem que não podia sequer ter cabelos brancos, como lidar com o que via diante do espelho? Biaggi teve medo do preconceito, de perder seus contratos milionários, dos clientes sumirem, das revistas pararem de chamá-lo para trabalhos.
Para aprender a lidar com o espelho e superar tudo, contou com sua fé: “Eu nunca hesitei que ia sair dessa”.
“Quando você não para, a vida para você”
A fé de Biaggi, junto com o apoio familiar, foi fundamental quando tudo parecia ir bem no tratamento e ele passou mal, foi para o hospital e saiu meses depois. Ele ficou 145 dias internado; teve complicações no coração, no sistema respiratório e sofreu uma lesão medular que tirou os movimentos das pernas. “Eu tive tudo: 45 dias de coma, fiz três safenas, uma mamária. Saí de lado quase 40 quilos mais magro e sem andar. Virei um ET”, brinca.
Apesar de todas as adversidades, de tudo que precisou enfrentar para sobreviver, revela que durante todo o tempo sentia uma paz que não sabe de onde vinha. “Só pode ser do plano superior, de Deus”. Ele via a movimentação, a mãe chorando, mas parecia que estava dormindo em um hotel. O choque veio quando acordou, tirou o lençol e viu sua perna: “parecia osso e pele”, descreve a cena em que descobriu que não conseguia andar nem sequer segurar um telefone.
Veio a alta do hospital, começou o processo de recuperação, de muita fisioterapia. Era o fim do tempo seco e a volta das flores na vida de Biaggi. Mas dessa vez seus sonhos tinham outro direcionamento. “Eu estava no topo, tinha conquistado todos os meus desejos materiais: apartamento em Nova Iorque, cobertura na praia, duplex, viagens ao Copacabana Palace, mas tinha esquecido dos pequenos prazeres da vida. Queria tanto aproveitar o meu momento que não tinha um dia de folga para mim e, quando vi, passaram 20 anos. Porque a vida é assim. Quando você não para, a vida para você”.
Com o novo ciclo, a retomada do trabalho, começaram a surgir as novas alegrias. “Eu vi que tudo que adquiri são algemas de ouro. Não ia na cobertura havia quatro anos; em Nova Iorque havia três anos, e estava pagando condomínios caríssimos em dólar e real”, afirma. “Quando eu estava lá literalmente morrendo, vi que as coisas que eu sonhava não eram materiais. Eu sonhava tomar um copo de água gelada, comer um pastel de feira – não podia porque eu estava entubado. Queria andar no calçadão de Copacabana, que eu amo, embaixo do sol esturricado”. Enquanto fala, Biaggi revive o momento e sente a redescoberta do prazer das coisas simples da vida.
O tom de voz fica empolgado como o de uma criança que descobre o mundo quando descreve o que ama e agora, após o câncer, sente intensamente com cada um dos seus sentidos bastante vívidos: “Eu adoro aquele sol que esturrica, adoro fatia de melão, manga gelada. Amo pegar meu cachorrinho no colo”.
Seu sonho de domingo feliz é comer a massa preparada com carinho pela mãe, com molho de tomate fresco que já seduz pelo odor que ele sente quando chega na garagem de casa. Lembra que após sair do hospital, viu na Vila Madalena as ruas repletas de flores e ficou exultante: “Ahhhh! Nunca reparei que as árvores são tão verdes. E esses grafites, como pode um ser humano pintar uma coisa tão linda?”
O cabeleireiro das estrelas afirma que não tinha olhos para essas maravilhas porque era uma “vítima da fama”. Estava sempre com dois telefones, conectado, mandando mensagens, postando fotos.
Conta feliz que hoje senta no terraço e quando vê uma joaninha, filma, fotografa. Quando fala do seu terraço, seus olhos brilham ao recordar do momento em que o médico disse que não havia mais sinal de câncer em seu corpo. “Eu tinha um bonsai de maçã raríssimo que estava lá havia mais de 10 anos. Eu dizia ao jardineiro que o bonsai estava morto, ele raspava com a unha e dizia que estava vivo. No dia seguinte da volta do hospital, abri a janela e lá estava meu bonsai com folhas. Foi um presente do universo”.
Era a vida trazendo flores e alegria de volta à sua vida. Por isso, Biaggi não se cansa de dizer: “A vida é bela. O nome do meu livro teria que ser esse”, revela, referindo-se ao livro A Beleza da Vida, do jornalista João Batista Jr. que conta com detalhes essa história de vida com tempos secos, mas também com muitas flores e, especialmente, bastante fé.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.