Quando o câncer de mama é diagnosticado, é como se uma bomba caísse no colo das mulheres, especialmente porque, além da preocupação comum a outros tipos de tumores, surge a insegurança em relação à vaidade e à sexualidade. Não é à toa que 60% das mulheres julgam o câncer de mama como a pior doença que alguém pode ter. E, para agravar o temor, esse é o tipo mais comum entre elas, respondendo por 22% dos casos novos de câncer todos os anos. Só em 2012, o INCA (Instituto Nacional do Câncer) registrou 52.680 novas ocorrências da doença no Brasil.
A decisão da atriz norte-americana Angelina Jolie de retirar as duas mamas, por um procedimento chamado de mastectomia dupla, trouxe à tona um exemplo considerado “corajoso”. O histórico familiar era o primeiro indicativo de que talvez passar pela cirurgia fosse uma escolha sensata.
Filha da também atriz Marcheline Bertrand, que lutou por quase uma década contra o câncer de mama e acabou morrendo aos 56 anos devido à doença, Jolie sabia que poderia haver alguma probabilidade de ela mesma desenvolver a doença. Para tentar medir essa probabilidade, a atriz passou por uma análise genética, que por meio de uma amostra sanguínea detectou mutações no gene BRCA1 (responsável por produzir proteínas que previnem o crescimento descontrolado de células e, assim, proteger contra tumores), diretamente associadas a um risco elevado de desenvolver câncer de mama e de ovário. Os resultados mostraram que a atriz tinha aproximadamente 70% de risco de desenvolver a neoplasia mamária. “Uma vez que eu sabia que essa era a minha realidade, decidi ser proativa para minimizar o risco tanto quanto eu poderia. Tomei a decisão de realizar uma dupla mastectomia preventiva”, revelou a atriz de 37 anos em seu artigo “Minha opção médica” (em tradução livre), publicado no jornal The New York Times.
Os seios têm uma ligação forte com a feminilidade e a maternidade, ambas características marcantes na atriz, estrela de beleza cobiçada e mãe de seis filhos. Optar por uma cirurgia de retirada total da mama, dos músculos peitorais abaixo dela e de todos os linfonodos da axila preventivamente foi de fato um passo corajoso. Jolie conseguiu reduzir para 5% a probabilidade de desenvolver câncer mamário e mostrou que é possível não perder a autoestima e a sensualidade depois de um processo emocionalmente complicado como esse, indo de encontro à opinião de 75% das 1.640 mulheres entrevistadas pelo Instituto Avon, que acreditam na perda de vaidade após a mastectomia.
Poréns da cirurgia
Se por um lado a revelação de Jolie deu força àquelas que compartilham o mesmo sentimento da atriz, por outro deu visibilidade exagerada à mastectomia dupla como saída preventiva. “Com essa notícia, recebemos muitas ligações com dúvidas sobre a cirurgia. Houve um frisson de perguntas e preocupações exageradas. Algumas mulheres sem informação e orientação médica nos procuraram querendo marcar consulta para serem avaliadas”, afirma dr. Alfredo Barros, mastologista do Hospital Sírio-Libanês.
Embora a cirurgia não seja tecnicamente complicada, possibilitando que a paciente retome a rotina rapidamente, ela não é a única maneira de reduzir os riscos de se desenvolver câncer de mama e, muito menos, a opção que provoca menos transtorno emocional. “No caso de Jolie, que fez uma análise genética e tomou conhecimento da enorme probabilidade de ter câncer, sem dúvidas essa decisão foi a mais inteligente e coerente”, explica a oncogeneticista Maria Isabel Achatz, diretora do setor de oncogenética do Hospital A.C. Camargo Câncer Center. Mas isso não quer dizer que a atriz tenha percorrido um trajeto fácil até chegar a essa conclusão.
Para Barros, optar pela retirada preventiva das mamas não é uma opção simples, que possa ser recomendada para qualquer mulher. “É um assunto que deve ser discutido com muita calma. Com certeza é uma opção que deve ser apresentada à mulher, principalmente para aquelas que não lidam bem emocionalmente com um tratamento de câncer. Mas antes de decidir retirar as mamas preventivamente, a paciente deve receber acompanhamento psicológico, e isso após ser submetida a uma análise genética para constatar que há grande possibilidade de desenvolver a doença.”
Além de se adaptar à ideia de passar por uma cirurgia de retirada da mama, o mastologista ressalta que as mulheres têm de estar cientes de alguns pontos da cirurgia de reconstrução, já que nem sempre os seios ficam como eram. “A taxa de insatisfação com a cirurgia é de 20%. Em alguns casos há rejeição da prótese, em outros os mamilos podem ficar desalinhados. Mas o mais traumático para elas é que há a possibilidade de perda da sensibilidade tátil e erógena na região. A cirurgia é uma boa opção, sim, mas para quem precisa muito e recebeu todo o apoio médico possível.”
Angelina Jolie passou por três cirurgias, sendo uma delas justamente para preservar os mamilos e não danificá-los na mastectomia. Porém, nem todos possuem condições financeiras para arcar com o mesmo padrão cirúrgico da atriz. Hoje, o SUS oferece a reconstrução mamária para mulheres mastectomizadas após diagnóstico de câncer. Nesse caso, a cirurgia tem caráter de tratamento, e não de prevenção. Em 2012, 9.161 mulheres passaram pelo procedimento. A cirurgia preventiva, contudo, ainda não pode ser feita gratuitamente, assim como a análise genética que detecta precocemente mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2.
“Só para fazer a análise completa dos genes é preciso desembolsar em torno de R$ 6 mil. Nos sequenciamentos mais simples gasta-se por volta de R$ 2 mil”, explica o dr. Alfredo de Barros. Vale ressaltar que é desnecessário se submeter ao exame se não houver histórico familiar da doença. “O sequenciamento deve ser feito somente por aquelas que têm probabilidade de desenvolver câncer por conta de fatores genéticos. Se não for o caso, não há recomendação”, explica Maria Isabel Achatz.
Na rede pública são oferecidas gratuitamente outras maneiras de se prevenir contra o câncer de mama, como a mamografia e a ressonância magnética. São exames essenciais para a saúde da mulher, mas que podem ser insuficientes em alguns casos. “Nossa grande luta é para implantarem o sistema de sequenciamento genético no SUS. Geralmente, mulheres com histórico familiar da doença têm predisposição para apresentar o problema mais precocemente. Por exemplo, se a mãe teve câncer aos 50 anos, a filha tem grande risco de desenvolver a doença por volta dos 35 anos. É um fenômeno comum de antecipação. Só que com essa idade nenhuma mulher faz mamografia. Assim, ela tem grande risco de descobrir a doença apenas tardiamente, o que pode complicar o tratamento”, afirma a oncogenetiscista.
Defeitos nos genes BRCA1 ou BRCA2
Tumores de origem genética representam de 5% a 10% das causas de cânceres, sendo que apenas 0,2% da população apresenta mutação nos genes BRCA1 e BRCA2, e 1% tem defeito em um dos dois. É uma parcela pequena, mas quando as mutações existem, os riscos de uma mulher desenvolver câncer na mama ou de ovário são grandes, variando entre 60% e 80%.
Os genes BRCA1 e BRCA2 pertencem à classe de genes conhecidos como supressores de tumor. Em condições normais, eles ajudam a garantir a estabilidade do DNA (material genético da célula) e impedir o crescimento celular descontrolado. Ao sofrer mutações (existem mais de 2 mil mutações distintas), podem acarretar a produção de proteínas incompletas que perdem suas funções. Uma vez que deixam de desempenhar corretamente seu papel, surge o risco maior de desenvolvimento de neoplasias.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.