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O desafio de retomar os hábitos saudáveis para garantir o bem-estar dos pequenos

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O pediatra Paulo Pachi, ex-presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo, define como catastrófica a situação trazida às crianças brasileiras pela pandemia do novo coronavírus.

O médico, que é professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e chefe de Clínica Adjunto na mesma instituição, participou, em fevereiro, do lançamento do projeto Alimentos Tarja Verde, do Instituto Vencer o Câncer. A campanha, que pretende estimular a alimentação saudável de meninos e meninas para prevenir o câncer na fase adulta, ganha força no cenário atual, em que a mudança de rotina promoveu uma revolução nos hábitos.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma em cada três crianças entre 5 e 9 anos está acima do peso no Brasil. Entre os adolescentes, os números apontam 18% com sobrepeso, 9,53% obesos e 3,98% com obesidade grave. Com as restrições impostas pela pandemia, os médicos já preveem um aumento significativo nestes números.

Para Paulo Pachi, é necessária a retomada urgente da rotina mais saudável, com os cuidados com a alimentação, um horário de sono mais regrado, a diminuição do acesso a  telas  para priorizar as brincadeiras e, quando possível, estimular a prática de exercícios físicos.

Confira, abaixo, a entrevista com o pediatra.

Instituto Vencer o Câncer: Dr Paulo Pachi, no lançamento da campanha Alimentos Tarja Verde, no dia 4 de fevereiro, o senhor falou sobre os efeitos da obesidade na saúde das crianças. Em pouco mais de oito meses, a vida de todos mudou radicalmente. A infância e a adolescência são, provavelmente, as faixas etárias mais privadas de suas atividades normais. Qual o impacto dessas mudanças para meninos e meninas?

Dr Paulo Pachi: Realmente essa pandemia veio trazer uma situação que podemos chamar de “catastrófica”. Quando pensamos em um projeto como o Tarja Verde, de prevenção da obesidade, acabamos encontrando uma situação que vai exatamente na direção oposta daquilo que preconizamos que seja feito.

Temos observado que as crianças dentro de casa ficaram ansiosas. Na prática, já vemos o aumento de casos de sobrepeso. E, naqueles que já tinham sobrepeso, verificamos a obesidade chegando. 

A criança que fica em casa não se exercita. Com isso, não só deixa de queimar as calorias eventuais que deveria, mas também não se cansa e vai dormir tarde. E, neste momento em que muitos pais estão em casa trabalhando, dar acesso às telas é uma opção: a criança vai ficar quieta num canto e os pais poderão completar suas atividades em home office.

O uso de telas se acentuou de uma forma gigantesca neste período. Acreditamos que, até os dois anos de idade, a criança não deve ter acesso a nenhum dispositivo eletrônico. Dos dois aos cinco, esse acesso deve ser limitado a uma hora diária e, dos cinco anos em diante, é recomendado utilizar eletrônicos apenas duas horas por dia. Só que, agora, com as aulas virtuais, este período aumentou bastante. 

Outro problema destes tempos: dormir tarde porque não se cansou pode inibir a produção do hormônio de crescimento. E não é apenas um substância incumbida de estimular o crescimento linear. Este hormônio ajuda na queima de gordura, no aumento de massa muscular. Crianças que dormem tarde inibem, de certa forma, a produção deste hormônio, que tem o pico de madrugada. Então, são meninos e meninas que têm tendência a engordar, desenvolver menos massa muscular, numa fase crítica da vida, em que é importante que os músculos se desenvolvam  naturalmente. 

Esse isolamento das crianças deve elevar os índices de obesidade, porque elas não fazem atividade física, dormem tarde e, porque estão ansiosos pelas aulas online, acaba “beliscando” e comendo mais alimentos pouco saudáveis.

Houve um dia que eu recebi no consultório cinco adolescentes, entre 12 e 17 anos, que haviam ganhado muito peso, mudando todos os padrões que vínhamos acompanhando. E a adolescência é o período da vida em que você tem a multiplicação de células gordurosas. Se este paciente engordar, vai chegar na fase adulta com um considerável número de células de gordura, com um potencial risco de ser obeso. 

IVOC: Como o senhor acredita que será a retomada gradual das atividades “normais”? Será mais fácil para crianças e adolescentes se readaptarem?

Dr Pachi: A criança tem uma energia muito grande contida dentro dela. Para elas é mais fácil. Já para o adolescente, pode ser mais complicado. Principalmente se já estiver com o sobrepeso, porque vai sentir mais cansaço, embora este seja o grupo que mais precise voltar para uma vida “normal”.

IVOC: Dados recentes divulgados pelo IBGE sobre a dieta da população brasileira mostraram que a maior participação de alimentos ultraprocessados, em relação ao total calórico, foi para adolescentes. Nesta faixa também há um menor consumo de frutas, verduras e legumes. Esta é uma tendência que deve se consolidar no Brasil? O que fazer para mudar este quadro?

Dr Pachi: Informação e muita informação. É isso que precisamos passar para conscientizar as famílias sobre uma dieta adequada. Na verdade hoje, dependendo da classe social, a informação já é conhecida. O problema é o momento em que a criança pede o salgadinho ou o doce e os pais, porque estão ocupados ou sobrecarregados, acabam dando. Neste momento de compromissos de trabalho em casa, é muito mais fácil abrir um saco de salgadinho do que fazer uma salada com vários ingredientes.

Mas é preciso ter uma conscientização, que ocorre via informação. 

Porém, só isso não basta. É necessário ter motivação. O que acontece, também, é que os pais deixaram de levar os filhos aos médicos neste período, com medo da contaminação nos consultórios. E este abandono prejudicou o monitoramento de parâmetros como o peso e a altura das crianças. Então, os pais podem não perceber alterações que ocorreram nestes últimos meses.

A falta de contato com o pediatra, o acesso fácil a alimentos com grande quantidade de calorias, uma certa dificuldade de preparar o alimento mais saudável… tudo isso acaba resultando numa dieta mais pobre, cheia das calorias vazias, com menos nutrientes essenciais.

IVOC: Dr Pachi, neste Dia das Crianças, em que o maior presente é a Saúde, quais as orientações para os pais?

Dr Pachi: Não se esqueçam do horário do sono e limite o acesso a telas segundo a faixa etária da criança. Tente retomar o fracionamento das refeições como era no período escolar. Ofereça mais alimentos saudáveis e, quando possível, estimule a prática de exercício físico aeróbicos, para minimizar o efeito “engordador” da pandemia.

Logotipo do Instituto Vencer o Câncer

O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.

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