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Os desafios dos cânceres hematológicos, do diagnóstico preciso ao acesso aos novos tratamentos

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Dificuldade de identificar corretamente a doença prejudica a cura. Um dos obstáculos é ampliar rede de superespecialistas.

 

Os cânceres hematológicos (leucemias, linfomas e mielomas – de acordo com o tipo de célula afetada) possuem fatores que os fazem bastante únicos. Além de não serem tão conhecidos como tumores de mama, cólon, ou pulmão, têm aspectos que diferenciam a doença e que fazem dela um desafio ainda maior.

“Quando falamos de linfoma, por exemplo, temos mais de 100 tipos diferentes. Poucos patologistas têm capacidade de identificar corretamente e dar um diagnóstico acurado”, explica o oncologista hematologista Álvaro Alencar, especializado em neoplasias linfoides, membro do Serviço de Linfoma da Universidade de Miami, Sylvester Cancer Center.

Veja também: Leia sobre leucemia mieloide aguda

Diante dessa diversidade, se o patologista não é especializado encontra dificuldade de identificar algumas características. “Existem muitos tipos de linfoma com marcadores específicos e se o patologista não souber o que buscar, não vai identificar adequadamente a doença”, acrescenta Álvaro. “Também o médico que não está acostumado a tratar linfoma não saberá perguntar ao patologista sobre esses fatores e a falta dessa informação vai influenciar no tratamento ao paciente”.

Para o oncologista hematologista, por essas peculiaridades da doença um dos grandes desafios é aumentar o alcance desses superespecialistas. “Como eu trabalho nos Estados Unidos, falo da realidade americana, mas sei que não é muito distante do que acontece no Brasil”.

 

Diagnóstico equivocado compromete a cura

Quando são tratados corretamente, os linfomas são muitas vezes curáveis ou ao menos altamente controláveis. Mas uma linha de tratamento incorreta pode comprometer os resultados futuros, mesmo que depois o tratamento siga o caminho devido.

Álvaro cita um exemplo recente de uma paciente brasileira que levou um caso que reforça essa necessidade de especialistas para o diagnóstico. “Minha paciente interage em grupos da internet com outros pacientes e havia uma da mesma idade que ela, com 27 anos, que já estava sendo tratada quando a minha paciente foi diagnosticada. Essa outra moça comentou que o tratamento não estava tendo boa resposta e pediu que eu visse o caso. Ela tinha sido diagnosticada com linfoma de Hodgkin, mas quando meu patologista reviu a biópsia inicial descobriu que era um tipo de zona mista, difícil de diagnosticar”.

Conforme o oncologista, esse é um exemplo clássico de um tratamento desnecessário porque o paciente não teve diagnóstico correto da primeira vez. “É comum o médico tentar um tratamento, dois, três antes de perceber que está errado o diagnóstico. O primeiro tratamento é a melhor oportunidade para atingir os melhores resultados positivos”, ressalta Álvaro.

Uma das consequências de iniciar o tratamento pela linha errada é debilitar o paciente com efeitos colaterais de medicamentos desnecessários ou levando ao risco de desenvolvimento de células mais resistentes por seleção natural.  A solução, conforme o médico, é aumentar o acesso aos superespecialistas e aos testes específicos, moleculares – uma das limitações são os custos altos desses testes.

 

Tratamento imediato x observação

Álvaro cita outro desafio vivenciado em seu trabalho como oncologista hematológico: convencer pacientes que não têm sintomas de que estão doentes e necessitam de tratamento. “Muitas vezes são tumores altamente agressivos ainda assintomáticos, que o paciente descobriu acidentalmente. O problema é que quando houver sintoma o tumor estará bastante avançado”.

Como os linfomas são bastante versáteis, por outro lado, há alguns que não precisam de tratamento imediato e podem ser observados por um tempo. Nesse caso, o médico muitas vezes precisa lidar com a ansiedade do paciente, que quer um tratamento.

“Muitos linfomas de baixo grau são doenças crônicas; se controlar adequadamente a pessoa pode ter uma vida praticamente normal”, esclarece. Ele vive esse dilema nos Estados Unidos e conta que no Brasil é ainda pior, pela questão cultural, a dificuldade de aceitar a ideia de que apesar de ter um câncer não precisa se tratar.

“A diversidade do linfoma torna tão difícil colocar essa graduação. Para cada subtipo há um tratamento”, diz. “As terapias avançam e estão superdirecionadas. Muitas vezes é melhor não fazer um tratamento agressivo agora, controlar e esperar, porque em alguns anos podemos ter algo bem melhor. Mas para isso o médico precisa ter conhecimento da biologia do tumor, para ter certeza que pode ir devagar agora porque em poucos anos há chance de ter uma droga mais eficaz”.

Revolução no tratamento de linfoma: acesso restrito

Álvaro comenta que a dificuldade de acesso ao tratamento é geral, e acontece tanto nos Estados Unidos como no Brasil. “Obviamente é muito maior no Brasil. Quando os médicos vêm nos visitar para conhecer nosso centro dizem que têm dificuldade enorme de oferecer terapias similares no Brasil, por conta das dificuldades de acesso a tratamentos novos principalmente por burocracia relacionada a seguros de saúde, que requerem apelações judiciais e muitos relatórios, tornando o cuidado medico desafiador e cansativo”.

Sobre essas diferenças, lembra que tem medicamentos que já estavam disponíveis nos Estados Unidos há mais de 10 anos e chegaram ao Brasil nos últimos dois anos; outros estão chegando agora.

Hoje, a maior parte dos medicamentos está disponível no Brasil, mas o desafio é ampliar o acesso a um tratamento extremamente avançado, a terapia celular CAR T-cell. “É uma terapia altamente efetiva que apresenta respostas incríveis em pacientes que falharam em todas as outras formas tradicionais de tratamentos e até em terapias avançadas, que ficavam sem opção de tratamento”, destaca Álvaro. “Ela retira linfócitos T do paciente e no laboratório as células são preparadas para atacar o receptor específico nas células de linfoma”.

Essa terapia foi aprovada nos Estados Unidos para uso comercial no final de 2017. Por enquanto só é encontrada em poucos centros americanos, pelo alto custo e pelas necessidades específicas exigidas para o preparo – o processo de retirada e preparo das células leva em média 17 dias e a infusão exige locais bem preparados. “Essa terapia foi aprovada na União Europeia no final de agosto (2018). Só o preparo das células custa mais de 300 mil dólares; o pacote completo, com honorários médicos, hospitalização, chega a mais de meio milhão de dólares”.

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