Os pacientes oncológicos de forma geral – e em especial os que têm câncer no sangue – podem correr maior risco de desenvolver complicações se contraem a covid-19. As novas evidências que surgem nos estudos médicos indicam que as características demonstradas pela doença aumentam esse risco. “Começou sendo considerado um quadro de infecção viral, que ataca as vias respiratórias; alguns pacientes evoluem para uma pneumonia e alguns para pneumonia bem grave. O que temos visto, principalmente nas últimas semanas, é que há outros aspectos envolvidos”, avisa o hematologista Phillip Scheinberg, integrante do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer.
O médico explica que tem se observado que existe uma resposta inflamatória bastante exuberante que parece estar provocando problemas, como pneumonia e envolvimento de outros órgãos. “Parece que o problema é mais sistêmico do que simplesmente um vírus atacando o pulmão”. Segundo Scheinberg, numa tentativa de se defender, o sistema desencadeia uma resposta inflamatória, como o organismo deveria fazer, mas em alguns casos muito intensa e descontrolada, levando a uma piora respiratória, na pressão, da função renal e piora de múltiplos órgãos. Como se o vírus desencadeasse essa série de respostas. Por isso, um dos protocolos que vem sendo adotados e investigados pelo mundo é de bloquear a resposta inflamatória.
“Têm outras coisas que começam a aparecer, por exemplo, a coagulação parece estar descontrolada. Parece que o vírus interfere no sistema de coagulação; como isso é feito, ainda não é tão bem entendido, mas provavelmente há outros órgãos, outros sistemas no organismo que estão sendo afetados”, diz o médico. “Isso não é novo; existem outros microorganismos que desencadeiam tudo isso – o que não sabíamos, ou ainda não se sabe, que o vírus da covid-19 pode causar essas reações. Em alguns casos vemos um descontrole bastante importante. Ainda não sabemos como acontece, em quem, porque e quando acontece. Mas a observação é que está acontecendo”.
Porque os pacientes onco-hematológicos são mais suscetíveis
Scheinberg esclarece que, para qualquer infecção que surge no organismo, uma das principais armas para enfrentá-la é o sistema imunológico. “Temos um sistema imune extremamente sofisticado, que nos diferencia de espécies animais mais primitivas. O homo sapiens desenvolveu um sistema de defesa extremamente complexo por milhões de anos de evolução”, diz, complementando: “Quando temos um câncer hematológico, muitas vezes o câncer está no próprio sistema imunológico e o tratamento usado é exatamente para inibir o sistema imune, porque precisamos atacar onde está o problema”.
É por isso, destaca o hematologista, que esses pacientes estão teoricamente com risco maior, já que o tratamento está atacando a defesa do organismo que deveria proteger contra a covid-19 e outros vírus. “Temos uma preocupação acentuada nos casos de cânceres hematológicos, porque são pacientes imunodeprimidos por definição. Tratamentos oncológicos em geral acabam atacando o sistema imune, mas nesse caso atacamos de propósito. O grau de imunodepressão acaba sendo muito maior”.
Por conta dessa característica, os médicos precisam tomar decisões avaliando cada caso. Como explica o hematologista, casos que não são urgentes podem esperar algumas semanas, um mês ou dois. A opção, às vezes, é postergar as ações para proteger o paciente. “Temos reuniões semanais analisando os casos que podem ser adiados e os que não podem. Essa é a recomendação das principais diretrizes mundiais. Se é um paciente de câncer hematológico que precisa de tratamento, deve continuar, com todas as medidas para diminuir o risco”, diz. “Sempre orientamos os pacientes: todas as recomendações que geralmente são feitas, de evitar sair de casa se não houver necessidade, evitar contato, aglomerações, tudo é redobrado com o paciente hematológico”.
A pandemia chegou no momento em que Gisele Ribeiro Barros Aguilar Marques, 31 anos, acabara de se descobrir como paciente onco-hematológica. Ela foi diagnosticada com Linfoma de Hodgkin em fevereiro. Está em estágio inicial e o tratamento foi adiado. “Não sei se pela pandemia, mas creio que tenha influenciado”, comenta Gisele.
Ela já estava havia mais de um ano com um nódulo no pescoço quando resolveu procurar um médico – o nódulo apareceu, depois sumiu e voltou a aparecer. Quando fazia esforço sentia inchar e doer. “Agora estou aguardando me chamarem para fazer o pet scan e começar o tratamento”.
Proibida de trabalhar pela médica, só sai de casa quando precisa e toma todos os cuidados: máscara, assepsia das mãos e quando chega vai direto para o banho, colocando toda roupa para lavar. “Apesar dos meus exames terem mostrado imunidade normal, a médica disse que pode baixar e que preciso me cuidar, evitar contaminação pelo coronavírus”.
Cuidados são importantes
Ricardo Bigni, chefe da Seção de Hematologia do Instituto Nacional de Câncer (Inca), explica que todas as orientações às pessoas de grupos de maior risco são aplicáveis a pacientes com diagnóstico de doenças hematológicas classificadas como formas de câncer (leucemias, linfomas, mieloma múltiplo, etc…), especialmente aqueles que estão em tratamento oncológico quimioterápico e/ou radioterápico, ou mesmo em fase após transplante de medula óssea. “Devem respeitar o isolamento social, saindo de suas casas apenas quando estritamente necessário, para prosseguimento de seus tratamentos, ou outras situações de força maior, e sempre de máscara. Devem ter cuidados dentro de suas casas e quando necessário sair à rua usando álcool a 70% ou sabão para higiene de mãos, óculos e outros utensílios de uso frequente sempre que possível”, alerta.
Ele avisa que em caso de sintomas respiratórios leves (coriza, tosse, dor de garganta), é importante que o paciente peça orientação ao seu médico ou serviço onde faz tratamento para saber se é recomendável ter uma avaliação de urgência. “Muitos dos casos de infecções respiratórias não demandam cuidados em hospital e a ida poderia expor o paciente a uma maior exposição ao contágio pelo vírus, pela proximidade com outros pacientes em serviços de emergência”, avalia. “Nos casos em que há febre e sintomas mais acentuados, com febre elevada, dificuldade para respirar, tosse com secreção, deve procurar assistência no hospital ou serviço onde faz seu tratamento oncológico para avaliação médica presencial e assistência adequada”.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.