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Quem disse que câncer não tem vacina?

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Vacinas são, por definição, produtos voltados a estimular a defesa do nosso organismo. Enquanto em um passado nem tão distante a ideia de ter uma vacina que pudesse cumprir esse papel em relação aos tumores era apenas um sonho, hoje essa já é uma realidade não apenas pensando na prevenção do desenvolvimento do câncer, mas também com importante atuação no tratamento.

Os oncologistas clínicos Gustavo Schvartsman e Abraão Dornellas, do Hospital Israelita Albert Einstein e membros do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer, explicam que há tanto vacinas para prevenção quanto outras voltadas mais à parte terapêutica.

Vacinas em oncologia – há 3 grupos principais:

  • Vacinas que protegem contra o que pode promover o desenvolvimento do câncer, como as de HPV e Hepatite B, evitando que a pessoa pegue o vírus que é fator de risco para tumores.
  • Vacinas terapêuticas contra o câncer, usadas especificamente para tratar alguns tipos de tumores.
  • Vacinas usadas como estimulantes do sistema imune de forma inespecífica, como a vacina da BCG.

Vacina contra HPV e Hepatite B

“Há vacinas para prevenção de cânceres que são induzidos por algum vírus”, comenta Gustavo Schvartsman e cita como exemplo a vacina contra o HPV, que previne o surgimento da infecção por esse vírus, que pode provocar alguns tipos de câncer, sendo o de colo de útero o principal, mas também câncer de pênis, de vulva, vagina, do canal anal, de garganta e orofaringe. 

“Esses cânceres são prevenidos por uma boa vacinação de HPV antes do início da atividade sexual para maximizar a proteção. Por isso as recomendações são para vacinar dos 9 aos 14 anos. Temos no SUS a vacina tetravalente, contra dois tipos de HPV que causam doenças benignas e dois que são os principais causadores de doenças malignas”, diz, acrescentando que no sistema privado há a vacina nonavalente que conta com 5 sorotipos adicionais de HPV, que são menos frequentes, aumentando a proteção. 

Devido à importância dessa vacinação, o Instituto Vencer o Câncer lançou, em parceria com o Grupo Mulheres do Brasil, a Aliança pela Eliminação do Câncer do Colo do Útero no Brasil, uma mobilização permanente para promover a vacinação nas escolas e campanhas de comunicação para engajamento da sociedade.

Gustavo Schvartsman explica que outra vacina que pode prevenir o surgimento de cânceres vírus induzido é a que protege contra Hepatite B, que é uma das principais causas de cirrose. “O vírus da Hepatite B tem mais chance de induzir um câncer de fígado do que o vírus de Hepatite C, por exemplo, que também é um dos vírus causadores de cirrose”. Por isso a vacinação contra a Hepatite B também é importante para prevenir surgimento de câncer.

Vacinas com atuação terapêutica

“Temos agora mais vacinas para a parte terapêutica, com a função de estimular o sistema imune contra o câncer”, avalia Gustavo Schvartsman. Destaca que há técnicas modernas e bastante promissoras de tratamento usando a mesma tecnologia da vacina do Covid, que é a vacina de RNA – também chamada vacina mRNA, que usa uma cópia de um químico natural que é o RNA mensageiro para produzir uma resposta imune. 

“O RNA sintético age dentro das células para que elas produzam parte de uma proteína de um agente infeccioso, de um patógeno (como vírus) ou célula cancerosa. Quando o organismo identifica a proteína estranha, desenvolve uma resposta imunológica, produzindo anticorpos e células de defesa”.

Saiba mais sobre os testes primeira vacina em nível mundial contra o câncer de pulmão

O oncologista destaca a vacina contra o melanoma que está sendo desenvolvida com essa técnica. “É uma vacina altamente personalizada, que utiliza uma amostra de melanoma do paciente. Eles sequenciam geneticamente o tumor e encontram alterações, mutações que levam ao surgimento de proteínas, que chamamos de antígenos, específicas para aquele tumor e que podem estimular uma reação imunológica, mas o sistema imune, por algum motivo, não conseguiu concretizar aquela reação imunológica”. 

A vacina pode usar até 34 desses antígenos que são detectados e é administrada no paciente em doses de reforços com uma frequência periódica. “Ela estimula o sistema imune contra os antígenos específicos do melanoma daquele próprio paciente. É utilizada junto com uma imunoterapia já disponível hoje, nesse contexto, que é o Pembrolizumabe”. 

O especialista explica que há um estudo, ainda preliminar, de fase 2 randomizado, com pacientes que tinham o melanoma em estágio 3, operaram e receberam o imunoterápico no contexto pós-operatório, adjuvante preventivo, que atualmente é o tratamento padrão, versus pacientes que receberam a imunoterapia mais a vacina. 

“Nesse estudo, a adição da vacina reduziu a chance de recidiva em 50%. Foi um estudo preliminar; o estudo confirmatório randomizado fase 3 está em andamento e inclusive é estudado também no Brasil”. Ele ressalta que essa tecnologia pode ser aplicada em vários tipos de cânceres, porque é altamente personalizada. 

“Há ainda outra vacina, francesa, chamada Tedopi, que também já tem um resultado positivo e está em estudos confirmatórios. Ela é um pouco mais genérica e basicamente faz a estimulação contra cinco antígenos conhecidos que são presentes nos tipos de câncer. O estudo dessa vacina está focando inicialmente em câncer de pulmão”.

Apesar dessas inovações ainda estarem em fase de estudo e não disponíveis comercialmente, os bons resultados preliminares trazem esperanças e em poucos anos, talvez dois ou três, pondera Gustavo Schvartsman, se os bons resultados se confirmarem, elas poderão estar disponíveis inclusive para outros tipos de tumores. 

“Sempre que falamos de tratamentos que dependem do sistema imune, pensamos nos tumores que são mais imunogênicos, que têm fatores mutagênicos externos que causam múltiplas mutações”, afirma. “O câncer de pele é o primeiro, com a radiação ultravioleta causando múltiplas mutações no tumor. Em segundo lugar estão os tumores induzidos pelo cigarro, que também é um forte agente mutagênico: aí entram os cânceres de pulmão, de cabeça e pescoço, de bexiga, rim e esôfago. Esses são os que têm vacinas com desenvolvimento um pouco mais avançado”.

Estimulantes do sistema imune

A vacina da BCG, produzida com uma forma atenuada do bacilo que causa a tuberculose, historicamente usada para prevenção e tratamento dessa doença, tem uma aplicação na Oncologia como opção terapêutica para tumores de bexiga iniciais. 

A Onco BCG é instilada dentro da bexiga para estimular uma reação imunológica local e atacar as células de câncer iniciais, eliminando possíveis resquícios de células tumorais que possam ter permanecido.

O oncologista Abraão Dornellas esclarece que, dessa forma, a BCG é utilizada para prevenir a recidiva local do cancer de bexiga não invasivo. “O câncer de bexiga surge de forma superficial – ou seja, é um tumor que está somente na parede interna da bexiga; se não for tratado, pode ir invadindo as paredes da bexiga e se disseminar pelo corpo”, detalha. 

“Quando ele está só nessa parte superficial, o tratamento é feito com raspagem – o urologista coloca uma câmera dentro da bexiga e faz uma raspagem da lesão superficial. Posteriormente são feitas instilações dentro da bexiga de uma solução com soro fisiológico e BCG”.

  • O tratamento é uma forma de imunoterapia intravesical com o desenvolvimento de uma resposta imune local. Quando a BCG – com sua bactéria atenuada – entra em contato com a parede da bexiga, causa uma resposta inflamatória local que recruta células do sistema imune do paciente, que são ativadas contra as células tumorais, minimizando os riscos de essa doença superficial voltar a se manifestar. 

Receio que falte BCG

Apesar do uso da BCG em câncer de bexiga ser um tratamento relativamente simples e com custo baixo, Abraão Dornellas chama atenção para um desafio: a disponibilidade da BCG. 

“Como sua produção está bastante relacionada à utilização em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, onde a tuberculose ainda é uma questão de saúde pública, o interesse econômico de produção de BCG é muito pequeno, o que faz com que vez ou outra a gente tenha desabastecimento. No ano passado houve pelo menos duas ocasiões em que não tínhamos BCG para tratar os pacientes com câncer de bexiga superficial. Isso é um grande problema”, lamenta. Nesses casos é preciso substituir a BCG por quimioterapia intravesical, que pode não ter a mesma eficácia, além de aumentar a possibilidade de efeitos colaterais.

Esse é um receio compartilhado pelo paciente Mauro Cincinato Contente Filho, que é cirurgião vascular e descobriu um câncer na bexiga em março deste ano durante seu check up anual. “Eu não tinha sintoma algum e no final de março, quando fiz um ultrassom de abdômen, apareceu um nódulo na bexiga, fixo, com grande chance de ser tumor”. 

Exames complementares confirmaram um tumor superficial, que não tinha invadido a camada muscular. Em abril o paciente fez ressecção do tumor e esperou a cicatrização para iniciar o tratamento adjuvante complementar com BCG. “Vou fazer a quarta seção, de um total de seis, a princípio, e depois farei três sessões a cada três meses, até completar dois anos”.

Mauro Cincinato afirma que o tratamento é ótimo, sem efeito colateral. “Sei que algumas pessoas têm reação, como uma gripe forte, mas eu não tenho nada. Apenas um leve desconforto quando passa a sonda para injetar a BCG e que permanece durante aquele dia. Acabo perdendo o dia de trabalho porque faço exames e consultas, tem que injetar a Onco BCG na bexiga e ficar virando de lado por duas horas, mas fora isso é vida normal, trabalho, faço plantões”.

Ele conta que tinha escutado sobre esse tratamento há anos, na época ficou curioso e pesquisou mais sobre o assunto, porque trabalha também com auditoria médica e acaba atuando com todas as especialidades. “Eu tenho uma experiência própria com tratamento com BCG, como médico vascular. Havia pacientes com infecções crônicas (erisipela) – isso há mais de 20 anos – e eu receitava Onco BCG via oral para eles tomarem, a imunidade aumentava e eles paravam de ter erisipela de repetição”.

Com o tumor ressecado, Mauro Cincinato espera que essa imunoterapia preventiva funcione no seu caso. “Em alguns meses terei que refazer cistoscopia e ressonância para ver se está tudo bem, se o tumor não voltou, se não houve recidiva. Estou bem esperançoso”, afirma. “Só não pode faltar a BCG. Na época que eu usava com meus pacientes, só tinha disponível no Butantan, era gratuito, mas às vezes estava em falta”.

Importante: buscar opções terapêuticas cientificamente comprovadas

Os avanços em vacinas contra tumores são bastante promissores. O importante, destaca Gustavo Schvartsman, é o paciente estar atento ao que é uma opção terapêutica cientificamente comprovada de alternativas experimentais ou mesmo que não têm resultados e são propagandeadas como eficazes. “Há pacientes que estão mais vulneráveis, escutam sobre essas opções e sentem-se ansiosos por não estarem recebendo”.

Diante das dúvidas, a melhor opção é sempre buscar informações confiáveis e conversar com seu médico de confiança.

Texto de Viviane Pereira

Logotipo do Instituto Vencer o Câncer

O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.

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