Crônicas de Outubro  – A felicidade de se sentir inteira para seguir em frente

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Sara olhou no espelho e sentiu-se feliz por se achar bonita, por saber que, apesar de tudo, estava bem. Poder sorrir em um momento difícil é uma das vantagens de quem escolhe ver o copo meio cheio, de tirar o melhor da situação. Por isso estava alegre e aliviada ao se olhar após a reconstrução mamária.

O grande pavor de Sara Velloso, 57 anos, desde que teve o diagnóstico de câncer de mama triplo negativo em janeiro de 2022, era ficar mutilada. Foi um alívio também saber que não precisaria passar pela quimioterapia — momentos importantes para fortalecer sua autoestima. Não ter sido mutilada pela doença lhe permitiu estar inteira emocionalmente e psicologicamente, tocar a vida e seguir em frente.

“O presente que eu tive do câncer foi exatamente o contrário: ganhei mamas mais bonitas e me senti mais mulher. Operei e já saí com as mamas reconstruídas. Ganhei mais autoestima.”

As amigas, conta, ficaram com inveja da nova mama — provavelmente porque o bom humor de Sara faz tudo parecer mais leve. “Um dia cheguei no médico, ele me perguntou se eu estava bem, eu respondi que não, estava péssima. ‘Como assim? Você nunca está péssima’, ele queria entender. Respondi que antes eu tinha duas tetas que lambiam o dedão do pé e agora tenho um abdômen que não orna com as novas. Rimos juntos.”

Da sala de cirurgia à maratona em Londres

Ao humor descontraído, ela junta a praticidade. Quando soube que tinha câncer, quis fazer logo a cirurgia. Teve o diagnóstico em janeiro, operou em fevereiro — mastectomia total nas duas mamas com colocação de prótese.

Na época era diretora financeira do Grupo Bandeirantes. Pensava como iria parar sua vida para cuidar do câncer com a realidade do mundo executivo, em que não se pode abrir espaço porque sempre há alguém tentando tomar seu lugar. Decidiu não contar para ninguém. Quando retornou do feriado de Carnaval, os colegas de trabalho perguntaram se tinha viajado. “Não, operei um câncer.” Lembra que foi assim que tratou da doença, como quem arranca um dente.

A biópsia apontou um câncer secundário no bico do seio, consequência do tumor no duto mamário. Passou por nova cirurgia em março. Em outubro de 2022 completou a Maratona de Londres em 8 horas, correndo e caminhando.

Crônicas de Outubro  - A felicidade de se sentir inteira para seguir em frente

Aprendendo autocuidado, a se priorizar e se ajustar aos momentos

Seguiu fazendo os exames a cada seis meses. Em outubro de 2023 teve uma recidiva. “Dessa segunda vez eu já tinha saído do mundo executivo. Quando o médico disse que eu teria que operar novamente, perguntei se poderia ser depois do show do Paul McCartney”, sorri.

Operou em dezembro e, dessa vez, teve indicação para fazer radioterapia. Quando a médica perguntou se ela preferia fazer às 7 horas ou às 10 horas, a resposta veio fácil: às 10 horas, porque às 7 horas era seu treino. “Se estivesse no mundo executivo, ia fazer às 7 horas para não atrapalhar o período do trabalho, me matar de trabalhar o dia inteiro. Eu treinava, cuidava de mim, ia fazer radioterapia, chegava em casa, almoçava, sentia aquele cansaço depois do almoço que a radioterapia dá. Tirava meu descanso, aí eu me sentava para trabalhar e fazer as minhas coisas. Entre os aprendizados que o câncer me trouxe está o autocuidado, de olhar para mim e falar: ‘Eu mereço’.”

Em fevereiro de 2025, durante os exames de controle, descobriu uma mancha que precisava ser investigada. Em maio se confirmou o diagnóstico de recidiva, e Sara passou por uma nova cirurgia em junho. A primeira coisa que fez quando soube do diagnóstico foi cancelar a inscrição para a Maratona de Valência, em dezembro. “Aprendemos as doses certas que precisamos dar à vida. Da primeira vez eu queria mostrar para mim mesma que não era nada, que tinha passado. Agora quis me dar o direito de descansar e me recuperar.”

Ao todo, já foram quatro cirurgias em três anos — cada uma trazendo novos aprendizados e novas escolhas sobre como viver. Também aprendeu a lidar com as dúvidas que surgem a cada véspera de exames. Para ela, o câncer é uma doença difícil, “quase sádica”, porque coloca o paciente no limiar da incerteza. Mas também é transformador.

Hoje, busca viver nos intervalos — e não apenas sobreviver. “Decidi que o câncer não ia determinar minha vida, eu não me submeteria às regras dele. Quando a agenda é dele, ok. Fora isso, vivo a minha agenda, porque o mundo não vai parar para viver a minha dor. A dor é minha. A vida continua. O câncer não me define, mas me transformou, porque agora eu vivo com mais intensidade. Aprendi que viver é muito mais forte que qualquer recidiva.”

Cirurgia feita, Sara retoma a vida. Até o próximo exame, é tempo de viver.

Texto de Vivi Griffon

Publicação: 20/10/2025 | Atualização: 20/10/2025

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