Efeitos colaterais podem atrapalhar, mas orientação faz a diferença, especialmente com medicamentos orais.
Como fazer para o paciente continuar com um tratamento longo – que pode até durar a vida toda – e muitas vezes tem diversos efeitos colaterais? Esse é um desafio enfrentado por equipes de saúde que cuidam de vários tipos de câncer e alguns em especial, como o câncer renal. O fato de ser um tumor silencioso, que geralmente demora a ser detectado, faz com que grande parte dos diagnósticos sejam feitos com a doença em fase avançada, exigindo tratamentos que se prolongam.
Como março é o mês do câncer renal, sendo dia 14 a data em homenagem a esse órgão tão importante para o funcionamento do nosso organismo, é um bom momento para debater as dificuldades de adesão ao tratamento a partir da perspectiva desse tumor. Para o oncologista Fabio Schutz, membro do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer, um dos principais desafios é garantir que o paciente tenha acompanhamento para enfrentar as dificuldades dos tratamentos orais, que podem ser crônicos e causar efeitos colaterais.
“Por mais leves que sejam, os efeitos colaterais às vezes incomodam muito e duram um longo tempo. O paciente precisa ter acompanhamento de perto para garantir aderência e controlar potenciais efeitos”, avalia Schutz. Por isso, o médico considera que a adesão depende muito do acesso do paciente ao sistema de saúde. “Se a equipe de saúde não fica próxima, o paciente não vê o médico com frequência, não recebe orientação, a aderência pode ser mais baixa”.
Outra barreira com os medicamentos orais é a compreensão exata de como o medicamento deve ser tomado e a importância da medicação. “Muitos moram longe dos centros de saúde, não conseguem ter acompanhamento nem receber a devida orientação; não entendem a necessidade de tomar o remédio e nem sabem direito a doença que têm. É uma questão multifatorial e o médico precisa dar a atenção necessária para orientar”. Ele acredita que uma forma de diminuir o problema é ter profissionais acompanhando os pacientes, ainda que com telefonema, para saber se está usando o medicamento corretamente, os efeitos provocados, tirar dúvidas.
“Normalmente se pensa que um paciente com uma doença grave deveria se comprometer mais com seu tratamento, mas nem sempre funciona de maneira simples. Questões pessoais, familiares, ganhos secundários, depressão, baixo nível de cognição ou instrução são alguns dos fatores que influenciam na adesão ao tratamento”, acrescenta a farmacêutica Mayde Torriani, diretora administrativo-financeiro da Sociedade Brasileira de Farmacêuticos em Oncologia – Sobrafo. Ela conta que o esquecimento também é frequente, mas com orientação esse problema pode ser solucionado, com auxílio de aplicativos ou alarmes, conectando a hora de tomar o medicamento a alguma atividade diária ou ajuda de familiar para lembrar. “Mesmo assim, se o paciente não estiver comprometido com seu tratamento, a adesão não será adequada”.
Apesar das barreiras, Schutz aponta uma possibilidade de melhora desse cenário, com a chegada de imunoterapias, drogas endovenosas, no Sistema Único de Saúde para o tratamento de câncer renal metastático. “Quando a medicação é na veia, o tratamento segue melhor, porque não depende do paciente tomar”.
Estratégia para adesão: Empoderar o paciente
Apesar das vantagens no uso de medicamentos por via oral, como a liberdade e o conforto de cumprir a terapia sem precisar comparecer ao hospital, esse formato necessita de mais ajustes. Mayde lembra que quando o paciente recebe o medicamento diretamente em sua residência, “o personagem do farmacêutico fica fora do cenário. Nesse caso, o paciente fica sem uma referência da equipe da saúde, responsável pelo acompanhamento e gestão da terapia antineoplásica”. A farmacêutica ainda acrescenta que as novas terapias facilitam a rotina do paciente, mas a simplificação do tratamento pode levar a um relaxamento no comprometimento.
“O paciente sempre terá que compreender que ele é o principal ator do processo de tratamento, e esta compreensão é prejudicada com o distanciamento do profissional”, ressalta Pablicio Nobre Gonçalves, presidente da Sobrafo. Para suprir essa necessidade, Mayde acredita que o médico deverá recorrer à ajuda do farmacêutico, que por sua vez terá que garantir ao paciente as informações sobre a terapia, seja através de folhetos informativos, videochamadas ou contatos telefônicos. Mas ressalva: “Isso não garante a compreensão completa, principalmente dos pacientes idosos ou de baixa cognição”.
O presidente da Sobrafo explica que há várias questões importantes que devem fazer parte das orientações aos pacientes, seus familiares e cuidadores, desde os padrões de aceitação para garantir que o medicamento atenda as exigências necessárias para o uso seguro e esteja bem acondicionado, em temperatura correta e sem alteração em relação à forma ou coloração. “Precisa receber informações sobre o acondicionamento da medicação. Se tem algum tipo de comorbidade e toma outros medicamentos, demandará uma avaliação para ver se todos são compatíveis ou ocorre interação medicamentosa. Se houver, será necessária intervenção da área médica para avaliar a possibilidade de substituição”, avisa Gonçalves. “Precisa avaliar também em relação à alimentação: alguns medicamentos devem ser tomados com estômago vazio ou em duas tomadas diárias. Há ainda casos de interação entre alimentos e medicação e é necessário verificar que alimentos podem estar restritos na dieta do paciente, para não comprometer o tratamento”.
Seja por via endovenosa ou oral, o tratamento terá mais resultado se o paciente estiver orientado e consciente de sua necessidade, para enfrentar os efeitos colaterais e entender que mesmo que a doença não apresente sintomas, ela existe e precisa ser tratada. Para isso, reforça Fabio Schutz, o melhor caminho é sempre a informação de qualidade. “Não podemos esquecer que a internet aceita tudo. E o paciente desesperado vai aceitar qualquer coisa. É importante preocupar-se em buscar uma fonte confiável, entender a gravidade do que tem, a necessidade de ser tratado e as opções e demandas do tratamento”.
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O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.