Há uma década o dia 11 de fevereiro ganhou destaque especial na área da ciência, quando, em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu esta data como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A ciência tem papel essencial para as inovações da Medicina, possibilitando os grandes avanços que temos vivenciado em diversos tipos de tratamentos.
Considerando essa relevância, o Instituto Vencer o Câncer tem o tema como prioridade, tanto no estímulo das ciências quanto na atuação feminina no setor. Por isso, para celebrar a data, trazemos uma importante pesquisadora que recentemente passou a fazer parte da Rede Vencer o Câncer de Pesquisa Clínica, projeto que visa levar a pesquisa clínica a diversos locais do Brasil, tornando-a mais acessível e privilegiando hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS), universitários e filantrópicos. Atualmente a rede conta com 20 centros de pesquisa em operação.
Heloisa Rezende, oncologista clínica coordenadora do centro de pesquisa do hospital universitário H.FOA – Hospital da Fundação Oswaldo Aranha, em Volta Redonda (RJ), ressalta a importância da pesquisa clínica para a Medicina e da inspiração de mulheres na ciência para estimular novas pesquisadoras.
“Todos os avanços em Oncologia vêm da pesquisa. Nós só temos imunoterapia, terapias alvo e outras aprovadas porque houve uma pesquisa, que traz a segurança para o paciente que recebe o tratamento”, diz, complementando que a pesquisa possibilita conhecer profundamente todos os desdobramentos do uso de determinado produto para definir se ele poderá ou não ser útil, que riscos envolve e que ganho esperar. “Pode ser um medicamento, uma nova técnica cirúrgica, um novo cosmético… Todos os produtos aprovados para uso em humanos precisam passar por uma fase de testes, para avaliar os desdobramentos em um ambiente de estudo, de pesquisa, para garantir segurança”.
Esse é o principal ganho que a pesquisa traz, universal, mas há ainda o ganho secundário, que é garantir aos participantes acesso ao melhor tratamento disponível naquele momento. “Em um contexto brasileiro, em que 75% da população é usuária exclusiva do Sistema Único de Saúde (SUS), e existe uma deficiência de procedimentos aprovados em relação ao Sistema de Saúde Suplementar, a pesquisa funciona como uma forma de acesso, com o tratamento custeado pelo patrocinador do estudo, que pode ser a indústria farmacêutica ou, em algumas situações, o governo brasileiro através de programas ou linhas de financiamento.
Inspiração feminina
O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência é importante para marcar a força da inspiração feminina para que cada vez mais meninas e mulheres possam se dedicar à área científica. Como pontua Heloisa Rezende, as mulheres têm tido uma participação cada vez maior em todos os segmentos do mercado, não só na área da pesquisa.
Heloisa Rezende, oncologista e pesquisadora
“Quando comecei na minha carreira, especialmente como Oncologista, o percentual de mulheres era menor, o mesmo nas áreas de apoio, como Assistência Social, Mastologia, áreas cirúrgicas. Hoje vemos um grande crescimento de mulheres tanto na Medicina quanto na pesquisa, e acredito que esse é um caminho sem volta”, diz. “Talvez a humanidade tenha começado de uma maneira errada, imaginando que homens e mulheres deveriam ter papéis diferentes no mercado, na ciência, mas estamos corrigindo esse pensamento inicial. Acho que é um momento de conquista e ascensão”.
Para promover essa mudança, a oncologista clínica defende que essa inspiração de outras mulheres ajuda muito, especialmente para perceber que não é preciso escolher entre ter uma família ou uma carreira bem-sucedida. Comenta que ela mesma se inspirou em grandes mulheres, especialistas médicas, que têm filhos e são líderes internacionais em suas áreas. “Eu olhava para essas mulheres inspiradoras e pensava: ela conseguiu ter família, filhos e permanecer atuante, e me inspirava, assim como outras pessoas com quem convivi ao longo da minha jornada, professoras, profissionais, e hoje vejo alunas, muitas queridas futuras colegas de trabalho que olham para mim e se enxergam nesse papel, sabendo que também podem conseguir crescer na carreira e ter sua família, viver suas vidas”.
Por que o Brasil participa pouco de pesquisas clínicas mundiais?
Essa era a pergunta que Heloisa Rezende buscava responder – e por isso decidiu realizar um estudo com o tema. “Sabemos que o Brasil participa pouco de pesquisa clínica, especialmente de projetos com clinical trials, com intervenção. De todos os estudos mundialmente produzidos, o país participa em torno de 2% desse tipo. Isso me intrigou e nasceu em mim um desejo de entender os motivos”.
O primeiro passo foi saber o que dizia a literatura, por que a própria indústria farmacêutica não gostava de incluir o Brasil nesse tipo de estudo – um dos motivos observados foi o fato de o processo regulatório envolvendo todas as instâncias de aprovação dos protocolos ser muito demorado. “Vimos também que o Brasil tem evoluído bastante e que esses prazos têm melhorado, têm sido reduzidos, mas apesar disso esse número de 2% não está melhorando. Eu considerei que poderia haver outros motivos e resolvi perguntar aos médicos o que percebiam que poderia contribuir para que o Brasil não tivesse crescimento, pequeno que fosse, na participação em clinical trials”.
O levantamento envolveu diversas perguntas entrevistando apenas médicos pesquisadores. O resultado foi que um terço dos entrevistados admitiu que encaminha menos de 5% dos seus pacientes para pesquisa. “Eles não conversam sobre o tema pesquisa. Entendemos que existem questões governamentais, estruturais, relacionadas ao cenário brasileiro de instituições, mas também uma cultura do médico oncologista, que se lembra pouco de falar sobre o tema”.
Apesar de não ter perguntado, Heloisa Rezende tem algumas ideias das razões que podem influenciar e favorecer esse comportamento – uma delas seria o fato de o médico trabalhar em um hospital que não é, naquele momento, o local que desenvolve uma pesquisa. “O médico enxerga como uma barreira o paciente ter que migrar de um hospital a outro para participar da pesquisa”, avalia. “Outra barreira que supomos é a questão do tempo: para explicar sobre a participação em pesquisa levaria muito tempo e às vezes o profissional atende no sistema público ou mesmo no privado e não tem esse tempo. É enorme atualmente a demanda por atendimentos, consultas e pelo tempo do oncologista e há muitas questões que precisam ser conversadas sobre pesquisa, em especial em relação à quimioterapia, imunoterapia, onde temos que abordar o melhor medicamento para o paciente e ele participa da decisão; depois é ainda preciso falar sobre os efeitos colaterais. Por isso entendemos que o tempo é possivelmente um dos limitadores”.
As conclusões indicam que para mudar o cenário é preciso trabalhar essa questão junto a todos os envolvidos no processo: os donos de hospitais, os administradores que gerenciam a agenda, todos precisam compreender que o hospital que se propõe a fazer pesquisa necessitará ter um tempo protegido para que o médico converse sobre o assunto. “Essa é uma primeira bandeira que, entendemos, precisaria ser levantada, e talvez com esse tempo o médico tem mais oportunidade de conversar sobre pesquisa, o que possibilitaria recrutar mais pacientes. Pode ser uma questão cultural, por nosso modelo de trabalho. Não acho que o médico não queira encaminhar, mas na verdade ele está afogado por demandas”.
Volta Redonda: mais um centro na Rede Vencer o Câncer de Pesquisa Clínica
O centro de pesquisa do hospital universitário H.FOA foi fundado por Heloisa Rezende em 2015 e têm realizado estudos acadêmicos, de menor complexidade. “Estivemos sempre engajados em alguma atividade de pesquisa, fazendo frente à necessidade da universidade. Para o aluno é muito importante que desde o início da sua gradação ele entenda como se fazem as pesquisas”.
Ela explica que já havia o embrião e o centro se candidatou para o programa de qualificação do Vencer o Câncer, entendendo que seria uma excelente oportunidade para aprimorar o treinamento e os estudos. “Ficamos muito felizes em sermos um dos centros qualificados para receber esse treinamento. Estamos empenhados, toda a equipe está participando”, afirma. “Para nossa surpresa, foi muito interessante que o Vencer o Câncer já nos trouxe um estudo; vamos começar avaliando os resultados de uma intervenção em câncer de próstata, e então compararemos intervenções. É um estudo bem complexo, bem elaborado e sofisticado, que tem como seu idealista o oncologista Fernando Maluf, pesquisador proeminente na área de câncer geniturinário”. Fernando Maluf é um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer.
Para Heloisa Rezende, esse estudo atende uma importante necessidade da população brasileira, preenchendo uma lacuna da ciência para tentar trazer os tratamentos de forma mais precoce aos pacientes com câncer de próstata – a proposta da pesquisa é usar um bloqueio hormonal já consagrado para pacientes com doença metastática e utilizar para pacientes com a doença em fase inicial, mas de alto risco. “Acreditamos que teremos um potencial muito bom de recrutamento para incluir um número bastante satisfatório de pacientes”.
O centro está preparando a documentação para submeter ao Comitê de Ética e passando essa etapa regulatória receberá a visita de equipes para iniciação. A expectativa é que em cerca de três meses a unidade possa começar a incluir pacientes no estudo.
Viviane Pereira
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.