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Câncer de colo de útero: informação e vacinação salvam vidas

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Teste de DNA pode antecipar diagnóstico em 10 anos

Dizem que ele é sorrateiro, chega sem dar sinais e quando há sintomas é porque pode já estar em estágio avançado. Assim é o câncer de colo de útero, silencioso, que preocupa por sua incidência e mortalidade apesar de existirem formas de prevenção (vacinação contra HPV) e rastreamento (Papanicolau e DNA-HPV) para diagnosticar precocemente, aumentando as chances de cura. Se não vivemos um cenário mais benéfico para as mulheres isso se deve, em parte, à falta de informações. Por isso é tão importante aproveitarmos o Janeiro Verde, criado pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) para conscientizar sobre o tumor.

O Instituto Nacional de Câncer (Inca) avisa que não dispõe dos números de casos de câncer diagnosticados, mas apresenta as estimativas de novos casos dos tipos mais incidentes na população brasileira. A estimativa para o triênio 2020-2022 é de 16.590 novos casos de câncer de colo de útero a cada ano, um risco de 15,43 casos a cada 100 mil mulheres. É o segundo mais incidente nas regiões Norte (21,20/100 mil) e Nordeste (17,62/100 mil) – sem considerar os tumores de pele não melanoma. Fica em quarta posição na Região Sul (17,48/100 mil) e em quinto na Região Sudeste (12,01/100 mil). Em 2019 ocorreram no país 6.596 mortes por câncer do colo do útero, segundo o Atlas da Mortalidade, do INCA.

A prevenção é uma esperança para as gerações futuras, com a vacinação contra o HPV, já que a maioria dos casos está relacionada a uma infecção causada por esse vírus. Existem pelo mundo alguns exemplos que demonstram um cenário melhor para esse tipo de tumor com a vacina, como a Austrália, que começou em 2007 a imunização que levou o país a ter uma das menores incidência de câncer de colo de útero, com uma redução dos tumores relacionados ao HPV que ultrapassa 70%. A expectativa, alerta o oncologista Fernando Maluf, um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer, é que a Austrália erradique o tumor em uma ou duas décadas. Apesar das vantagens comprovadas e da disponibilidade de vacinas, o Brasil ainda busca avançar nas metas de vacinação contra o HPV.

 

Rastreamento: Papanicolau salva vidas

O exame mais usado no rastreamento para o câncer de colo de útero é o Papanicolau, também conhecido como citopatológico. “O exame citopatológico é o método de rastreamento do câncer do colo do útero, indicado para a população alvo de 25 a 64 anos, a cada três anos, após dois exames anuais consecutivos normais (recomendações que visam garantir o balanço favorável entre riscos e benefícios do rastreamento)”, esclarece o Inca. As orientações de periodicidade podem sofrer variações de acordo com indicações médicas aplicadas a cada caso.

Apesar da disponibilidade deste exame tanto na saúde privada quanto no Sistema Único de Saúde (SUS), muitas mulheres deixam de realizar a avaliação periódica que pode diagnosticar precocemente o tumor. Essa situação se agravou ainda mais durante a pandemia, com queda na realização de exames no ano de 2020, conforme demonstra tabela do Ministério da Saúde, com dados de 2015 a 2020. De 6 milhões e 800 mil exames realizados em 2019, passou para menos de 4 milhões em 2020.

 

“Sempre acreditei que teria solução”

Foi exatamente através de um Papanicolau que Simone Rizzotto, 43 anos, teve seu diagnóstico de câncer de colo de útero em outubro de 2019. Na consulta de rotina – que estava atrasada, fora da periodicidade que ela costumava fazer – a ginecologista verificou que havia algo diferente na região do colo do útero e por isso pediu biópsia. Simone confessa que não percebeu que a médica estava tão preocupada e por isso demorou mais de um mês para pegar o resultado.

“Era uma sexta-feira, final do dia, eu tinha chegado do trabalho e estava em casa sozinha quando li a palavra adenocarcinoma no meu resultado. Sabia que era algo ruim”, recorda. No mesmo instante, foi pesquisar para conhecer mais. “Pensei: é uma coisa ruim, é um câncer. Passei aquela noite em claro. No sábado caiu a ficha e eu chorei muito de sábado para domingo. Acho que fiquei 24 horas chorando e pensando naquilo. Pensava no meu filho, que tem só 7 anos, que sou nova e tenho tanta coisa para viver e não queria perder tudo que conquistei, tantas coisas boas. Chorei até domingo”.

Quando saiu da cama no domingo, sentia que estava diferente: “alguma chave virou na minha cabeça naquele momento. Não sei explicar o que foi. Pensei: já sofri, chorei, fiquei triste, pensei num monte de coisas ruins. Agora deu”.

Resolveu colocar um ponto final no sofrimento, na forma negativa de ver a situação, e focar na busca pela solução. “Eu não vou morrer por causa do câncer”, concluiu naquele dia. Passou a buscar o caminho para se livrar da doença. Naquela semana se consultou com o cirurgião que ainda a acompanha e juntos começaram a construção de uma estratégia de tratamento. “A partir daquele momento não foquei mais no câncer; foquei na vida”.

No mês seguinte, em novembro, fez a primeira cirurgia, histerectomia total, com retirada do útero, trompas e tirou linfonodos. Por volta de 15 dias depois precisou passar por outra cirurgia, para correção de uma fístula na bexiga que provavelmente teve em decorrência da primeira cirurgia e provocou escapes de urina.

Em dezembro o resultado da análise da primeira cirurgia apontou que um dos linfonodos estava com metástase. Entre fevereiro e março de 2020 fez tratamento com quimioterapia e radioterapia.

“Foi tudo muito rápido, uma avalanche de coisas em poucos meses”, comenta Simone. Tudo que aparecia no meio do caminho, ela queria tirar da frente. Por isso pretendia resolver logo o problema de incontinência que surgiu principalmente por conta da radioterapia. Com a chegada da pandemia e a imunidade baixa, precisou esperar até setembro, quando foi procurar alternativas. Como os tecidos ainda estavam bastante danificados pela radioterapia, era preciso aguardar um pouco mais para uma intervenção: até agosto de 2021, quando passou por uma nova cirurgia, para colocar sling na bexiga. Melhorou, mas a paciente ainda faz tratamento com medicação e fisioterapia pélvica para solucionar o problema da bexiga que se tornou hiperativa.

Simone comemora o fato de que os acompanhamentos semestrais do tratamento do tumor, desde março de 2020, não apresentaram mais nenhuma intercorrência. Depois do próximo exame, o acompanhamento deve passar a ser anual. “Para muitas pessoas o diagnóstico de câncer é uma sentença de morte; apesar da Medicina estar avançada, ainda causa medo. Eu sempre acreditei que teria solução; nunca pensei que iria morrer ou que o tratamento não funcionaria. Acho que isso me ajudou a ter tantos resultados bons”, avalia. “Desde o momento em que recebi meu diagnóstico pensei: tenho um problema. Foquei na solução. Não ficava me lamentando, tentando entender porque tive câncer. A cada problema, buscava uma solução e assim as coisas fluíram bem”.

 

Vivências para compartilhar

Graças a essa visão otimista, familiares, amigos e até profissionais de saúde sugeriram a Simone que contasse para as pessoas sobre o seu processo, porque muitas não acreditavam que ela passou de forma tão leve e positiva. Como tinha registrado em fotos e vídeos todos os procedimentos, resolveu abrir primeiro um canal no Youtube, no início de 2021, além de compartilhar também em seu perfil do Instagram, e agora prepara o lançamento do seu blog. Nos vídeos conta todas as etapas que vivenciou.

Passou a tratar das mudanças que promoveu e que possibilitam uma vida melhor. “Tenho uma vida hoje muito melhor do que tinha antes do câncer”, afirma. Fala sobre dicas de alimentação e do equilíbrio que encontrou entre vida pessoal e profissional, comentando que antes trabalhava e estudava muito, deixando sua saúde em segundo plano. “Eu me descuidei da alimentação e inclusive do acompanhamento com ginecologista. Estava dois anos e meio sem fazer consultas de rotina. Foi um descuido muito grande. Hoje cuido da minha alimentação, não deixo de fazer refeições, de comer alimentos saudáveis e não abro mão de praticar exercícios. Antes o trabalho vinha sempre em primeiro plano, eu pulava refeição, pulava o pilates, deixava de fazer coisas para mim. Eu achava que não podia parar porque a empresa dependia de mim, tinha sempre um pouco mais de energia, que nunca era suficiente. O câncer me mostrou que eu podia parar, não sou insubstituível em nada e não precisava viver do jeito que vivia. Posso ter qualidade de vida e equilíbrio”.

Explica que sua missão pessoal não é contar sua história por contar, mas mostrar que é possível aproveitar a vida, “virar a chave”, sem precisar esperar um diagnóstico de câncer. Por isso, sua mensagem às mulheres é acreditar no poder da sua mente sobre a vida, que o diagnóstico pode ser uma mola propulsora para promover mudanças que são necessárias. E reforça: “os exames de rotina são superimportantes. Talvez, se eu não tivesse atrasado o meu, meu câncer não teria se desenvolvido”.

 

Teste de DNA pode antecipar diagnóstico em dez anos

Além do Papanicolau, já existe há anos outra opção de exame – não tão divulgada – para diagnóstico do câncer de colo de útero: o teste de DNA. Ele é mais assertivo para rastrear o HPV e estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) concluiu que o DNA-HPV pode antecipar em dez anos o diagnóstico. Seu resultado não indica a presença de câncer, mas sim do vírus HPV, responsável em grande parte dos casos pelo desenvolvimento do tumor, possibilitando, quando necessário, um acompanhamento mais próximo.

“No Brasil, já se usa no cenário privado há muito tempo. Nos Estados Unidos o uso do PCR para avaliação de infecção pelo HPV é rotina”, avisa a oncologista Graziela Zibetti Dal Molin, membro do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer. “Há mulheres que nunca fizeram esse teste. Não sei porque ainda existe muito ginecologista, mesmo no cenário privado, que não pede esse exame”.

Graziela explica que o teste DNA é feito com o mesmo material recolhido para o Papanicolau – a secreção vaginal é enviada ao laboratório para o teste de lâmina (Papanicolau) e teste molecular (da infecção do HPV). Ela ressalta que no serviço público esse exame ainda não é aprovado, mas há vários dados apontando que seu uso em conjunto com o Papanicolau melhora a qualidade do rastreamento. “Existem dados americanos, da Sociedade de Câncer Ginecológico, demonstrando que seria possível fazer uso disso e até espaçar o exame, de forma mais segura que o Papanicolau isolado”.

Além da eficácia, a diferença entre eles também está no valor, já que o teste de DNA é mais caro, enquanto o Papanicolau, mais barato. Entretanto, como ressalta a oncologista, a possibilidade de realizar exames de forma mais espaçada pode ser uma importante vantagem para o DNA-HPV. Quem tem plano de saúde pode fazer o teste, que faz parte do rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde (ANS).

 

Boas notícias no tratamento

O tratamento do câncer de colo de útero teve boas notícias em outubro de 2021, com incorporação de imunoterapia na doença avançada. O FDA aprovou o uso em primeira linha de pembrolizumab combinado à quimioterapia para os casos de tumor persistente, recidivado ou metastático. “O estudo Keynote 826, o mais recente, do último congresso europeu, mostrou que há ganho de sobrevida livre de progressão e sobrevida global. Esse tratamento está aguardando aprovação da Anvisa”, esclarece Graziela.

Ela diz que há ainda estudo com cemiplimab para quem falhou quimioterapia, demonstrando também ganho de sobrevida – mas esse ainda não tem aprovação no FDA. “Existem também vários estudos em andamento, de imunoterapia num cenário mais inicial da doença, mas ainda não há dados finais”.

Para concluir, a oncologista deixa um importante recado às mulheres: “É preciso ter consciência de que o câncer de colo de útero é curável e prevenível. Independentemente de pandemia ou a situação que estiverem vivendo, as mulheres não podem atrasar seus exames de controle. É importante manter a frequência da consulta com ginecologista e vacinar seus filhos, o ponto mais fundamental para que não tenham risco aumentado de câncer induzido pelo HPV”.

Logotipo do Instituto Vencer o Câncer

O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.

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