Uma das principais formas de garantir o diagnóstico precoce de alguns tipos de tumores – entre eles o câncer colorretal – é com o rastreamento, que é a realização de exames em pessoas assintomáticas. “Nesse tipo de câncer já temos mais de dez anos de evidências científicas mostrando o benefício do rastreamento para diminuir a mortalidade”, explica Fernando Maia, médico sanitarista, doutor em Saúde Coletiva, pós-doutorando em Epidemiologia do Câncer na Faculdade de Saúde Pública da USP e consultor em Saúde Pública.
Ele avisa que é comum no início do desenvolvimento desse tumor os sintomas serem inespecíficos. “Quando as pessoas descobrem, muitas vezes está avançado. O rastreamento, importante para diagnosticar precocemente esse tipo de câncer, pode ser feito de algumas formas. Os sistemas de saúde no mundo usam ou o exame de sangue oculto, que identifica sangue nas fezes, ou métodos de imagem, como a colonoscopia”, diz. “Há vantagens e desvantagens para cada um desses métodos. No geral, ambos conseguem provocar um importante impacto na mortalidade, mas com custos diferentes, o que justifica que alguns países utilizem o sangue oculto, outro usam direto a colonoscopia”.
A colonoscopia é um exame de maior custo, com maior estrutura, precisando para sua realização de um médico endoscopista e muitas vezes um anestesista presente. “Geralmente no preparo para a endoscopia o paciente precisa ficar mais de 24 horas com uma dieta somente líquida e usando laxantes, que é um pouco desgastante e que pode gerar recusa do paciente em fazer o exame de forma preventiva ou, ainda, fazer o preparo inadequado, que não possibilita a realização do exame. E a colonoscopia, como qualquer procedimento médico, tem riscos inerentes”.
O exame de sangue oculto nas fezes tem custo menor e, conforme o especialista, costuma ter maior aceitabilidade das pessoas que se submetem ao exame. “Conseguimos identificar os casos em que há sangue oculto e os que têm resultado positivo são encaminhados para exame de imagem. É a colonoscopia que dará certeza de que não há nenhum tipo de lesão precursora de câncer ou pólipo, por isso o método é padrão ouro para identificar lesão. Mas os estudos que submeteram populações aos métodos têm mostrado muito boa efetividade com sangue oculto”.
Método de rastreamento está em estudo para ser implantado no SUS
Fernando Maia chama atenção para um ponto importante: desde 2023 há um grupo de trabalho do Ministério da Saúde que está estudando a adoção de um método de rastreamento para esse tipo de tumor no Sistema Único de Saúde (SUS). “Atualmente não temos recomendações brasileiras sobre isso. Esse grupo, liderado pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), tem discutido aprofundando-se em evidências científicas para definir qual seria o método de rastreio adequado para a realidade brasileira no SUS”.
Vale ressaltar que, apesar da ausência de uma diretriz nacional oficial, algumas entidades brasileiras, como a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) e a Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), seguem a recomendação da American Cancer Society, que indica o início do rastreio do câncer colorretal aos 45 anos, ou antes, em casos de histórico familiar. Já a Organização Mundial da Saúde orienta começar a partir dos 50 anos.
Renata Maciel, chefe da Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede do INCA, conta que o grupo de trabalho reúne diferentes áreas do Ministério para desenvolver os protocolos, definir as diretrizes para poder implementar o rastreamento.
“Estamos avaliando as evidências para entender quais são as melhores recomendações para estabelecer uma diretriz que oriente como estabelecer uma população-alvo, considerando a idade de maior risco, com maior chance de se beneficiar com a realização desses exames”, afirma, complementado que também analisam para decidir o exame mais indicado, considerando a população e a possibilidade de implementar de fato.
“Avaliamos custos, periodicidade e como levar para a vida das pessoas, considerando que precisamos de um número maior de equipamentos para colonoscopia, profissionais especializados, estudar como organizar essa rede para que a recomendação de rastreamento esteja na diretriz e em condições de ser implementada, com exames sendo realizados em todos que precisam”.
A expectativa, revela, é que no segundo semestre deste ano a primeira proposta esteja pronta para seguir os trâmites na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – Conitec, passar por consulta pública e todos os processos de implementação. “A implementação deve ficar para o ano que vem, porque necessitamos de especialistas bem preparados. Não é um exame simples para se aumentar a oferta. Precisamos de muito cuidado para que tenhamos isso de fato promovendo impacto na vida das pessoas”.

Enquanto rastreamento está em estudo, recomendação é identificar precocemente e prevenir
Renata Maciel comenta que, enquanto a implementação do rastreamento não ocorre, a recomendação é buscar identificar o câncer o mais cedo possível diante de qualquer suspeita, como mudança no hábito intestinal, dores, massas abdominais, alterações no formato das fezes, sangue nas fezes. “As pessoas devem estar alertas e se tiverem qualquer um desses sintomas, procurar uma unidade de saúde o mais breve para investigar e, em caso de confirmar diagnóstico, começar o tratamento o mais rápido possível”.
Ela também ressalta a importância de falar sobre prevenção. “Sabemos que é possível prevenir esse câncer com medidas de prevenção primária relacionadas a mudanças no comportamento, de hábitos de vida”, como:
– Ter uma alimentação mais saudável.
– Evitar consumo de alimentos ultraprocessados.
– Evitar consumo excessivo de carne vermelha e bebidas açucaradas, que levam ao sobrepeso e obesidade, que também são fatores de risco desse câncer.
– Praticar atividade física é um fator de proteção, assim como evitar ingestão de bebidas alcoólicas e evitar o fumo.
Protocolo de alta suspeição deve ser publicado este ano
Outra medida importante que está em andamento, avisa Renata Maciel, é a preparação de um Protocolo de Alta Suspeição, voltado a profissionais de saúde para facilitar a detecção precoce do câncer colorretal. O documento irá detalhar protocolos para quando o profissional identificar sintomas suspeitos. “Já existe uma recomendação, para investigar os sintomas mais sugestivos desse tumor, dependendo dos sinais clínicos, com sangue oculto nas fezes ou colonoscopia, de forma macro. O documento trará mais detalhamentos”.
A expectativa é que o protocolo seja publicado ainda este ano.
Texto por Viviane Pereira
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.