O câncer de mama familiar (ou seja, que é resultado de herança genética), tem certas particularidades. Algumas características devem chamar a atenção sobre a presença de genes que podem ser transmitidos pelos dois sexos. Em geral, o câncer familiar incide em pessoas jovens, às vezes com menos de 30 anos, o que é raro acontecer nas mulheres sem mutação. Além disso, pode manifestar-se nas duas mamas ao mesmo tempo ou com um pequeno intervalo entre uma e outra. Câncer de ovário nas mulheres da família e câncer de mama nos homens são outros fatos que devem chamar atenção sobre a presença da mutação.
Leia aqui a entrevista com um especialista
Uma vez constatada a presença dos genes alterados BRCA1 e BRCA2 nos exames de “Detecção de Mutação Genética”, se a mulher estiver de acordo, a melhor indicação é a cirurgia profilática para a retirada das mamas e dos ovários, por volta dos 35, 40 anos, ou seja, depois que ela teve e amamentou os filhos. Antes disso, deve permanecer sob contínuo e intensivo acompanhamento médico e fazer exames específicos como mamografia a partir dos 25 anos e ressonância nuclear magnética. Esse último possibilita a análise mais detalhada das mamas, o que facilita a localização de nódulos e o diagnóstico precoce.
Deborah Tambelini é de uma família com alta incidência de câncer de mama e optou pela cirurgia profilática de retirada das mamas.
Drauzio Varella – Como você enfrentou o problema da incidência mais elevada de câncer de mama em sua família?
Deborah Tambelini – Acho que de maneira sábia. Sou o nono caso de câncer de mama na minha família. Minha avó materna, que eu não conheci, faleceu por causa dessa doença. Minha mãe também teve câncer de mama e faleceu quando eu tinha nove anos. Com uma tia e uma das minhas irmãs aconteceu a mesma coisa. Portanto, houve quatro mortes na família em decorrência do câncer de mama, e esses não foram os únicos casos: outra tia e três irmãs também tiveram câncer de mama, mas sobreviveram.
Drauzio – Desde menina você convive com esse problema. Quando começou a pensar que a próxima mulher da família a desenvolver a doença poderia ser você?
Deborah – Essa preocupação sempre esteve presente na minha família. A ideia de que poderíamos desenvolver a doença sempre esteve por perto, rondando. Quando tínhamos 20, 22 anos, começamos a ser orientadas pelo nosso ginecologista, em Bebedouro, uma cidade do interior paulista. Ele nos disse que ginecologia não era a especialidade mais indicada para conduzir nosso caso. Deveríamos procurar um mastologista para fazer exames específicos a cada seis meses. Seguimos seu conselho, procuramos um mastologista e passamos a fazer acompanhamento semestral.
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Drauzio – Quantas irmãs vocês são?
Deborah — Éramos sete mulheres, hoje somos seis. Quatro tiveram câncer de mama. Em setembro de 2003, perdemos uma irmã por causa dessa doença.
Drauzio – Quando você viu que tinha chegado a hora de tomar uma decisão mais radical para evitar a doença?
Deborah – Em 1999, quando ocorreu o primeiro caso de câncer em uma das minhas irmãs, percebi que o risco estava chegando perto de mim e fui orientada a procurar um oncologista. Fiz, então, um exame para saber se era portadora da mutação genética que favorecia o desenvolvimento de câncer de mama. O resultado foi positivo.
Drauzio – Qual foi sua reação?
Deborah – Optei pela cirurgia profilática e o esvaziamento das mamas, ou seja, retirei a parte interna das mamas para não desenvolver câncer. Não foi uma decisão tomada de uma hora para outra. Consultei vários especialistas que me expuseram os prós e os contras dessa conduta, mas acho que tomei uma decisão sábia, não apenas por evitar o sofrimento pessoal. Foi sábia por um motivo maior. Não queria que as pessoas que amo passassem pela experiência de enfrentar um caso de câncer novamente na família.
Por mais que existam drogas que tornaram o tratamento mais light, mais tranquilo, por mais que elas inibam as reações da quimioterapia, não é fácil. O estado emocional fica abalado mesmo que você seja acompanhada por uma super equipe de profissionais. Eu não queria que isso acontecesse de novo comigo nem com minha família.
Drauzio – Você fez a cirurgia profilática sem ter nenhum sinal da doença?
Deborah — Eu fazia todos os exames anualmente e era acompanhada por um mastologista. Um dos últimos exames levantou a suspeita de um nódulo, mas eu não tinha diagnóstico fechado quando optei pela cirurgia profilática. O assunto foi muito discutido com a minha família, que me ajudou a tomar a decisão.
Drauzio – Que idade você tinha nessa época? Era casada ou solteira?
Deborah – Tinha 36 anos. Era casada e tinha um filho.
Drauzio – Qual foi sua sensação ao saber que perderia os seios, uma característica tão forte da imagem feminina?
Deborah – Quando o mastologista e depois o oncologista falaram pela primeira vez sobre a cirurgia fiquei assustada. Achei que iria mexer num órgão saudável. No primeiro momento, não pesei que aquela mama era só 20% saudável, pois o fato de ser portadora da mutação genética fazia subir para 80% meu risco de desenvolver câncer de mama no decorrer da vida e eu tinha a certeza de que isso poderia acontecer comigo. Portanto, estávamos falando de uma mama potencialmente doente. Na véspera da cirurgia, porém, um exame mais minucioso das mamas mostrou um nódulo, um câncer de 2cm, que não tinha aparecido em nenhum dos exames anteriores.
Drauzio – Você teria feito a cirurgia mesmo que não tivesse sido encontrado esse nódulo?
Deborah – Já tinha optado pela cirurgia profilática antes de fazer esse exame. Não queria que meus amigos me olhassem com pena, “oh, o seu cabelo! O que aconteceu com você?”. Não queria ter ouvido, muitas vezes, outros pacientes dizerem: “nossa, você é uma pessoa tão boa. O que terá feito para ser punida desse jeito?”. Lidar com esses mitos para mim foi muito mais desgastante do que os oito ciclos de quimioterapia que fiz.
Drauzio – O que a cirurgia mudou em você?
Deborah – Trouxe a certeza de que não vou ter mais câncer. São incomensuráveis a tranquilidade e a qualidade de vida que isso representa para mim e para minha família.
Drauzio – Localmente, qual foi o resultado da cirurgia?
Deborah – Para mim, ficou ótimo, muito bonito esteticamente. Gostei do resultado e as sensações voltaram gradualmente até o ponto que me disseram que voltariam.
Drauzio – Você acha que ter perdido o parênquima mamário, ou seja, o tecido glandular da mama, interferiu em sua feminilidade de algum modo?
Deborah – Ao contrário, sinto que estou bem mais feminina depois da cirurgia e estou muito contente, também. Não há como descrever a sensação de sentir-se livre do câncer, pelo menos do câncer de mama.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.