Crônicas de Outubro – O doce recomeço de Jéssica

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O dia amanheceu ensolarado naquele final de julho de 2024. A brisa que entrava pela janela do carro soprava cada vez mais alto os pensamentos de Jéssica. “Nunca sabemos o dia de amanhã, só temos o hoje para viver”, refletia, sentindo-se grata por poder novamente ter essa sensação.

Ela estava feliz e confiante. No banco traseiro, os três filhos seguravam suas mãos, enquanto o pai dirigia com o esposo — bastante emocionado — ao lado. A descida para o litoral nunca fora tão especial. As águas do mar de Bertioga pareciam especialmente reluzentes. Assim que mergulhou, agradeceu a Deus por viver aquele momento. Era o seu renascimento.

Divertia-se como criança, sentindo o prazer dos pés afundando na areia, correndo de biquíni amarelo e brincando de pega-pega, mesmo com a falta de ar. A enteada, agora com 18 anos, a filha de 7 e o menino de 5 tornaram o dia ainda mais inesquecível.

Sabia que não poderia ficar muito tempo ao sol, pois logo começaria a radioterapia. Mas ali, com a família, nada mais importava. Ainda trazia o sabor da noite anterior, quando comeram pizza entre garfadas e lágrimas de emoção. Havia motivo para comemorar: o médico acabara de confirmar a resposta total à cirurgia — a celebração de um processo desafiador que começara dois anos antes.

Negligência, intuição e diagnóstico tardio

“O que você quer? Você é nova, amamenta em livre demanda e não tem histórico na família. Não tem exame para você, não tem 40 anos. É leite empedrado.” A resposta do médico deixou Jéssica Aparecida, hoje com 34 anos, frustrada.

Preocupada com um nódulo na parte superior da mama, insistiu para fazer algum exame. Sentia que algo estava errado. “Eu comentei com ele que via os posts das pessoas contando sobre seus cânceres de mama e eu estava me enquadrando. Ele nem me examinou. Foi muito difícil.” O médico, do convênio, prescreveu uma medicação à base de hormônios por seis meses e a mandou de volta para casa. Jéssica ainda tentou marcar consulta no sistema público, mas não conseguiu vaga.

Em 15 dias tomando a medicação, tudo piorou. “O nódulo dobrou de tamanho, meu bico do peito ficou todo preto, minha mama reduziu muito e a lateral ficou cheia de celulite.” Preocupada, pagou um médico particular. Fez exames e a biópsia confirmou: era câncer de mama — hormonal.

Com o tumor já em estágio avançado, o tratamento precisou começar imediatamente. Em 7 de novembro de 2023, iniciou a quimioterapia — quatro sessões vermelhas e 12 brancas. A imunidade caiu e ela desenvolveu leucopenia logo na primeira aplicação, o que exigiu uma dieta extremamente restrita. Por isso a pizza com a família reunida teve um sabor tão especial.

Após a quimioterapia, veio a cirurgia. O plano inicial era retirar apenas o quadrante afetado, mas uma ressonância feita 20 dias antes mostrou que, embora o tumor tivesse diminuído, havia se espalhado. Precisaria de mastectomia total. 

Como também havia um nódulo na outra mama, o médico optou por operar as duas e já realizar a reconstrução. Jéssica ainda se emociona ao lembrar do momento em que acordou: “Quando abri os olhos, vi meu marido me olhando e ele falou: ‘você conseguiu. Foram 11 horas de cirurgia’.”

Atualmente, ela segue em acompanhamento a cada três meses. “Tomo Tamoxifeno, remédio para depressão e injeção na barriga. O tratamento é um baque, mas é uma virada de chave. Posso dizer com todas as letras: se tem uma coisa certa nessa vida é que eu quero viver, ver meus filhos crescendo.”

Da dor ao propósito

“Quando recebi o diagnóstico, fazia seis meses que eu tinha passado no concurso da minha vida. Estudei a vida inteira para isso. Tinha começado a dar aulas, senti o gostinho”, recorda, contando que precisou abrir mão do sonho de ser professora. Segue afastada por licença médica, mas nos desafios encontrou novos caminhos.

Durante as primeiras quimioterapias, enfrentou depressão. “É muito difícil. Não é como as pessoas dizem: ‘é só cabelo’. Não é apenas sobre o cabelo. É sobre a nossa essência — olhar no espelho e ter que enxergar muito mais do que ele mostra. Graças a Deus eu me achei muito bonita careca. A versão Jéssica careca nunca ninguém tinha visto — eu nasci cabeluda”, brinca. “Enquanto o espelho não me mostrava nada, eu enxergava tudo. Hoje me vejo uma nova mulher.”

Parte dessa nova mulher nasceu de um sonho. Jéssica passou três dias chorando, sentindo que gostaria de voltar a ser criança. Certa noite, teve um sonho em que estava novamente no centro da cidade com a mãe, que pagava as contas e comprava balas de coco com caramelo para a filha. “Acordei chorando e alguma coisa me disse: ‘voltar a ser criança você não consegue, mas pode sair da cama’.”

Sentiu uma inspiração e começou a fazer balas de coco para vender. Hoje, com uma loja online e especializada em doces caramelizados, Jéssica transformou o doce da infância em um novo propósito. “No início deste ano ganhamos o prêmio de melhor doce da região do Alto Tietê. É uma conquista muito boa, não só pelo título, mas porque todos que comem o doce falam que lembram de quando eram crianças. A intenção era essa.”

Entre o diagnóstico e o renascimento, Jéssica celebra a vida diariamente — cercada pela família e pela certeza de que o sabor da superação é o mais doce.

Texto de Vivi Griffon

Publicação: 22/10/2025 | Atualização: 22/10/2025

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