Procedimentos cirúrgicos são responsáveis por 60% dos tratamentos de tumores
por Viviane Pereira
O futuro do tratamento oncológico cirúrgico é fazer cada vez mais, com menos: mais resultado com menos cortes, menos dor, menos impacto na qualidade de vida do paciente. Essas mudanças são importantes, especialmente considerando que a modalidade é um dos principais pilares para tratar tumores, especialmente nos estágios iniciais da doença.
“Cerca de 60% dos tumores podem ser curados exclusivamente por cirurgia”, avisa o cirurgião oncológico Gustavo Guimarães, coordenador geral do departamento cirúrgico oncológico da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, e membro do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer. “Tivemos muitos avanços nas últimas décadas, que vão desde grandes inovações a detalhes, como melhorias nos acessos vasculares – no passado, para aplicar quimioterapia usávamos cateteres centrais que têm alto risco de trombose, infecção, e agora temos cateter implantado, fazendo pulsão com muito mais conforto e qualidade de vida para os pacientes”.
- Você sabia que o Brasil é o 9º país do mundo em número de plataformas e o 10º em número de cirurgias robóticas? – de forma geral, considerando todas as cirurgias, não apenas oncológicas.
Essa é uma ótima notícia, principalmente tendo em vista, como explica o cirurgião, que a modalidade está se tornando um dos padrões ouro para boa parte das cirurgias oncológicas, como, por exemplo, a prostatectomia radical.
Laser: da ficção científica e uso militar para a Medicina
“O laser saiu da ficção científica, do uso militar, para o uso médico em amplo aspecto”, detalha o cirurgião. “Antes a gente tirava uma pedra, tratava um cálculo urinário, ou mesmo para o tratamento de tumores da via urinária, com cortes ou situações muito difíceis, por conta dos ambientes estreitos. Hoje, com as fibras de laser, conseguimos ter acesso, por via transuretral, a tumores da pelve renal, e podemos assim tirar esses tumores cauterizar, tratar”.
Altas temperaturas, congelamento e luz são algumas das terapias com bons resultados
Ele destaca ainda outras terapias como as ablativas, que usam ultrassom de alta frequência para tratar tumores como o câncer de próstata; as crioterapias, que em vez de usar o ultrassom, que aumenta a temperatura, usam substância que fazem congelar o tumor; e terapias fotodinâmicas, que utilizam um tipo específico de luz que ativa uma substância e trata tumores de pele, de próstata, e em vários locais do corpo.
“Nas terapias fotodinâmicas, injetamos na corrente sanguínea uma substância que é inerte se não for ativada com um comprimento específico de onda de laser de alta potência, e a ativação é feita para um tecido específico, com a substância agindo em determinado ponto sem alterar o restante dos tecidos. Com isso conseguimos, por exemplo, ressecar tumores da via urinária, tratar lesões iniciais e uma infinidade de procedimentos”.
Benefícios que a cirurgia robótica traz para profissionais e pacientes
Os procedimentos cirúrgicos têm evoluído bastante nas últimas décadas, passando de grandes incisões a cirurgias minimamente invasivas, com a cirurgia laparoscópica. Gustavo Guimarães afirma que trouxe um grande benefício, com incisões menores, recuperações mais rápidas, menos infecção, dor e sangramento.
A cirurgia robótica, avisa, garante avanços ainda maiores, possibilitando que o cirurgião não precise ficar exatamente ao lado do paciente, evitando efeitos do cansaço, tremores, melhorando do ponto de vista ergonômico. “O cirurgião precisava ficar por horas com o braço em posições ruins, o que provoca cansaço e reduz a qualidade”, diz, lembrando que em alguns casos a cirurgia pode durar, 4, 6, 8 ou até 10 horas, dependendo de vários fatores, e que o profissional costuma realizar mais de uma em um dia. Ele comenta que o médico, muitas vezes, vai para o hospital operar dois ou três pacientes, e depois de uma, duas cirurgias ele já trabalhou, por exemplo, oito horas em posições que não são confortáveis ergonomicamente, em que precisa se abaixar, se aproximar para ver melhor, porque não tem uma visão tão nítida”, exemplifica. “Com a robótica ganhamos em precisão, destreza, velocidade e qualidade.
Todos esses benefícios, ressalta Gustavo Guimarães, trazem melhor resultado funcional e oncológico, menos tempo de internação, recuperação mais rápida, menos transfusão e infecção. “Hoje é, sem dúvida nenhuma, a cirurgia mais executada fora do Brasil e está crescendo fortemente no país, por conta de mais acessibilidade a essa tecnologia”.
O especialista detalha que até os últimos 20 anos havia apenas uma empresa no país que fazia robôs em uma única plataforma – atualmente existem três empresas atuando com plataformas diferentes, o que possibilita diversas aplicações: robôs para cirurgias ortopédicas, colocação de cateteres endovasculares, broncoscopia e endoscopia do trato urinário, para diagnóstico de lesões, e muitas outras modalidades, como cirurgias cardíacas, pulmonares, renais, ginecológicas, no aparelho digestivo e inclusive algumas cirurgias pediátricas.
- Grande parte das cirurgias oncológicas podem contar com suporte da robótica para obter melhores resultados, como as cirurgias em cavidade abdominal, que são favoráveis à atuação do robô.
“Na maioria das áreas conseguimos utilizar robôs, sendo doenças oncológicas ou benignas. Podemos operar desde o tumor de esôfago, de pulmão, uma metástase, um tumor de rim, de pâncreas, tumores colorretais, do aparelho digestivo em geral. A grande maioria dos tumores tem um robô para tratá-los”, avisa o cirurgião.
SUS também tem cirurgias com robôs
Apesar de as cirurgias robóticas representarem apenas cerca de 1% a 2% de todas as cirurgias realizadas no Brasil, os números são expressivos e seguem aumentando. Gustavo Guimarães conta que já foram realizadas mais de 100 mil cirurgias robóticas desde que essa modalidade teve início no país, por volta de 2008 – o que é um número considerado expressivo. “Contamos com mais de 100 serviços no Brasil de plataforma cirúrgica e não é mais restrito ao Sudeste – temos no Norte, Nordeste, Sul e Centro Oeste. O robô começou a entrar para o modelo de interiorização nas cidades”.
- Temos atualmente no Brasil mais de 3 mil médicos capacitados a operar com robôs nas principais especialidades.
O benefício não se restringe à saúde privada. “Não temos de forma ampla no Sistema Único de Saúde (SUS), mas há entidades do SUS que contam com cirurgia robótica, como o Hospital do Câncer, de Barretos, o Instituto Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro, o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), o Hospital das Clínicas, em Porto Alegre, entre outros”, afirma. “A utilização não é ampla e irrestrita, porque ainda é uma tecnologia cara e não está aprovada pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), mas os centros que são ou formadores ou universitários, com projetos específicos, têm algum tipo de acesso”.
Operadoras e cooperativas investem em robôs porque já entendem a vantagem
Os benefícios das aplicações robóticas nas cirurgias são tão destacados que apesar de a modalidade não estar no rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que determina o que as operadoras de saúde devem oferecer em seus planos, as próprias operadoras ou cooperativas médicas decidiram investir nessa tecnologia. “O sistema Unimed, que é de cooperativa, tem robôs, assim como as redes Dor e Amil”.
Segundo o cirurgião, os serviços de saúde percebem as vantagens, como necessidade de menos tempo de internação, menos complicações e procedimentos posteriores. Cita como exemplo o câncer de próstata, em que a cirurgia robótica possibilita reduzir a demanda posterior por radioterapia. “No balanço financeiro, se não traz lucro, certamente não dá prejuízo, ou não estaria sendo incorporado. É uma incorporação invertida, em que apesar de não haver a exigência no rol ou na aprovação na Conitec, quem paga pelos serviços já percebe que é uma opção interessante”.
Inteligência Artificial traz ainda avanços em gestão de tempo e performance
Os robôs atualmente são equipados com softwares de gestão de tempo, de qualidade e de utilização de material, possibilitando que o cirurgião compare sua performance com a dos colegas que têm mais experiência. “O aplicativo mostra quanto tempo levou para executar cada manobra, qual foi o delay, os movimentos feitos”, esclarece, citando que há situações em que a própria inteligência artificial consegue perceber e, por questões de segurança, ajusta os movimentos para evitar lesões em outros órgãos.
“Teremos em breve uma espécie de guia da cirurgia, em que o robô vai reconhecer a estrutura, mapeando e usando cores de alerta indicativas de que o cirurgião deve ficar longe ou se aproximar. Essa técnica existe experimentalmente e logo estará nos robôs, com a inteligência artificial usando centenas de milhares de cirurgias para criar padrões e melhorar a qualidade. Nos próximos dez anos, muita coisa nova será incorporada”.
Dos grandes cortes ao single-port
A evolução das cirurgias demonstra que no passado eram necessários grandes cortes para realizar os procedimentos; depois passou-se a utilizar pequenos furos, que ganharam ainda mais eficiência com os robôs. O futuro, avisa o cirurgião, é do single-port – ou portal único.
“Os robôs estão evoluindo para realizar cirurgias com um único furo, que chamamos de single-port e causa menos traumas. Saem do robô de 3 a 4 braços que realizam a cirurgia como se fosse multiportal (com vários furos), mas com um único acesso (uniportal), utilizando apenas um orifício”, ressalta. “Algumas terapias, como ultrassom focalizado de alta intensidade para câncer de próstata, é basicamente ultrassom transretal, sem precisar fazer furos, e a onda de ultrassom destrói somente o tumor ou o seguimento que o cirurgião determina. É como se fosse um ultrassom normal de diagnóstico”.
A evolução caminha para casos sem nenhum corte, em que a cirurgia é feita usando os orifícios naturais, de forma menos dolorosa e tempo de internação reduzido. “Temos estudos demonstrando resultados de cirurgias uniportais, como a de próstata, em que passamos de uma internação de alguns dias para horas – existe a possibilidade de alta no mesmo dia. Em breve poderemos ter a cirurgia ambulatorial”.
Os ganhos para os pacientes são inúmeros: mais qualidade de vida com menor internação, retorno mais rápido ao trabalho, recuperação mais precoce da ereção e função urinária – com menos uso de fralda e menor necessidade de fisioterapia. “É a diferença entre usar fralda por um mês ou seis meses, ficar com ereção parcial por um a dois meses em vez de um ano”.
O mesmo acontece para cirurgias de diferentes tumores. “Quando é feita a comparação, constata-se que de forma geral a cirurgia robótica não é inferior e, na maioria das vezes, é superior à convencional”.
O paciente no centro e cuidado individualizado
Gustavo Guimarães faz questão de chamar atenção para o que considera o grande segredo do tratamento, que é a decisão multidisciplinar com o paciente no centro do cuidado e opinando, fazendo parte da decisão, porque é o maior interessado.
“Muitas vezes precisamos lançar mão de mais de uma terapia e o importante é individualizar o tratamento. Cada paciente tem uma necessidade, cada tumor responde melhor a uma opção e quanto mais profissionais envolvidos na decisão, mais acertado será o tratamento, com menos efeitos colaterais e melhores resultados. E o futuro é com inovação e inteligência artificial para potencializar esses resultados”.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.