Crônicas de Outubro – O reinício da vida no simples cotidiano da escola do filho

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Crônicas de Outubro

A vida é feita de pequenas vitórias — um momento especial com alguém que amamos, estar em um lugar tão desejado, reviver uma alegria depois de um turbilhão…

É assim para todos, inclusive para pacientes oncológicos. Por isso, neste Outubro Rosa, o Instituto Vencer o Câncer traz a série Crônicas de Outubro, dando voz a pacientes, para que suas histórias inspirem pacientes, familiares e a todos que entendem que a vida é, sempre, essa vitória cotidiana das pequenas grandes alegrias.


Danielle mal conseguia conter a alegria enquanto se olhava no espelho e colocava sobre a cabeça seu lenço laranja. Foi o escolhido para aquele momento especial. “Não preciso me esconder. Posso ser eu mesma, isso é uma passagem”, disse para si. Ela nem imaginava que aquele dia seria um divisor de águas em sua vida, enquanto se dirigia para a reunião na escola do filho.

O mundo estava se abrindo no pós-pandemia, as vidas se reiniciando. E ela decidiu que a sua reiniciaria ali também. 

Finalmente ela podia respirar mais leve e olhar com mais clareza o futuro diante de si, depois do diagnóstico do câncer de mama em 2021, aos 34 anos. Naquela época, sua cidade, Manaus, capital do Amazonas, vivia o caos pela falta de cilindros de oxigênio. “Houve muitas perdas. E tudo aquilo era uma mistura louca diante do que eu estava vivendo”.

O casamento, como tantos outros, não sobreviveu ao diagnóstico e ela se viu “mãe solo”, enfrentando com o pequeno Pedro, então com 9 anos, todos os desafios.

O toque, o choque, a voz

É relativamente raro diagnóstico desse tipo de tumor antes dos 35 anos. Por isso a surpresa foi ainda maior quando sentiu algo entre as mamas enquanto estava ali relaxada, domingo à noite, assistindo TV. 

Logo confirmou o câncer de mama triplo-negativo, com BRCA1. Além do tratamento, começou protocolo de cirurgias preventivas, devido à mutação genética — por isso o tumor tão precoce e tão agressivo. “Sou sobrevivente de 11 cirurgias desde o diagnóstico. Precisei retirar o útero, mexer em outras partes para que o câncer não se espalhasse futuramente. Fiz quimioterapia, fiquei carequinha, fiz radioterapia. Devido à imunidade baixa causada pela quimioterapia, tive criptococose bastante agressiva no pulmão, a ponto de ter risco de vida”. 

E foi nesse processo de tantas perdas que ela ganhou uma nova voz, que ressoaria em sua comunidade ainda tão carente de informação e de quebrar paradigmas em um local e época em que ainda era tabu falar sobre câncer. 

“Ali mesmo no Amazonas, deitadinha na minha casa, comecei a assistir os congressos do Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC), conheci entidades e plataformas sobre o câncer e passei a transmitir às pessoas os conhecimentos que adquiria. Eu estava botando a minha carinha a tapa”. 

Um desafio em uma comunidade que, como explica, a cura vem através da ancestralidade. “Quando alguém está doente, as pessoas mais velhas, os vizinhos, querem que você tome chás, tenha esses procedimentos curativos para sobreviver a uma doença como essa e se você não adere, consideram que é grande a possibilidade de não sobreviver”.

Ela encontrou informação, conhecimento, tratamento. E sabia que precisava compartilhar. E foi assim que se tornou uma grande ativista no Amazonas, levando a realidade das mulheres ribeirinhas do norte do país para os grandes centros. “Além de ser paciente, sou uma voz para mulheres invisíveis que geralmente não têm oportunidade de falar sobre diagnóstico e as dificuldades que enfrentam. Comecei a levantar algumas bandeiras, como a inclusão das mulheres em tratamento de câncer e acesso com equidade. Não falávamos disso no Norte, sobre essas necessidades”. 

Hoje, Danielle Veiga Cardoso, 39 anos, é membro do TJCC, voluntária e apoia entidades, como o Instituto Vencer o Câncer. Tornou-se referência na sua região para pessoas que descobrem o tumor.

Mais forte do que podia imaginar

Ela não tinha a menor ideia de toda a grandiosidade que viria quando estava sentada na sala, na reunião da escola do seu filho. Naquele momento sua plenitude vinha do fato de poder estar ali, por ela, pelo filho, fazer parte da vida dele. Porque, confessa, teve dúvidas de que iria sobreviver a tudo aquilo: covid, câncer, cirurgias, complicações…

Por isso, viver a vida cotidiana com o filho foi sua maior conquista. E a reunião com outras mães e educadores marcou para sempre sua história, porque a escola a apontou como uma referência naquele momento em que precisava ser mãe, professora — porque as crianças estavam estudando em casa —, sozinha vivenciando os desafios.

“A escola apontar esse diferencial me marcou demais, me deu forças. Me fez perceber que eu estava mais forte do que imaginava. Foi o sinal que eu precisava para entender que a vida estava reiniciando para todos e eu tinha a oportunidade de reiniciar junto”.

Aquela mulher, que em vez de se esconder em casa colocou uma maquiagem, o lenço laranja e saiu carequinha, ajudou a abrir caminhos para que outras mulheres pudessem passar por essa porta também.

Texto de Vivi Griffon

Publicação: 08/10/2025 | Atualização: 08/10/2025

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