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A importância da saúde mental durante o tratamento oncológico

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Por Victória De Angelis

O câncer é um termo guarda-chuva que nomeia diversos tipos de doenças, com manifestações particulares e variadas. Além disso, é considerada uma doença crônica, o que significa que o paciente oncológico deverá lidar com o tratamento do câncer e seu controle ao longo de toda a vida, ainda que ocorra a remissão da doença.

Isso pode implicar consequências psicológicas importantes e desafiadoras para a pessoa que convive com câncer e seus familiares. Aqui, abordaremos alguns destes impactos, visando esclarecer a função de um acompanhamento especializado em saúde mental durante o tratamento oncológico.

Quais podem ser os impactos psicológicos do câncer?

Sabemos que o diagnóstico oncológico abre portas rumo a uma série de mudanças na vida de uma pessoa e de sua rede de apoio. É impossível passar ileso pelos sentimentos diversos, acontecimentos inéditos, adaptações necessárias, e momentos particularmente desafiadores envolvidos no tratamento oncológico.

Essa jornada pode muitas vezes soar como um rombo que causa feridas importantes e ardidas; assim como pode tornar-se uma oportunidade única de olhar para aquilo que é essencial na vida de quem a vive.

É certo que, independentemente da idade e do tipo de câncer, cada pessoa viverá essa trajetória de forma muito particular. Assim como com qualquer doença, os efeitos do câncer devem ser considerados de forma multifatorial e integral, já que entram em jogo não apenas as questões físicas, como também a história de vida de cada pessoa, suas expectativas, seus desejos, seu corpo, suas relações afetivas e rede de apoio, a equipe de saúde que a acompanha, sua vivência cultural e espiritual, dentre outros fatores relevantes.

Fatores estes que podem se perder em meio a uma série de protocolos de tratamento e adaptações de vida, necessários ao tratamento.

Como uma doença potencialmente grave e ameaçadora da vida, e somando-se o estigma culturalmente associado a este nome, o câncer traz à cena a ideia de morte, de formas muitas vezes disruptivas e desorganizadoras.

O diagnóstico costuma aparecer de modo inesperado, produzindo susto e choque. Ainda, a impossibilidade de prever os efeitos do tratamento no corpo e o prognóstico, são fatores que frequentemente causam angústia, medo, preocupação, frustração, estresse e tristeza.

Parte dos impactos emocionais do câncer está relacionada às inevitáveis mudanças causadas no corpo – seja através do próprio tumor ou da eventual progressão da doença, seja pelos efeitos das terapêuticas (cirurgia de ressecção, quimioterapia, radioterapia, etc) – convocando o paciente a fazer o luto da própria imagem, de um corpo que passará a ser outro.

Ainda, as limitações físicas daí decorrentes e a perda de algum nível de autonomia podem também ser pontos de sofrimento.

Desafios emocionais enfrentados por pacientes durante o tratamento oncológico e como lidar com eles

Frente a esse cenário novo, cada pessoa terá seu tempo para assimilar os acontecimentos e descobertas em sua própria história. Nesse processo, os mecanismos de defesa e os recursos simbólicos já presentes em cada pessoa entrarão em cena.

Alguns podem defender-se da realidade da doença negando-a, ou compreendendo de forma distorcida suas possibilidades terapêuticas. Outros, poderão silenciar-se a respeito do que vivem, preferindo não falar sobre seus sentimentos ou não comunicar notícias difíceis aos familiares, como uma tentativa de evitar o sofrimento.

Há também, claro, aqueles que aceitarão falar a respeito de forma mais afirmativa e inventar uma forma de lidar com os afetos suscitados em sua experiência. Sem formatos ou tempos ideais, fato é que todos enfrentarão conflitos internos e momentos ora angustiantes, ora emocionantes – e que vivê-los sem apoio (afetivo e/ou profissional) pode potencializar a dificuldade deste processo.

Em suma, o processo de passar por um tratamento oncológico pode ser profundamente ambíguo, já que a esperança de cura e melhora dos sintomas depende de terapêuticas com efeitos muitas vezes dolorosos e incômodos, assim como rotinas desafiadoras. É importante também considerarmos que as condições pregressas de saúde mental de uma pessoa a atravessarão ao longo desse processo.

É em meio a esse turbilhão de novidades, trazidos por um diagnóstico e tratamento oncológico, que o cuidado especializado em saúde mental pode ser significativo – além de benéfico e tecnicamente recomendado – tanto para pacientes quanto para familiares.

Apesar das tendências epidemiológicas que nos contam sobre os altos índices de depressão e ansiedade em pacientes oncológicos, e que revelam sentimentos e conflitos comuns a esta realidade, não podemos perder de vista a singularidade de cada pessoa e cada trajetória envolvidas no tratamento do câncer.

O papel da família e da rede de apoio

O que deve nortear o cuidado em saúde mental durante o tratamento oncológico é a busca pelos sentidos e significados da doença, do tratamento e da vida para aquela pessoa. Além disso, o profissional especializado poderá cuidar do paciente como uma célula de cuidado, que envolve também a família e a equipe de saúde que o acompanha.

Este cuidado a nível psicológico pode significar uma gama de possibilidades: psicoterapia ou psicanálise individual; grupos terapêuticos abertos, grupos terapêuticos voltados a pacientes oncológicos, e grupos psicoeducativos; além da própria assistência psicológica hospitalar (em caso de internação) e em ambulatório de oncologia.

Além disso, pode ser indicada a avaliação e o acompanhamento de um profissional de Psiquiatria, visando contribuir para o enfrentamento seguro dos desafios do tratamento. Consideremos, por exemplo, que além dos impactos sociopsíquicos, há impactos também orgânicos importantes, como a alteração do ciclo de sono, o que pode elevar níveis de estresse e ansiedade.

Em geral, sabemos que sofrimentos e sintomas mal cuidados podem se cronificar – como, por exemplo, dores, níveis altos de estresse, sintomas psicossomáticos, e inclusive marcadores inflamatórios que impactam na saúde mental de uma pessoa a longo prazo.

Por fim, podemos dizer que cuidar da saúde mental, ao longo de um tratamento oncológico, significa resgatar as histórias e os sentidos que pertencem a cada paciente. Isso é extremamente relevante porque o câncer implica um processo desafiador, em que será necessário tomar decisões difíceis e encarar conflitos relevantes para a vida.

Assim, um espaço especializado pode ajudar o paciente a se apropriar de seu tratamento, favorecendo a tomada de decisões no sentido não apenas do prolongamento de sua vida, mas também – e sobretudo – no sentido de uma vida digna de ser vivida.

Victória De Angelis é Psicóloga e psicanalista, graduada pela Universidade de São Paulo (USP); pós-graduada em Psicologia Hospitalar e com Aperfeiçoamento em Psico-Oncologia pelo Núcleo Pró-Creare. Atualmente, integra a equipe assistencial do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo (SP). Compõe o Comitê Científico de Psicologia do Instituto Vencer o Câncer

REFERÊNCIAS

Psychiatric considerations in the oncology setting – Mehta – 2015 – CA: A Cancer Journal for Clinicians – Wiley Online Library

SciELO – Brasil – Os impasses e possibilidades da clínica psicanalítica em uma instituição oncológica Os impasses e possibilidades da clínica psicanalítica em uma instituição oncológica

SciELO – Brasil – Depressão e câncer Depressão e câncer

Psychiatric and psychosocial implications in cancer care: the agenda of psycho-oncology – PubMed (nih.gov)

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