Câncer de pulmão já não é mais só doença de fumantes — e tratamento precisa ser personalizado

Compartilhe:

Sumário

Compartilhe:

Cada vez mais diagnósticos de câncer de pulmão estão surgindo em pacientes que não se encaixam no perfil clássico da doença. Pessoas jovens, mulheres e até quem nunca fumou crescem nas estatísticas, em um movimento que acompanha tanto o avanço dos exames de imagem quanto a influência de novos fatores de risco, como a poluição.

“O primeiro ponto é a possibilidade maior de fazer tomografias. Antes, muitas vezes nos contentávamos com o raio-x, que não tem a mesma definição. Hoje, o paciente chega ao pronto-socorro e já vai direto para a tomografia. Isso faz com que consigamos identificar nódulos pulmonares menores e diagnosticar mais casos”, explica Marcelo Corassa, oncologista clínico na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e membro do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer.

Apesar disso, o especialista alerta que o crescimento não pode ser explicado apenas pelos exames mais precisos: “Também existe a possibilidade de um aumento real de incidência. Fatores ambientais entram nesse cenário, e a poluição do ar é um deles — cada vez mais comprovada como risco para o câncer de pulmão”.

Ele lembra que esse foi, inclusive, o mote de uma recente campanha de conscientização do Agosto Branco, do Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica: ‘Ar limpo, pulmões limpos’. “Infelizmente, a tendência é piorar, porque ainda estamos longe de um cenário de redução significativa da poluição”, completa.

Enquanto no passado o carcinoma de células escamosas — que é relacionado ao consumo de tabaco e mais frequente em homens — era o tipo de câncer de pulmão mais incidente, nas últimas décadas houve uma mudança no cenário desse tipo de tumor, e o adenocarcinoma — que pode sofrer influência de fatores ambientais — passou a ser o mais comum.

Quanto ao rastreamento, ele ressalta um detalhe que continua pouco conhecido do público, a “carga tabágica”, medida da exposição da pessoa ao tabaco ao longo da vida, importante para o rastreamento do câncer de pulmão. 

O cálculo é feito multiplicando o número de maços de cigarros fumados por dia pelo número de anos como fumante. Exemplo: uma pessoa que fumou dois maços de cigarros por dia por 10 anos – 2×10 = 20 anos-maço. “Qualquer resultado acima de 20 já coloca a pessoa, a partir dos 50 anos, na faixa de risco para realizar a tomografia de rastreamento”, destaca o oncologista.

Poluição do ar, genética, respostas imunológicas e hormônios contribuem para alterar o cenário

Resultados de um estudo da agência especializada em câncer da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicados na revista científica The Lancet Respiratory Medicine apontam que os casos de câncer de pulmão aumentam entre pessoas que nunca fumaram, especialmente mulheres. O tipo mais comum entre não fumantes — adenocarcinoma — representa 60% da doença em mulheres, e somente 45% nos homens.

Uma das razões para o crescimento do número de casos entre não fumantes, conforme o estudo, seriam fatores ambientais, especialmente a poluição do ar, além da predisposição genética e respostas imunológicas. Destacam-se as mutações no gene EGFR, que podem levar ao descontrole da divisão celular e crescimento do tumor. A poluição do ar pode desencadear mutações neste gene.

Também são relevantes para esse tipo de tumor as mutações nos genes ALK e ROS1, encontradas em 5% dos pacientes não fumantes, principalmente mulheres jovens. Há ainda as mutações no TP53, gene importante para a supressão de tumores e que pode provocar crescimento descontrolado. Essas alterações são encontradas mais em pacientes mulheres não fumantes do que em homens. O hormônio estrogênio pode interagir com as mutações no TP53, aumentando o risco para mulheres.

Sem nunca ter fumado, Tânia foi surpreendida por um câncer de pulmão — e descobriu a mutação ALK

“Nunca fumei, por isso, câncer de pulmão seria a última das hipóteses que eu pensaria que iria acontecer comigo”, comenta Tânia Liege Chaves Pereira Guimarães, 53 anos, diagnosticada em 2023 com câncer de pulmão — justamente a doença que parecia improvável em sua rotina natural e saudável. “Eu sempre fui uma pessoa natureba. Tinha aquela coisa de não tomar remédio. O desodorante era sem alumínio, a comida era mais orgânica”, conta. Vegetariana, praticante de esportes e adepta da homeopatia, ela acreditava estar longe desse tipo de diagnóstico.

Câncer de pulmão já não é mais só doença de fumantes — e tratamento precisa ser personalizado

O primeiro sinal foi uma tosse seca e persistente, que surgia principalmente quando falava. “No começo, achei que fosse refluxo. Procurei médicos antroposóficos, comecei a tratar com homeopatia. Mas a tosse não passava, eu comecei a sentir fadiga, estava emagrecendo. O corpo dizia que havia alguma coisa de errado”. Ela estava tão fraca que mal conseguia andar – precisava de cadeira de rodas –, e sentia dores no corpo todo.

A investigação trouxe a surpresa: “Quando eu fiz tomografia do tórax, apareceu um nódulo no pulmão. O médico falou que tinha características malignas. Eu fiquei bastante assustada, porque na minha cabeça… nunca fumei, nunca bebi, fazia esporte, comia bem. Falei: doutor, não é possível.”

Internada para novos exames, veio a confirmação: adenocarcinoma de pulmão, já com metástases no fígado, linfonodos, ossos e cabeça. “Eu falei: pronto, ferrou. Comecei até a doar minhas roupas, porque achei que estava na fila”, recorda.

A virada aconteceu com a biópsia líquida, exame que identificou um subtipo raro: mutação ALK. “O médico me ligou e disse: eu tenho uma boa notícia para você. Esse tipo de mutação tem hoje uma medicação de terapia-alvo, muito mais precisa, e você não vai precisar fazer quimioterapia.”

No dia 25 de março de 2024, iniciou o tratamento com lorlatinibe. “Eu olhava aquele comprimido pequenininho e pensava: como é que isso vai detonar todas essas células? Mas comecei a perceber que a cura está nas plantinhas, mas também está nos laboratórios. Eu deixei aquele radicalismo que eu tinha da natureza e abri os braços para receber o que ia me ajudar.”

O processo foi difícil, com emagrecimento severo, efeitos colaterais e a necessidade de disciplina diária para recuperar o corpo. “Eu sou muito disciplinada. Mesmo sem vontade, eu comia, fazia exercícios, reconstruí meu corpo. Passei o ano de 2024 todo nesse trabalho.” 

Quando o médico avisou que um dos efeitos colaterais poderia ser o aumento do colesterol, ela passou a correr 10 km por dia. “Corri tanto que tive até uma fascite plantar. O médico explicou que a medicação é muito forte e que esse colesterol é sistêmico, então seria difícil conseguir baixar. Mas o bom é que meu nível de colesterol, mesmo com a medicação, está igual ao da minha irmã, que é atleta”, orgulha-se.

Hoje ela acompanha a evolução positiva dos exames a cada três meses. Passou a acolher tudo que estava acontecendo em seu corpo, nessa fase da sua vida. “Prefiro não usar termos como ‘luta contra o câncer’, porque parece que ele é uma entidade fora de você. Eu nunca olhei assim. Não é sobre ganhar ou perder, é uma questão de viver. Não importa quanto tempo, mas que seja um viver de qualidade.”

Com serenidade, Tânia resume o aprendizado: “O câncer me ensina a cuidar melhor de mim, a ter uma conexão melhor com a morte, que é a realidade de todos nós. E me ensina a amar mais a vida. Mesmo a doença tem um lado positivo: precisamos atravessar os túneis para poder olhar de outra forma. Fisicamente posso estar igual, mas emocionalmente estou melhor, mais madura.”

Personalização do tratamento: o que serve para um, pode prejudicar outro

Se o perfil de pacientes mudou, os tratamentos também não seguem mais uma regra única. Os avanços da imunoterapia e das chamadas terapias-alvo abriram novas perspectivas, inclusive para doenças em estágio inicial. 

Entre as novidades para o tratamento do câncer de pulmão estão os chamados anticorpos-droga conjugados. Essa classe de medicamentos, já utilizada em tumores como o de mama, começa a mostrar resultados também em câncer de pulmão — ainda restrita a situações específicas no estágio metastático. “Talvez a inovação que venha nos próximos anos seja justamente essa. Além disso, temos pesquisas avançando com anticorpos bi específicos e os chamados recrutadores de células T, que apresentaram dados muito promissores em congressos internacionais”, explica o oncologista.

Mas a grande virada está na necessidade de avaliar cada paciente de forma individual. “Não existe o melhor tratamento. Existe o melhor tratamento para cada caso”, resume. “Antes era quimioterapia para todo mundo. Hoje, a avaliação molecular é fundamental desde o início. Precisamos testar geneticamente o paciente, porque isso vai determinar se ele deve receber terapia-alvo ou imunoterapia. Se eu der o tratamento incorreto, o risco de efeitos colaterais é muito maior — e o paciente pode até perder a chance de se beneficiar de uma opção mais adequada no futuro.”

Essa abordagem personalizada já está incorporada em estudos e diretrizes. Para alguns casos, a imunoterapia é indicada antes ou depois da cirurgia. Em outros, a terapia-alvo, que mira mutações específicas, tem se mostrado a escolha mais eficaz.

“É fundamental testar todos os pacientes. Terapia-alvo é para quem tem mutações; imunoterapia, para quem não tem. Parece simples, mas esse detalhe pode fazer toda a diferença entre sucesso e fracasso do tratamento”, destaca o médico.

Com mais diagnósticos em não fumantes e jovens, a mensagem dos especialistas é clara: a poluição e os fatores genéticos exigem atenção tanto quanto o cigarro já exigiu no passado. E, uma vez diagnosticado, não basta começar a tratar de qualquer forma: a escolha precisa ser precisa. “Se a gente dá um tratamento equivocado, porque não avaliou o paciente de forma adequada, o cenário pode ser catastrófico”, conclui.

“Vozes que Inspiram, Conexão que Transforma” sobre câncer de pulmão

O oncologista Dr. Marcelo Corassa foi um dos convidados do O mesacast “Vozes que Inspiram, Conexão que Transforma”, produzido pelo Instituto Vencer o Câncer. Ao lado do paciente Nivaldo Campos, ele fala sobre o câncer de pulmão, os fatores de risco, diagnóstico tardio, avanços no tratamento e o impacto da doença na vida das pessoas, trazendo informação confiável e relatos reais que reforçam a importância da escuta, do apoio e da pesquisa clínica.

Clique e veja aqui o episódio completo.

Publicação: 15/09/2025 | Atualização: 15/09/2025

Pesquisa Clínica

Novos tratamentos e medicamentos, com segurança e eficácia, de forma gratuita. Conheça.

Busque novas possibilidades de tratamento

Se você busca novas opções de tratamento para si ou para alguém próximo, encontre aqui estudos clínicos com recrutamento aberto. Participar é uma forma de acessar novos tratamentos e contribuir com a evolução da medicina.