As mechas iam caindo ao chão e, com elas, pesos que Keila queria deixar para trás: medos, julgamentos, certezas que nem eram suas. Era o corte de cabelo que ela sempre teve curiosidade e vontade de fazer, mas que nunca teria coragem.
Sempre usou cabelão; achava bonito, feminino.
Uma semana antes, tomou a decisão. “Você pode cortar meu cabelo?”, perguntou à vizinha que, embora cabeleireira, não atua na profissão. Diante da confirmação, escolheu uma foto com o modelo que queria, combinaram a melhor opção de corte.
No dia, estavam apenas ela e o filho em casa; o marido havia saído para trabalhar.
As emoções se misturavam à medida que os fios de cabelos cobriam o assoalho. Ao mesmo tempo, estava tranquila. “Fiquei chateada porque não queria, mas também muito feliz”.
A decisão ia muito além de mudar o seu visual. Decidiu que não queria ver suas longas mechas caindo naturalmente como consequência da quimioterapia, ela sofrendo dia a dia. Com ele já curto, seria mais fácil se adaptar.
No processo também entendeu que nunca se permitiu experimentar porque acreditava que precisava ter longos cabelos para ser vista como uma mulher feminina, atraente, aceita. Sentiu-se liberta.
“Me fez muito bem”, confessa.
Foi um corte muito mais profundo, um ato de liberdade diante de limitações que lhe eram impostas socialmente e ela nem imaginava. Também parou de pintar o cabelo. “Depois do diagnóstico precisamos fazer tudo que temos vontade. Gostei muito do resultado. Estou feliz por saber que estou fazendo as coisas do meu jeito.”
“O câncer me curou da depressão”
O diagnóstico de câncer de mama em abril de 2025 trouxe, junto com o medo, surpresas que Keila de Carvalho, 38 anos, não poderia imaginar. “No momento do diagnóstico, fui curada de uma depressão. Eu achava que queria morrer, mas na verdade nunca quis. Talvez o que acontecia é que eu estava vivendo momentos muito difíceis e não queria estar naquela situação. Passei a conviver com o câncer, mas também a ver o mundo mais colorido. Eu realmente comecei a ver as cores e enxergar o mundo de forma diferente”.
Foi tudo muito rápido: dia 19 de abril sentiu o nódulo, dia 22 fez o exame, dia 25 soube que estava com BI-RADS 5, dia 28 fez a biópsia. Em 2 de julho passou pela cirurgia e já começou a quimioterapia. “Achei que seria muito terrível, mas foi uma vitória. Estou muito bem”, comemora. “Eu era fumante, fiz um propósito de que fumaria até o dia da quimioterapia. Já faz uma semana que parei, consigo sentar em uma mesa com pessoas fumando e não sinto nem vontade. Para mim é um orgulho.”
Agora é hora de viver o momento do seu jeito
Às vezes pensa que não vai mais pintar o cabelo, em outras sente vontade de voltar depois que tudo passar. Deixar o cabelo curto, voltar ao cabelão… Deixará para resolver depois. Agora, está vivendo o momento e abraçando as transformações.
Antes do diagnóstico ela não acreditava na cura do câncer. “Se alguém me dissesse que tinha câncer, eu já pensava: ‘Que pena’. Isso mudou dentro de mim. Acredito e creio que serei curada. Quero que todo mundo seja curado.”
O medo real diante da doença a fez querer se cuidar. Sentiu vontade de lutar e viver. Decidiu fazer tudo que for necessário, com a certeza de que quer viver muito.
Hoje, Keila enfrenta o tratamento — quatro quimioterapias vermelhas, 12 brancas, 18 sessões de radioterapia e o uso prolongado de tamoxifeno e Zoladex. Mas não fala de doença com pesar. Fala de vitórias: redescobriu o prazer de se olhar no espelho, tornou-se referência para outras mulheres.
“Digo para quem recebe o diagnóstico: você não pode se entregar, tem que acordar para a vida. O câncer não tirou, me deu. Me devolveu vontade de viver.”
Mãe de dois adolescentes, com uma enteada de 33 anos e avó de um menino de 1 ano e 8 meses, Keila tem clareza do que conquistou. O corte de cabelo foi só o começo. O que Keila realmente cortou foi o medo — e, no lugar dele, ficou o espaço aberto para se experimentar e se redescobrir feliz, de diferentes formas.
Texto de Vivi Griffon