Foto cedida.

Crônicas de Outubro – De salto alto e bom humor, a vida segue

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O dia era especial e, por isso, merecia um look à altura. Sandra escolheu uma calça jeans linda. Sabia que o vermelho — sua cor — estaria presente. A blusa, vermelha com rosas pretas, casou perfeitamente. Para finalizar, sua marca registrada: um belo salto alto. A bota de salto agulha 15, vermelha, era o que faltava para estar pronta para contar sua história — a trajetória marcada por médicos que não a ouviram e pelas negligências que sofreu. Fazia isso não por si, mas para que outras mulheres não passassem pelo mesmo.

Foi com esse espírito — o mesmo que a move a ajudar tantos outros pacientes — que ela se preparou para gravar o vídeo da campanha A Vida que Eu Trago no Peito, da farmacêutica Lilly em parceria com o Instituto Vencer o Câncer. O objetivo era estimular a participação da população na consulta pública para a incorporação de um novo tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), voltado a tipos específicos de câncer de mama.

“Fiz com a alma, de coração. Sabia que minha voz poderia ajudar a proporcionar esperança e acesso a tratamento para quem precisa.” A surpresa veio quando sua história foi escolhida para o projeto Histórias de Terapia. “E olha a voz da Sandra de novo, conscientizando as pessoas sobre a importância de conhecer o corpo e participar do próprio tratamento.”

A campanha teve resultado positivo: o Ministério da Saúde anunciou que o inibidor de ciclina será incorporado tanto ao rol da ANS quanto ao SUS. “Eu participei não por mim, nem uso esse medicamento. Participei por nós. Entrei na campanha para levantar a voz em prol de pacientes que eu não conheço e que talvez nunca conheça.”

Na última semana de setembro, Sandra Gonçalves recebeu seu quinto diagnóstico de câncer — a quarta metástase. E seu médico prescreveu justamente esse inibidor como tratamento. “Eu vou tomar o medicamento pelo qual briguei para todos terem acesso, pelo qual levantei a voz, apareci, lutei para conseguirmos. Entrei na campanha para conseguir para todos. Briguei por mim sem saber”, revela emocionada.

Respira, Sandra!

“Respira, Sandra.” Foi o que ela passou a repetir a si mesma depois de um exame revelar que as dores que sentia eram, na verdade, uma metástase. “Eu estava segurando tudo. Não estava respirando.”

Diagnosticada com carcinoma ductal invasivo em 2013, Sandra já vive há 12 anos como paciente oncológica. O caminho até o diagnóstico foi tortuoso. “Percebi um carocinho. O médico disse que era leite empedrado, nada grave. Nem me examinou, não se levantou da cadeira.” O nódulo cresceu, e foi uma longa jornada até encontrar alguém que a ouvisse e tivesse sensibilidade para investigar.

No dia 31 de dezembro, foi buscar o resultado dos exames. “Fiz escova, botei salto alto.” Mas a consulta se transformou em trauma. “O médico abriu o exame e começou a me xingar. Disse: ‘Como você chega aqui com um câncer desse tamanho?’.”

Vieram cirurgias, quimioterapia, a perda do cabelo, as fotos diárias para registrar o crescimento das sobrancelhas, dos cabelos— e as queimaduras de terceiro grau da radioterapia. “A pior parte até aqui, nesses 12 anos.”

Respira, Menina!

Educadora, Sandra sempre trabalhou em comunidades vulneráveis, onde via mães sem acesso à informação sobre a própria saúde. Quando se tornou paciente, decidiu criar um Diário de Bordo, registrando o dia a dia do tratamento e repassando o que aprendia.

Desde 2015, participa de campanhas de conscientização sobre o câncer de mama. “Essa é a parte da minha vida de paciente que mais faz sentido. Levantando a minha voz, já consegui medicamentos para mim e para outras pacientes, agilizei exames, consultas. E, com as entrevistas, mostrei que câncer não é sentença de morte e que cuidados paliativos não são só para o fim da vida.”

E foi exatamente em uma campanha do Instituto Vencer o Câncer, há alguns anos, que eu vi a Sandra pela primeira vez. Fomos gravar vídeos de pacientes e ela me impressionou pela força, o bom humor e a disposição de estender a mão. Nasceu uma amizade que se fortalece a cada ano.

Hoje, ela não diz “Respira” apenas para si, mas compartilha sua lição com outras pacientes. Leva sua voz pelas redes, pela mídia, pelos encontros que promove: “Respira, Menina!” — virou seu bordão.

Está em tratamento paliativo desde 2017 e recebe cuidados paliativos desde 2020. “Morte é a coroação do que você veio fazer aqui. Quando sua missão está completa, você só vai voltar para casa. E está tudo bem. Mas eu não pretendo ir embora daqui tão cedo.”

São os cuidados paliativos que lhe garantem a qualidade de vida necessária para fazer o que gosta, o que ama — o que a faz se sentir viva. E assim, com seu bom humor, se mantém de pé — de salto alto, claro — e avisa: “A morte vai me encontrar vivendo.”

Texto de Vivi Griffon

Publicação: 28/10/2025 | Atualização: 28/10/2025

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