Fabiana acordou no silêncio da madrugada. O coração acelerado não podia esperar até amanhecer. Precisava confirmar sua suspeita antes que o marido acordasse para trabalhar. Sozinha, segurou nas mãos o teste positivo — e começou a gritar de alegria: ela teria um bebê.
A filha, Rayanne, então com 11 anos, e o marido correram assustados, mas logo se juntaram à comemoração. Depois de tudo que a família havia enfrentado, era o melhor presente que poderiam receber.
Rayanne tinha apenas três anos quando Fabiana Fernandes recebeu o diagnóstico de câncer na mama esquerda, em 2006, aos 23 anos.
“Depois do câncer, minha menstruação ficou bastante desregulada. Nós queríamos um filho, mas eu acreditava que não poderia mais engravidar. Na época não tive acesso a congelamento de óvulos e ainda passei por um aborto. Por isso, quando comecei a me sentir enjoada, achei improvável. Até que, naturalmente, engravidei. Foi uma felicidade imensa.”
A alegria dividia espaço com o receio. A gestação era considerada de risco e, já no dia seguinte, Fabiana estava no hospital para conversar com a médica. Apesar de estar livre do câncer havia nove anos, como recebeu o diagnóstico bastante jovem, nunca teve alta médica.
Tudo correu bem e Lucas nasceu em 2015. “Eu falo que ele é meu milagrinho.”
Cicatrizes e conquistas
Fabiana tinha 36 anos quando, em 2019, um novo diagnóstico voltou a trazer incertezas — agora na mama direita. Por ter surgido treze anos depois, foi considerado um novo tumor, mas do mesmo subtipo: triplo negativo.
No primeiro câncer, o tratamento começou com quimioterapia, depois a mastectomia radical e radioterapia. No segundo, a ordem foi outra: mastectomia primeiro, seguida de quimioterapia e radioterapia. Em setembro deste ano, ela completou cinco anos desde a cirurgia.
Em 2021, concluiu o segundo tratamento e fez a reconstrução mamária. Foi durante uma consulta médica que recebeu uma ligação inesperada: a filha chorava do outro lado da linha. Mas, dessa vez, eram lágrimas boas — Rayanne havia conquistado uma vaga para estudar na Universidade de São Paulo.
“Eu falei: ‘Senhor, obrigada por me dar a oportunidade de viver tudo isso’. Quando eu descobri o primeiro câncer, ela tinha três anos, eu tinha medo de nem ver ela crescer. E ano que vem estarei na formatura dela”.
No último dia 1º de outubro, Rayanne completou 22 anos. “Não saber se vamos ver nossos filhos crescerem é uma incerteza de todos os pais. Mas quando passamos pelo câncer, essa realidade fica muito mais presente. Por isso, cada feito tem um peso imenso.”
Por ela, pela filha, por todas
Em 2018, Fabiana começou a atuar como voluntária em hospitais, acolhendo mulheres e viu que muitas recebem o diagnóstico em estágio avançado.
“Comecei a me engajar mais, a pesquisar mais. Ano passado fizemos o teste genético e descobrimos que eu, minha mãe e minha irmã temos a mutação BRCA1.”
Este ano foi a vez da filha fazer o exame. “Ela também tem a mutação. Agora quero me aprofundar ainda mais em pesquisas clínicas e cursos de advocacy, para estar preparada e poder ajudar a minha filha.”
Com esse propósito, em junho fundou o Instituto Olhar Rosa.
“Queremos levar informação onde ela não chega, nas comunidades, nas periferias. Muitos casos de câncer de mama chegam em estágio avançado por falta de acesso, mas também por falta de informação. Mulheres jovens acham que não podem ter câncer porque não têm histórico familiar. Mas o diagnóstico precoce é fundamental.”
Fabiana é mulher, paciente, mãe, ativista e aprendeu a ser ponte para abrir caminhos — para si mesma, para a filha e para tantas outras mulheres.
Texto de Vivi Griffon