“Em caso de despressurização máscaras de oxigênio cairão automaticamente. Caso esteja acompanhado de alguém que necessite de sua ajuda, coloque sua máscara primeiro para em seguida ajudá-lo.”
A orientação dos comissários de bordo serve como uma dica importante para aqueles que, de repente, se veem na condição de cuidador de uma pessoa querida, diz Antonio Carlos Buzaid, chefe geral do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Muitas vezes sem conhecimento e treinamento prévios, a situação pode levar a um desgaste físico e emocional que, se não for observado, pode comprometer o cuidado (e a saúde) tanto do cuidador quanto do paciente. “O cuidador não pode nunca esquecer dele próprio, tem que se cuidar também. Se não estiver bem, não consegue dar conta do outro. Por isso precisa se preservar”, ensina Maria Goretti Salles Maciel, presidente da Associação Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) e médica paliativista do Hospital do Servidor Público Estadual.
Goretti explica que o cuidador não é, necessariamente, apenas aquele que precisa executar atos mecânicos como trocar, dar banho, administrar remédios. Pode ser aquela pessoa que está sempre junto, que divide todas as angústias do adoecimento. “Isso não deixa de ser um cuidado. Mesmo no momento do diagnóstico, quando o paciente pode estar bem clinicamente e dar conta do seu autocuidado, é importante ter alguém sempre ao seu lado”. E esse alguém é o cuidador, que exerce também o papel do apoio psicológico, de companhia. “É uma atividade que envolve um caráter emocional. É alguém com quem o doente pode contar, pode dar um telefonema quando precisar, que vai junto à consultas, ouve as orientações”.
Foi o que aconteceu com Milena Aparecida Correa de Toledo, 25 anos. Sua tia, Zenaide Castaldeli, 51 anos, foi diagnosticada com um tumor cerebral, em 2009, e era ela quem sempre a acompanhava nas internações. Até o ano passado, Zenaide conseguia fazer suas atividades, apesar de algumas limitações. Já havia feito radioterapia, quimioterapia e três cirurgias na cabeça. Após o último procedimento, em novembro, ficou mais dependente e hoje não faz nada sozinha. “Não decidi nada, foi acontecendo, e quando percebi eu ficava no hospital direto, e ela cada vez mais dependente. Até que achamos melhor que eu me mudasse para cuidar dela durante o dia”, conta Milena. Hoje ela mora com sua tia, além da avó e da filha, largou o emprego como manicure no salão de cabeleireiro onde é sócia da irmã e é cuidadora em tempo integral.
Não é simples. Pego de surpresa, muitas vezes o cuidador não está preparado para o exercício da função e acaba sendo consolado pelo próprio doente. Eventualmente demonstrar uma fragilidade não é um problema. Ruim é quando o doente está sempre precisando cuidar do cuidador. “Isso é comum. Se existe uma relação de confiança, não existe problema nenhum que o cuidador sofra e demonstre o sofrimento. Mostrar que estão vivendo juntos esse problema e que também está sofrendo com isso. Falar com sinceridade é bem bacana”, diz Goretti.
A franqueza, inclusive, é uma das características mais importantes dessa relação. Ela traz a segurança ao doente de que o cuidador vai falar se não estiver bem. E sabe que o outro vai respeitar o próprio limite. O cuidador que não admite que está no seu limite mas está o tempo todo reclamando, demonstrando cansaço e sem uma conversa franca, prejudica o cuidado e faz com que o doente se sinta constrangido, como se fosse um peso para a pessoa. “Se você não fala francamente, acaba demonstrando nas entrelinhas. O doente percebe isso claramente e é muito pior. O melhor é deixar tudo claro. Dizer que está exausto, que precisa descansar, sair um pouco, mas que vai continuar ao lado do doente. Só precisa de um tempo”, afirma a especialista.
Quando é hora de parar?
Nem sempre é fácil reconhecer nossos limites. Mas existem alguns sinais aos quais o cuidador deve ficar atento e podem indicar que é preciso uma pausa momentânea, um descanso da atividade. A irritabilidade é o primeiro deles. “A irritabilidade é uma coisa muito sintomática. Quando o cuidador começa a perder a paciência facilmente, dormir mal, às vezes fica mais brusco com o paciente. Nessa hora é preciso parar um pouco, descansar, respirar, pedir uma substituição na família, desde que seja possível, ou pelo menos deixar claro para o doente que não está conseguindo dar conta sozinho”.
Se não for possível compartilhar o cuidado com alguém da família, ou mesmo contratar um profissional temporário, a dica é inserir na rotina alguns momentos de distração. Por mais que o outro exija e precise de atenção, é sempre possível encontrar um tempo para cuidar de si próprio. Procure algo que goste, que funcione como uma higiene mental. Ouvir uma música, ler um bom livro, ver um filme, dormir mais, se alimentar bem. São atividades simples, possíveis de encaixar na rotina e que podem fazer uma grande diferença. “Buscar uma distração, mudar um pouco o foco é importante. Sempre é possível, nem que seja por algumas horas. Alguns cuidadores ficam quase obcecados no cuidado ao doente, não saem de perto de jeito nenhum, criam situações para se envolver mais. E ficam muito cansados. O cuidador mais equilibrado acha um tempo pra cuidar de si”, afirma Goretti.
Apesar de se considerar uma pessoa calma, Milena confessa que em alguns momentos chega ao seu limite. É quando aproveita para sair um pouco, visitar a sogra que mora perto, tomar um café e conversar sobre outros assuntos. “Parece que já recarrega as energias. Às vezes também vou jantar fora, saio com meu namorado, com minha filha, faço coisas simples, mas que ajudam a relaxar um pouco.”
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Conhecimento e organização
Criar rotinas, organizar as tarefas e estabelecer horários para as atividades é bom não apenas para o doente, mas ajuda o cuidador a encontrar esse tempo de que ele precisa. Buscar o máximo de conhecimento possível também facilita o trabalho.
Hoje existem várias informações para o cuidador, de cursos a palestras em hospitais que compartilham dicas preciosas. “Mesmo o profissional de saúde que está cuidando do doente pode orientar bastante. Quando você domina a técnica você fica mais tranquilo, não se desgasta tanto”, afirma Goretti.
Milena aproveitou o “estágio” no hospital. Mesmo quando a tia não necessitava de cuidados, dividia o quarto com pacientes acamadas e, ao observar o trabalho das enfermeiras, começou a aprender a lidar com a situação. “Como ela ficou muitas vezes internada eu aprendi muito com as enfermeiras. Aprendi na prática”, conta. Ainda hoje, ela aproveita a visita domiciliar das enfermeiras para tirar algumas dúvidas que surgem.
Nos casos em que o doente exige muito fisicamente é recomendável manter uma atividade física contínua. É muito importante fazer alongamento, prestar atenção à postura, aprender técnicas para mobilizar o doente, tirá-lo da cama e dar banho. São técnicas que o cuidador pode aprender para poupar sua própria energia e proteger o doente. No caso de Milena, como a exigência física é muito grande, ela começou a sentir dores no joelho e no pulso. “Fui fazer atividade física e melhorou muito. Acho muito importante a gente se preparar”, diz.
Cuidando de quem se ama
A relação cuidador e paciente é muito delicada. Aliado ao esforço físico, o sofrimento emocional desse contato tão profundo com alguém que está sofrendo, que está perdendo a saúde dia após dia, é muito difícil. Ainda mais quando é uma pessoa da família, querida e próxima.
Apesar de difícil, cuidar de quem se ama é gratificante. Goretti conta que vem de uma família de cuidadores, a começar pela mãe, que exercia a atividade com uma naturalidade impressionante. Apesar disso, nunca tinha vivido tão intensamente a experiência até ter a oportunidade de cuidar do pai doente. “Nunca pensei que fosse tão prazeroso cuidar de quem a gente ama. Você sabe que sua presença é benéfica para aquela pessoa e que, de alguma forma, você está tornando a vida dela melhor”.
O cuidado é uma demonstração de carinho. Para Milena, a tia foi como uma mãe e, por isso, ela diz não se arrepender de nada do que faz por ela. “Se amanhã ou depois ela vir a falecer, vou ter a certeza de que fiz tudo que eu podia. Fiz por amor”, finaliza.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.