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Outubro Rosa – Desmistificando os cuidados paliativos: qualidade de vida para pacientes

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Por Viviane Pereira

Nós, seres humanos, costumamos viver como se não fôssemos morrer. Essa maneira de encarar a morte, esse pretenso “esquecimento” desta que é a única certeza que temos na vida, pode ser uma forma de aliviar um dos maiores medos humanos: a mortalidade. Se por um lado esse jeito de lidar com a vida ajuda a torná-la um pouco mais leve, por outro pode nos fazer adiar indefinidamente o que realmente importa, seja a realização dos sonhos ou a convivência com as pessoas que amamos. 

“A contagem regressiva não começa no diagnóstico. Quando a gente nasce, o relógio já começa a contar”, comenta Patrícia Paraense Loretti da Silveira, que em junho de 2018 começou sua jornada como paciente oncológica, quando descobriu um câncer de mama já metastático.  Devido ao estágio avançado da doença, ela logo entrou em cuidados paliativos. 

 

Foi também a descoberta de um câncer de mama avançado que levou Sandra Gonçalves, alguns anos depois do diagnóstico, a entrar em cuidados paliativos, passando a conviver com essa expressão que aterroriza devido à desinformação sobre seu verdadeiro significado.

 

Em geral, a ideia de cuidados paliativos vem associada à morte iminente, ao pensamento de que a pessoa não tem muito mais tempo de vida e só está esperando “sua hora chegar’. Felizmente não é assim e os avanços da Medicina têm transformado o câncer, em muitas situações, em uma doença crônica para a qual o paciente precisará tomar medicamento durante toda a vida, como o diabetes – pode não ter cura, mas é possível viver com qualidade por um bom tempo, com assistência para tratar a doença, evitar dor e manter a saúde mental.

 

É importante mudar essa percepção para que a sociedade entenda que cuidados paliativos não é uma sentença de morte. Por isso, nesse Outubro Rosa, mês de prevenção e alerta ao câncer de mama, o Instituto Vencer o Câncer traz essas duas lindas histórias, para demonstrar que existe, sim, muita vida para pacientes em cuidados paliativos.

 

Sandra Gonçalves: exemplo e inspiração para muitas pacientes

Imagem mostra: Sandra que conta o relato dela.

Sandra Gonçalves lembra que também não tinha muita clareza sobre o tema quando, em 2017, ouviu de sua irmã que o pai foi para os cuidados paliativos. “Eu tive que assinar os papéis no hospital e fui ao cemitério porque precisava exumar a minha mãe. O dono do cemitério era meu amigo, eu havia trabalhado lá, então perguntei a ele o que deveria fazer. Ele me disse: ‘não vou deixar você passar pelas duas dores ao mesmo tempo. Vamos já exumar sua mãe, porque seu pai está indo embora’. Meu pai ainda viveu quase dois anos depois que entrou no paliativo”.

Sua jornada como paciente oncológica possibilitou entender muito melhor. “Hoje eu sei que cuidados paliativos é um direito do paciente desde o primeiro diagnóstico, para que seja cuidado como um todo, em todas as dimensões do sofrimento”.

 

O Instituto já relatou o início da jornada da Sandra, que recebeu diagnóstico de câncer no final de 2013 e no início de 2015 foi diagnosticada como paciente metastática. Foi em 2017 que a médica escreveu em seu prontuário ‘cuidados paliativos’ – mesmo ano do seu pai. “Eu passei a ter um tratamento que não tem mais a intenção de cura. O objetivo era me dar suporte e bloquear o avanço da doença”. 

 

Curiosa e sempre interessada em aprender cada vez mais sobre, passou a pesquisar, estudar, entender o que precisava e a que tinha direito – e vem partilhando esse conhecimento com outras pacientes, para ajudá-las em suas jornadas, enquanto também lida com os altos e baixos da sua, buscando encarar positivamente os desafios – que não são poucos.

 

“Tive uma intercorrência da cirurgia em 2017 e fiquei quatro anos com a cirurgia vazando, ninguém queria pôr a mão, um médico jogava para outro. Até que um dia eu fiz um desabafo no grupo fechado de cuidados paliativos da Casa do Cuidar, uma médica que também é paciente viu e pediu que eu enviasse uma foto da minha ferida cirúrgica. Eu enviei e ela avisou que estava me esperando no hospital no dia seguinte”, recorda. Passou por exames, procedimento e finalmente teve sua situação resolvida.

 

No final de 2021 e começo de 2022 seus exames de sangue apresentaram alterações preocupantes, sentia muita dor, o que levou o médico a solicitar uma ressonância – que foi realizada indevidamente sem contraste. “Os médicos ficaram muito bravos de terem me submetido a um exame estressante, demorado, sem contraste”. Esse não foi o único problema que ela precisou encarar em exames.

 

Com a apresentação do resultado ao médico, em setembro, veio a suspeita de infiltração medular, o que levou a uma mudança no protocolo do tratamento, para uma quimioterapia oral mais forte. A realização da biópsia medular para confirmar a infiltração foi feita usando agulha e quantidade de anestésico inadequados. “Quando voltei ao médico ele disse que precisávamos tentar mais uma vez, porque necessitava documentar o meu novo diagnóstico. Eu estava traumatizada de ter feito aquele exame, passar por tanta coisa por nada”, recorda. A segunda tentativa deu certo e confirmou a suspeita da infiltração medular.

 

“Estou usando o medicamento Xeloda desde setembro de 2022 e recebendo cuidados paliativos integrais – com controle de dor e reações adversas. A minha médica, dra. Ana Paula, me adotou. Disse que eu cuido de todos e que ela iria cuidar de mim”.

Sandra conta que as pacientes que recebem esse medicamento geralmente ficam sem dentes, sem digitais, os pés sangram, mal conseguem sair de casa. Ao ouvir a pergunta sobre como ela está com o medicamento, responde sorrindo: “Estou ótima! Eu não tenho pé ressecado, não está sangrando, as minhas digitais estão aqui. Eu quebro todos os protocolos”.

Não à toa o médico fica espantado quando examina seus pés. “Ele já sabe que se estou de salto alto, está tudo bem. Tem dias que ele pede para ver meu pé, olha embaixo, vê tudo e diz: ‘Deus do céu, você não se enquadra na literatura médica’”.

 

Ela é cuidada pela Casa do Cuidar, que fica na Barra Funda, em São Paulo, onde também atua como voluntária. Recebe suporte psicológico, espiritual e de uma médica paliativista, e promove mensalmente o Café do Cuidar para as pacientes.

 

Com tanta experiência e conhecimento adquirido com muita pesquisa, aprendeu bastante sobre o tema e busca dividir essa experiência. Mantém dois grupos no WhatsApp: “Amigas do destino”, com pacientes que receberam seu primeiro diagnóstico, e o “Respira”, grupo das metastáticas em cuidados paliativos.

 

Sandra parece incansável quando se trata de ajudar outras mulheres a terem uma melhor jornada oncológica: está sempre pronta para estender a mão, acolher, compartilhar. Há anos é uma importante parceira do Instituto Vencer o Câncer na disseminação de informação para as pacientes.

 

Patricia Loretti: bom humor e preparo para encarar os desafios da doença e manter os sonhos

Imagem mostra: Patricia que conta seu relato

Em junho de 2018 Patrícia Loretti sentiu um pequeno caroço na mama – tinha feito exame preventivo em outubro do ano anterior e por isso não esperava a notícia que recebeu: um diagnóstico de câncer de mama HER 2 avançado, estágio 4. “Eu tenho metástase nos ossos e no fígado”.

O impacto foi intenso, porque havia perdido o marido com câncer em 2006. O mais difícil era ter que contar para o filho, que na época tinha 20 anos, e encarar um dos grandes medos que as mães conhecem bem: deixar o filho sem família. “Eu fiquei bem apavorada. Senti medo de morrer e deixar meu filho sozinho. As pessoas diziam ‘ele vai se virar’ – mas eu não quero que meu filho sofra. Foi bem difícil contar para ele”, recorda. “Hoje ele está mais inteirado de como são os cuidados paliativos. Eu tive diversas internações e meu filho está ciente da gravidade da minha situação, que pode não ser algo que vá tão longe como gostaríamos”.

Ela começou fazendo radioterapia, depois deu início ao tratamento hormonal, que seguiu por anos, até janeiro de 2024, quando fez um tratamento com quimioterapia oral, mas teve progressão da doença. Experimentou dois tipos de quimioterapia endovenosa, mas a doença progrediu e no dia que realizamos essa entrevista, no início de outubro, estava se preparando para começar um novo protocolo em alguns dias. “Dá medo porque eu passei muito mal, principalmente com a segunda quimioterapia. Tive três internações, quatro transfusões de sangue e o tumor nem aí, ficou assoviando, cantando”.

Ansiosa com a incerteza em relação à mudança de protocolo, conta que só pede que Deus seja caridoso com ela. Depois de ficar internada na UTI e passar por diversas complicações, seu pedido é para ter o mínimo possível de efeitos colaterais e bom resultado para o tumor. “Meu sonho é ser avó. Eu queria um tempinho para meu filho casar e ter um nenê. Esse é o meu pleito com o Divino”, diz. “Pode ser netinho ou netinha – se for menina vou comprar uma chupeta rosa com glitter”. 

Diante da pergunta ‘por que não os dois?’, responde com otimismo: “pode ser, porque a família do meu marido tinha gêmeos. Vamos sonhar com tudo, não vamos economizar”.

E é assim, com esperança e bom humor que Patrícia busca encarar a doença – e sempre que possível tentando antever o que virá para se preparar, fazendo jus à sua experiência de quase 40 anos como secretária, marco que completa em 2025.

“Eu gosto de criar estratégias. Quando meu cabelo caiu, fui ver perucas, maquiagem. Eu brinco com as perucas, cada dia eu chego com uma diferente no trabalho. Sou uma doente que gosta de ficar saudável. Não quero que as pessoas olhem para mim e fiquem penalizadas. Gosto de ter uma vida mais normal possível, apesar do tratamento. É uma questão de livre arbítrio: ou você sofre ou se diverte. Eu vou tomar corticoide, que incha, e isso me apavora mais do que cair o cabelo, e não pode tomar diurético. Eu já falei para a menina: faz uma garrafa de mate para mim que eu vou tomar que nem uma louca”, avisa sorrindo.

Patrícia segue trabalhando e ajusta a tomada de medicações à rotina. “Trabalhar me dá a sensação de que sou dona da minha vida, tenho minha identidade, esqueço das dores, do problema. Ajuda a não ficar todo o tempo ao redor da doença – acho isso um desgaste desnecessário”, afirma, contando que no dia da quimioterapia é o momento do tratamento, mas não precisa levar isso para a semana toda. “Claro que eu diminuí o ritmo, mesmo nas atividades de casa. Não posso levantar varal, pegar peso. Mas se não posso ir ao mercado e carregar sacolas, eu posso encomendar e mandar entregar”. E assim vai buscando alternativas, ajustando a alimentação para evitar reações – que são sempre diferentes de pessoa para pessoa.

Além da vontade de ter um netinho ou netinha – ou ambos -, outro sonho seu é viajar. “Adoro sol, praia. Adoraria ir para o Marrocos, Chile, tenho vários roteiros na minha mente. Mas como nesse momento não dá – até pela grana -, faço mini viagens. Disse para a minha chefe que como não pude ir para Amsterdã, fui para Holambra”, brinca. “As pessoas pensam que porque temos câncer e estamos em cuidados paliativos vamos morrer amanhã. Outro dia um cara do trabalho me perguntou: ‘Você não está doente? Como é que você vai viajar?’. Respondi a ele que eu não matei ninguém, não estou presa, não cometi nenhum crime. Estou doente, mas posso me divertir”.

Manter a diversão na vida é o seu plano – por isso, além das viagens, procura ir uma vez por mês a um show, peça de teatro, musical. “Quero sempre ter um sonho, um plano futuro. Eu não posso programar uma viagem para o Egito daqui a dois anos, porque não sei se vou estar viva, mas eu posso planejar ir em janeiro para Búzios. Já começo a pensar na roupa que vou levar, se vou com chapéu, lenço. A cabeça sai da zona de dor”, relata. “Eu entro no Instagram e vejo algo sobre uma maquiagem, um batom que gosto, já coloco na minha lista de coisas que quero comprar. Outro dia estavam falando sobre um perfume para cabelo, eu me animei, depois disse a mim mesma: você não tem mais cabelo!’. É uma distração que me faz esquecer da doença”. 

Se por um lado o câncer trouxe muitos desafios, por outro, afirma, proporcionou uma nova visão de vida. “O câncer foi um grande professor. Sou uma pessoa muito melhor do que antes, porque valorizo meu tempo. Eu era workaholic, não via o céu, não olhava para uma flor. O meu trabalho vinha na frente e deixava tudo para depois. Passei a valorizar os momentos com meu filho, com meus gatos, cuidar das minhas plantas, a olhar mais as pessoas e filtrar o que eu falo, o que eu ouço, com quem vou conviver e até mesmo a comida. Por incrível que pareça, acho que hoje eu sou mais saudável, apesar da doença metastática”.

Às outras pacientes que recebem diagnóstico com indicação de cuidados paliativos, ela deixa sua mensagem: “cuidados paliativos não é morte; é uma ferramenta para te ajudar entre o momento que você descobre a doença e o que vai embora – e todo mundo vai morrer. A finitude é inerente do ser humano. Câncer é uma doença crônica como qualquer outra. Cuidados paliativos é tudo que eu posso fazer para não sentir dor, ter qualidade de vida, trabalhar minha musculatura para ter autonomia. Eu tenho metástase óssea e sentia uma dor dilacerante. Hoje eu não tenho dor – somente o normal para uma mulher de 59 anos, quando abaixa ou levanta. Sentir dor não é normal, não precisamos mais passar por isso e quando a pessoa tem esse conhecimento, busca o que é melhor para si.  Outro dia eu cheguei com dor no hospital e queriam me dar paracetamol – eu falei que ia tomar morfina porque é o que minha médica prescreve para mim. Não iria adiantar”, alerta, concluindo: “Daí a importância de boa informação para saber seus direitos, o que tomar e ter tratamento de qualidade. Quanto mais o paciente sabe, mais se empodera e administra a própria doença”.

Clique aqui e saiba mais sobre cuidados paliativos, com conteúdo do Instituto Vencer o Câncer

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O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.

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