Quais os impactos genéticos no desenvolvimento dos tumores de mama e ovário? Que influência têm os maus hábitos no desenvolvimento desses cânceres? O que é possível fazer para evitar a doença ou melhorar as chances no tratamento? Para responder a essas e muitas outras dúvidas que surgem sobre o assunto, e também explicar as novidades em tratamento, os oncologistas fundadores do Instituto Vencer o Câncer (IVOC) Antonio Buzaid e Fernando Maluf participaram do evento ao vivo Muito além do Outubro Rosa: correlação entre câncer de mama e câncer de ovário, promovido pelo instituto, com mediação da jornalista especializada em saúde Mariana Ferrão.
Em todo o mundo surgem anualmente 2,3 milhões de casos de câncer de mama e 250 mil de câncer de ovário. No Brasil, são 66 mil mulheres diagnosticadas todo ano com tumor na mama e 6.600 no ovário. Esses números, entretanto, devem ser maiores, já que há subnotificação. Buzaid acredita que devem ter pelo menos 50% ou 70% a mais de casos no país.
Apesar de a incidência do câncer de ovário representar 10% do total de casos de mama, há um número que provoca maior preocupação: de cada dez pacientes de ovário, oito são diagnosticadas em fase avançada. Isso ocorre, esclarece Maluf, porque diferente do câncer de mama, que tem mamografia para fazer rastreamento e diagnosticar precocemente, para o ovário não existem exames de imagem ou sangue suficientemente sensíveis e acurados para identificar a doença em fase precoce. “Em face dessa inexistência, em 80% das vezes o diagnóstico é feito quando a doença já está avançada, disseminada na cavidade pélvica. Isso acontece em todos os países”, relata. Por isso, um dos principais desafios atuais é encontrar um marcador que permita realizar testes para antecipar o diagnóstico e elevar a taxa de cura, que atualmente gira em torno de 15% a 20%, para tentar chegar a 80% a 90%, como ocorre com os tumores de mama.
Correlação é importante
Hoje a Medicina sabe que em algumas situações existe uma correlação entre os cânceres de ovário e mama, por conta de fatores genéticos, que aumentam a predisposição ao desenvolvimento desses tumores. As mutações genéticas são responsáveis por cerca de 5% a 10% dos casos.
A mutação BRCA1 aumenta o risco de ter câncer de ovário, em média, em 45%, e o de mama em 70% a 80%. “Se a história familiar for robusta, o risco é alto e tecnicamente será recomendado tirar o tecido mamário”, avisa Buzaid. “Não é mastectomia, mas uma retirada do tecido, deixando um pouco para que a pele não morra, e é colocada prótese na mesma hora”. As mutações BRCA2 e PALB2 elevam em 15% o risco para o tumor de ovário. Há outras mutações associadas com o desenvolvimento do tumor de mama, mas que não estão correlacionadas com o de ovário.
Há ainda casos em que existe histórico na família dos dois tipos de tumores, sem uma alteração conhecida identificada. Para Maluf, com a evolução dos estudos é possível que se descubram novas mutações que permitam estabelecer essa correlação.
O oncologista explica que para pacientes com forte histórico familiar de câncer de mama, quando chega na menopausa a indicação é retirar o ovário, porque mesmo sem as mutações conhecidas, supostamente o risco é maior. “O ovário perde a função e fica apenas a preocupação de desenvolver um câncer, diferente da mama, que podemos seguir a paciente de perto e há grande chance de descobrir precocemente um tumor. Além disso, a cirurgia para remoção do ovário é simples, por laparoscopia ou robótica. Estamos evoluindo para identificar quem são as pacientes que podem ser de maior risco”.
Se a mulher ainda está no período fértil e pretende engravidar, mesmo com as mutações geralmente a opção é aguardar que ela realize o sonho de ser mãe enquanto tem um acompanhamento mais intenso com ressonância e marcadores, especialmente porque até os 40 anos o risco é relativamente pequeno – apesar de ser maior do que em mulheres sem mutação. A paciente também pode conversar com um expert em fertilidade e coletar óvulos. Depois da maternidade é programada a cirurgia profilática. “Temos hoje alguns grupos que retiram a trompa e não o ovário, para continuar produzindo hormônio e não adiantar a menopausa, porque há uma teoria de que o tumor começa na salpinge (estrutura que liga a tuba uterina com os ovários)”, afirma Maluf. “Existem também tratamentos anti-hormonais usados para câncer de mama que podem diminuir a chance de desenvolver câncer de ovário, mas a forma mais efetiva é a cirurgia profilática”.
Quem deve fazer o teste genético
O teste genético é recomendado em algumas situações específicas, que Buzaid relaciona:
- Mulher que tem câncer de mama com menos de 45 anos, independentemente da história familiar;
- Mulher com câncer de mama e história familiar que chame atenção – sejam pais, irmãos, tios, avó com tumor em idade precoce;
- Mulher com câncer de mama triplo negativo com menos de 60 anos – existem três tipos: tumor rico em receptores hormonais, que não tem a proteína HER2; tumor com a proteína HER2, chamado HER2 positivo; e o que não tem receptor estrógeno, progesterona e HER2, o triplo negativo, que está bastante associado ao BRCA1;
- Qualquer caso de câncer de ovário na família pesa na decisão.
Maluf lembra que os testes genéticos não estão disponíveis em todos os estados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde geralmente cobrem, quando tem indicação. E ressalta a importância da realização dos testes não apenas para a definição de tratamento da paciente, mas também por envolver a família, filhos que podem ter o gene defeituoso e morrer de uma doença que seria prevenível com essa informação. “O BRCA 1 e 2 são como guardiões do corpo que ajudam a proteger e manter em equilíbrio. Quando estão mutados é como se o segurança que fica na porta da casa estivesse dormindo”, exemplifica o oncologista. “Com a mutação, a chance de câncer de mama é de 1 para 10 e de ovário de 2 para 10. É importante saber quem são os 10% de mama e 20% de ovário que desenvolveram o tumor por mutação e naquela árvore de filhos e netos supostamente saudáveis quais precisarão de um seguimento mais focado”.
Importante saber:
- Cada filho tem 50% de chance de receber a mutação dos pais;
- Já existem técnicas de fertilização que tentam selecionar os óvulos que têm e os que não têm mutação, mas exigem um grande número de óvulos;
- Pacientes com a mutação BRCA1 geralmente não têm boa reserva ovariana.
Hábito ruim rotineiro é problema
Tirando a questão hereditária, que responde pela menor parte dos casos de tumores, os fatores ambientais são os principais riscos. Um deles, associado ao risco de câncer de mama em mulheres jovens, é uma dieta inflamatória na adolescência, rica em refrigerante, carne vermelha, doces e açúcar refinado. “Os hábitos de vida têm um peso maior na equação do que o fator genético”, alerta Buzaid, relacionando os dois maiores: alimentação e estilo de vida. “O álcool aumenta muito a chance de ter câncer de mama e outros tumores, com qualquer ingesta, mesmo que sendo pouco. Álcool é cancerígeno”. O risco é linear: quanto mais ingere, maior será.
Segundo Maluf, o câncer de mama também está ligado à obesidade e ao sedentarismo, além da manipulação hormonal, que envolve desde anticoncepcionais até reposições indevidas. “O corpo não se adaptou à modernidade. Lançamos o Programa Tarja Verde para educar pais, mães, educadores, escolas, familiares sobre a melhor dieta para as crianças. A infância é uma fase importante para essa educação, porque elas não têm vícios e com isso podemos diminuir de forma importante a chance de desenvolver câncer. De cada cinco crianças obesas, quatro permanecerão obesas ao longo da vida; só 20% vão reverter. Nessa fase da infância é mais fácil reverter os hábitos de alimentação”, pondera. “Como tudo na vida, o problema é a rotina. O hábito ruim só é ruim quando é rotineiro”.
Como fazer o diagnóstico
Sem exame de rastreamento, o diagnóstico do câncer de ovário geralmente é feito quando a mulher tem um quadro clínico com sintomas e é encaminhada para exames de imagem. Em alguns casos, um ultrassom rotineiro pode detectar um nódulo sólido ou um cisto com componente sólido. Dependendo do resultado, a investigação avança com marcadores no exame de sangue e ressonância.
Quando é descoberto sem sintomas, com imagem, há mais chance de o tumor estar localizado. Entre os sintomas estão aumento da circunferência abdominal, alteração no hábito intestinal, sangramento vaginal, eventualmente má digestão e falta de ar causada pelo líquido que se acumula no abdômen e sobe para a pleura.
O paciente no centro do tratamento
Os oncologistas destacaram no evento a boa notícia: felizmente a Medicina vem melhorando nos tratamentos de câncer de mama, ovário e de outros tumores. Em alguns casos em que é possível utilizar técnicas modernas, as cirurgias são menos invasivas e mais inteligentes, os medicamentos melhoraram e os exames permitem selecionar de forma objetiva quem precisa de mais ou menos tratamentos, mantendo as taxas de cura.
Entretanto, ainda há desafios e Maluf cita que existem medicações aprovadas pela Conitec – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, mas que não são dispensadas para os pacientes, como imunoterápicos para melanoma aos quais uma parcela pequena da população tem acesso. “Existe um valor fixo para tratar cada tumor e fluxos que não permitem que um remédio aprovado esteja disponível para pessoas com câncer metastático. O IVOC está trabalhando em um projeto para pensarmos como melhorar o SUS com leis que possam ser executadas no dia a dia”, diz. “Estatísticas mundiais apontam que mesmo pessoas com doença avançada estão sendo curadas com combinações de ótimas cirurgias, tratamentos quimioterápicos, drogas para manutenção, entre outros. Há medicamentos que revolucionaram o tratamento, melhorando os números, feitos de modo oral, que infelizmente não estão liberados. Temos no instituto o projeto Sim para Quimio Oral para conseguir que os medicamentos cheguem para a população”.
Outro fator essencial para o bom resultado, avisam os médicos, é o paciente ter uma atitude ativa, com bons hábitos, estando no centro do tratamento, não apenas para diminuir a recorrência de vários tumores, mas também para aumentar a sobrevida e diminuir a incidência de outras doenças.
“Temos que ter bons profissionais e bons pacientes também. Não há dúvida que a dieta saudável e a prática de atividade física aumentam a chance de cura após o diagnóstico de um tumor potencialmente curável. É algo em que o paciente pode intervir e vai melhorar o prognóstico”, conclui Buzaid.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.