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Os desafios dos tumores sanguíneos, a importância da busca por informações e as boas perspectivas em tratamento

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“Emocionalmente, para mim, foi pior que o diagnóstico”, confessa Thiago Andrade Brasileiro, 42 anos, paciente de Leucemia Mieloide Crônica, contando como se sentiu ao descobrir, depois de um ano tomando medicamento, que não teve o resultado esperado. Desde que recebeu o diagnóstico ele procurou estar bem informado e sabia que ainda havia outras opções de tratamento, mas isso não impediu que se sentisse abalado. “Eu tomei o primeiro medicamento, monitorei por três meses, a resposta molecular não estava boa. Esperamos mais um pouco e repeti o exame com seis meses e com nove meses. No último teste, a médica já disse que achava que não iria chegar na resposta esperada para um ano, mas decidimos aguardar. O PCR que fiz com 12 meses subiu muito e a médica decidiu trocar o medicamento”.

Esse trecho da história de Thiago revela alguns dos desafios vivenciados por pacientes de tumores do sangue. O mês de setembro tem importantes datas para conscientizar e difundir informações sobre os cânceres e doenças sanguíneas.

Os tumores hematológicos, que se originam nas células sanguíneas, costumam ser chamados de tumores líquidos, por poderem circular pelo organismo. No entanto, também podem aparecer com manifestações que dão aparência sólida, como o crescimento de linfonodos, como explica Breno Moreno de Gusmão, onco-hematologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo e da Oncoclínica, no Distrito Federal.

Como nem sempre existe uma alteração sólida no organismo, mais visível, e não há esquema de rastreamento para esses tumores, a recomendação para conseguir diagnosticar precocemente é estar sempre atento aos sinais de problemas na saúde. “Na hematologia, tudo que sai da normalidade devemos tentar investigar, para ter um diagnóstico precoce”, alerta o onco-hematologista.

Pela própria característica do tumor, manifestando-se no sangue, qualquer alteração no resultado do hemograma merece atenção, explica o especialista, seja por baixa ou elevação exagerada de plaquetas, por exemplo, o mesmo com linfócitos e neutrófilos. “A presença de anemia também deve ser investigada; a causa pode ser uma situação benigna, mas também maligna, a variante de uma neoplasia hematológica”. Por isso, o exame de sangue de rotina ajuda a diagnosticar precocemente e, também, como nos demais tipos de câncer, o diagnóstico precoce dos tumores hematológicos possibilita tratar com maior chance de êxito.

Há ainda outros sinais que requerem cuidados. Quando aparece uma íngua em algum lugar do corpo, seja na axila, no pescoço ou na região inguinal, que não ocorre por infecção e persiste, o médico avisa que é necessário investigar a causa, pois pode ser a primeira manifestação de um linfoma. “Se a pessoa tem uma tosse recorrente e constante e se sente cansada, um raio-x pode verificar se há algum acometimento no tórax que leve à suspeita de um linfoma”. O onco-hematologista alerta que também merece investigação quando ocorrem diversas situações ao mesmo tempo, como perda de mais de 10% do peso em menos de seis meses – uma perda não justificada, febre noturna com sudorese à noite constante.

Gusmão explica que no mieloma múltiplo o sintoma mais frequente, que chega a aparecer em 70% a 90% dos casos, é a dor óssea e dor na coluna, por lesões ósseas próprias da doença. “Uma pessoa que estava bem e começa a ter dor na coluna, uma dor que não se justifica e persiste por mais de uma semana, 15 dias, deve ser investigada com técnicas de imagem com ressonância, tomografia, para verificar se há algum indício de um problema sério como o mieloma múltiplo. Pode ser uma hérnia de disco, mas também outra doença”.

 

De leigo a paciente ativista: informação dá poder

Foi justamente uma dor na coluna que chamou atenção de Brasileiro. “Eu sentia um pouco de dor na lateral esquerda. Como jogava futebol, uma peladinha no final de semana, achava que tinha machucado uma costela nas pancadas. Como temos mania de nos automedicar, tomava anti-inflamatório, analgésico, e não passava”. Ele conta que demorou para ir ao médico; entretanto, a dor também demorou a passar, e persistiu, como ele diz, uma dorzinha chata e constante. O paciente também se sentia cansado e com estresse, mas atribuía esses sintomas ao trabalho.

A situação continuou até que um dia em que não estava muito bem, fazia dois anos da morte do pai e ele decidiu ocupar a cabeça para enfrentar a tristeza, e foi ao hospital para descobrir o que poderia estar provocando a dor. “Meus leucócitos estavam em 125 mil (a contagem normal em adultos varia de 4.000 a 10.000 células/mm³), meu baço inchado, meu fígado com tamanho anormal. Fiquei o dia inteiro no hospital, repeti o hemograma várias vezes e a clínica de plantão me encaminhou para o hematologista”.

Era março de 2017, e Brasileiro tinha então 37 anos quando recebeu seu diagnóstico. “Comecei uma busca por informação. Eu já tinha tirado, em 2014, um tumor benigno da cabeça, de crescimento lento. Estava acostumado com essas doenças complicadas e não me assustei muito: meu pai faleceu com cirrose hepática e minha esposa tem trombofilia”.

Em sua procura por conhecimento, percorreu uma longa trajetória. “Estamos mais acostumados ao tumor sólido. O tumor sanguíneo está na medula óssea e depois que aprendemos, podemos entender como funciona, que a medula óssea está no corpo inteiro, em alguns locais com maior concentração”, compartilha. “Normalmente não sabemos o que é leucemia. Quem gosta de estudar um pouco mais, como eu, aprende que existem vários tipos de leucemia e entende como se trata cada tipo. Esse que apareceu para mim, a leucemia mieloide crônica, é tratável inicialmente com quimioterápico oral. A quimioterapia oral vem sendo utilizada em vários tipos de neoplasias. Na leucemia mieloide crônica é usada há mais de 20 anos; o primeiro inibidor de tirosina quinase chegou ao Brasil por volta de 1999/2000 e revolucionou a situação do paciente”, comemora.

Foi buscando informações que descobriu suas principais opções de tratamento: a disponibilidade no país de quatro tipos de remédios orais. Por isso, apesar do abalo emocional quando a primeira opção não deu certo, sabia que ainda havia oportunidades. Começou a segunda opção de quimioterápico oral para o seu tipo de tumor, que toma há quatro anos. “Naquele momento eu já conhecia muita coisa e sabia de alguns casos que não deram certo medicação nenhuma e as pessoas foram a óbito rapidamente. O primeiro não deu certo comigo, mas o segundo deu, graças a Deus”.

Ele conta que não precisou fazer tratamento quimioterápico endovenoso, mas que em alguns casos é necessário, quando o diagnóstico é feito em uma fase avançada. Felizmente, diz, a maioria consegue diagnosticar precocemente. “A leucemia mieloide tem três fases: crônica, acelerada e blástica. Como as pessoas costumam fazer exame de sangue de rotina, é mais difícil chegar na blástica”.

Esse conhecimento de Brasileiro em relação ao universo dos pacientes tem origem, além dos estudos e da boa relação com sua médica – que lhe dá autonomia para perguntar, questionar, trocar informações -, na sua rotina atuante. “Sou voluntário, membro do Comitê de Pacientes da Abrale – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia. Sou um paciente ativista, desde 2018 ajudo pacientes do Brasil inteiro”.

Essa boa relação com o médico é, aliás, um dos pontos que o onco-hematologista Gusmão aponta como essencial para o tratamento. “Depois do diagnóstico o paciente deve conversar bastante com o médico, esse diálogo é muito importante, porque será uma caminhada juntos. Você estará na estrada com seu médico e precisa entender não só a doença, mas também sua jornada como paciente, o que o médico espera do seu tratamento, para buscar as melhores alternativas na tentativa de curar, na tentativa de garantir uma boa qualidade de vida e conseguir o colo, o aconchego, o apoio para seguir essa jornada que muitas vezes é muito dura”.

Esse apoio vem dos profissionais de saúde e também de grupos de pacientes, de entidades que fazem um trabalho de ajudar a divulgar informações de qualidade e acolher. O susto e a insegurança nos primeiros momentos com a doença possibilitam que Brasileiro entenda e ajude ainda mais outros pacientes. “O fato, por exemplo, de não ter funcionado o primeiro medicamento comigo, provocou uma situação emocional importante, porque hoje eu sei como se sente e reage uma pessoa que perde a resposta à primeira medicação, e consigo ajudá-la emocionalmente”.

Quando ele compartilha sua experiência de tratamento ajuda os pacientes que estão começando na jornada. “No meu caso, por exemplo, estou tomando o segundo medicamento e vamos monitorando através do PCR, a mesma técnica utilizada no exame da Covid-19, mas com outra finalidade molecular, na nossa mutação do Cromossomo Filadélfia da leucemia mieloide crônica. Se por algum motivo o medicamento falhar, se a resposta molecular for perdida ou de uma hora para outra a doença acelerar, terei que mudar a medicação. Se todos os ‘cartuchos’ acabarem, o paciente vai para o transplante de medula óssea”.

 

Tratamento aprimorado: mais opções para o transplante, terapia-alvo e imunoterapia

Os tratamentos das doenças hematológicas evoluíram bastante nos últimos anos, reforça o onco-hematologista Breno Gusmão, citando principalmente os novos medicamentos com terapia-alvo, em que a medicação ataca diretamente o alvo terapêutico da célula tumoral, em todas as principais patologias: leucemias, linfomas e mielomas. Outra boa novidade é o uso de ferramentas para melhorar o transplante de medula óssea usando modalidade haploidêntico. “Só utilizávamos o transplante autólogo, feito com as células em remissão do mesmo paciente, e na modalidade alogênica, que precisa de um doador, antes só era possível usar medula óssea de um irmão 100% compatível, de um doador externo 100% compatível ou de um cordão umbilical também compatível”, recorda.

Segundo Gusmão, novos protocolos permitiram que irmãos, pais, mães, parentes de primeiro grau que não têm essa compatibilidade de 100% passassem a estar aptos a doar, com desfechos favoráveis para o paciente. Ele explica que houve modificações na preparação do transplante para que esses doadores possam ajudar os pacientes mesmo sem serem 100% compatíveis, o que ampliou muito a possibilidade de conseguir doadores.

“Por último, o que deu o novo boom no tratamento da Hematologia são as chamadas imunoterapias, que são CAR T-Cells, e novos anticorpos para tratamento alvo”, afirma. “Para os CAR T-Cells são retirados linfócitos do paciente, levados ao laboratório onde serão manipulados com vetores virais, treinados para reconhecer a célula tumoral como estranha. As células são devolvidas ao paciente, favorecendo e estimulando ainda mais o sistema imunológico com células treinadas para reconhecer a célula tumoral e conseguir destruí-la. Hoje é o que há de mais moderno na Hematologia e estamos a ponto de começar no Brasil essas terapias. Foram iniciadas no ano passado em Ribeirão Preto, na USP, e agora estão chegando com mais robustez e mais incentivos. É o próximo e será o tratamento da vez nas doenças hematológicas”.

O especialista explica que o mieloma múltiplo é hoje em dia considerado incurável, porque a maior parte dos pacientes recai e por isso o papel do médico é garantir tratamentos eficazes que prolonguem a vida do paciente sem precisar trocar logo de tratamento, aumentando o tempo entre uma opção e outra.

Já nas leucemias agudas os tratamentos têm o objetivo de curar. “Quando o paciente tem recaída diminui a chance de cura e aumenta de um óbito precoce. Por isso as leucemias agudas são doenças em que o tratamento é para curar e, se possível, na primeira tentativa. Os novos tratamentos tentam resgatar esses pacientes que não conseguiram a cura na primeira tentativa e assim melhorar os resultados”, conta. “O transplante de medula óssea em leucemias agudas é usado principalmente nos pacientes que têm alto risco na doença, aqueles que reúnem características indicativas de que não irão bem apenas com quimioterapia”.

A nova modalidade de tratamento, os CAR T-Cells, acrescenta, foram pensados para leucemia também, principalmente nas linfoblásticas, como alternativa nos casos em que outras terapias falharam na tentativa curativa. “Nos linfomas é a mesma coisa: os tratamentos dos linfomas agressivos, principalmente que são de rápida proliferação e podem levar o paciente a óbito, buscam curar o paciente seja só com quimioterapia, seja com quimio mais transplante em determinadas ocasiões ou também com os CAR T-Cells em algumas modalidades”. Nas leucemias mieloblásticas ainda está em fase de teste, de investigação e eficácia dos CAR T-Cells. “Os resultados desses tratamentos têm melhorado bastante”, celebra Gusmão.

 

Apoio em toda a jornada é essencial

Brasileiro administra quatro grandes grupos de redes sociais de leucemia (linfoide crônica, linfoide aguda, mieloide crônica e mieloide aguda) de pacientes da Abrale, e compartilha sua experiência de como se preparou para superar os obstáculos. “Chegam pacientes com um tipo de leucemia e clicam para participar dos quatro grupos, porque não sabem direito, não entendem o diagnóstico e se assustam. Quase ninguém entende do que se trata e só depois vai saber que está no grupo errado”.

Ele busca contribuir para tentar diminuir essas dificuldades, especialmente no início, para que os pacientes entendam os diferentes tipos de tumores sanguíneos e as opções de tratamento disponíveis, e recebam o apoio essencial em toda a jornada. “Durante todo processo vivemos com esse fantasma, o que chamamos de TPP, tensão pré-PCR”. São os acompanhamentos de monitoramento celular que vão apontar se o medicamento está surtindo o efeito desejado ou será necessário buscar outra opção.

Os pacientes necessitam de apoio também para persistir no tratamento mesmo enfrentando efeitos colaterais. “Esse medicamento que tomo, por exemplo, dá distúrbios de humor, fiquei hipertenso depois dos inibidores. Podem dar alterações dermatológicas, depressão, muita coisa e o paciente precisa se controlar. E com os exames frequentes, de três em três meses ou a cada seis meses, tem que existir acompanhamento, porque ficamos sempre na expectativa para saber se estará tudo bem. Passa um ‘filme’ pela cabeça, a possibilidade da resposta ser perdida”.

Acompanhando pacientes de todo o país, Brasileiro chama atenção ao fato de que no Sistema Único de Saúde (SUS) os desafios são ainda maiores. Cita como exemplo o seu caso, em que depois de 12 meses usando um medicamento que não deu a resposta esperada a médica optou por trocar a medicação. “Foi assim porque é pelo plano de saúde. No SUS eles esticam o máximo possível, inventam aumento de dose da quimioterapia oral, vejo muitos casos assim”, conta.  “Tem um medicamento que é de 400 mg e se a pessoa estava usando e chegou perto do resultado o médico às vezes acha que uma dose maior pode resolver e aumenta de 400 mg para 600 mg. Só que existe protocolo internacional de leucemia mieloide crônica indicando que 400 mg a pessoa toma sem problemas, mas o organismo não está preparado para tomar 600 mg durante muito tempo. Recentemente uma grande amiga foi a óbito, tomava essa dosagem de 600 mg há uns três a quatro anos; existe a possibilidade do organismo dela ter falido. Esse tipo de coisa acontece muito no SUS. Numa situação de plano de saúde ou particular, o médico provavelmente teria trocado de inibidor”.

Brasileiro comenta que as dificuldades se dão também para a realização de exames. “O cariótipo de medula óssea, que deve ser feito a cada três ou seis meses, ou pelo menos anualmente, tem gente que nunca fez no tratamento inteiro porque o médico optou por controlar por outro exame”.

Por essas adversidades, sua sugestão para todo paciente é se informar. “Costumamos dizer que paciente informado é paciente empoderado. Ele tem esse poder, essa autonomia de ser protagonista de seu próprio tratamento. Quem não gosta de buscar conhecimento, pode se aproximar mais de uma entidade, alguma associação, grupos em que possa interagir e compartilhar o que está vivendo com pessoas em que confie, mostrar seu exame, conversar sobre o que está ocorrendo, buscar uma segunda opinião médica. É importante que isso aconteça porque às vezes, quando desanda, pode ser tarde demais. Entre os pacientes podem ter muitos passando pela mesma situação que você”.

Além disso, destaca, é preciso disciplina. “Muita gente perde a resposta e o tumor evolui porque a pessoa não aceita o tratamento, que precisa tomar o medicamento todo dia no horário certo. Essa aceitação dupla – da patologia e do tratamento – deixa o fardo mais leve”.

Para quem reclama de precisar tomar medicamentos diariamente, ele lembra das pessoas que não têm essa opção porque nenhum tipo funcionou. “O quimioterápico nos deixa de pé, nos dá essa sobrevida, uma vida próxima do normal, que chamam de cura funcional. Eu tenho família, duas filhas, trabalho, viajo, jogo futebol. Tenho uma vida normal, mas preciso fazer o tratamento direito, com responsabilidade, fé e positividade, cuidando da alimentação e vários requisitos que fazem com que tenhamos sucesso no prognóstico que esperamos. Tenho contato com pessoas em que o tratamento não deu certo, mas tento focar nos que estão dando certo, que tomam medicação há 20 anos. Essa é minha estratégia para atingir quase cinco anos de tratamento e pretendo chegar nessa estatística de 20 anos tomando medicamento e, quem sabe, nesse tempo encontram a cura”.

 

Alerta: nas crianças, leucemia linfoblástica é o tumor mais frequente

A leucemia linfoblástica é o tipo de câncer mais frequente nas crianças e pode acometer diversas faixas etárias. Para que o tratamento tenha início logo, Gusmão ressalta que é necessário que os pais estejam atentos aos sinais de alerta. “Os principais são palidez da pele, cansaço, perda de apetite, irritabilidade e associado a isso infecções recorrentes que não melhoram, aparição de hematomas e manchas na pele”, informa. “Espera-se que as crianças, desde bebê até quase a adolescência, estejam correndo e brincando. Quando saí dessa normalidade esperada, precisa ver o que acontece”.

O diagnóstico começa já no exame clínico com o pediatra que no seu acompanhamento consegue ver se algo está fora da normalidade e indicar exames em casos de suspeitas “A criança pode ter anemia e a palidez ser por isso. A principal causa de anemia no mundo não é câncer, está relacionada ao ferro. Quando o paciente está pálido, irritado, com falta de energia o pediatra vai pedir exame de sangue para verificar se tem alguma alteração, seja ela mais simples ou algo que necessite de uma investigação mais profunda, caso suspeite de que pode haver alguma coisa mais grave, como leucemia”.

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