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Câncer de pele: um risco que vai muito além do dia de sol na praia

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Sumário

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O aumento dos casos de câncer de pele no Brasil e no mundo não está ligado apenas ao sol daquele dia de férias aproveitando a praia.  Comportamentos comuns como praticar esportes ao ar livre em horário de pico ou mesmo permanecer dentro de casa em ambientes muito iluminados sem fotoproteção ampliam a exposição à radiação ultravioleta.

A realidade aparece nos números: de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Brasil registra cerca de 220 mil novos casos de câncer de pele não melanoma por ano, mantendo esse tipo como o mais incidente entre todos os cânceres — representa cerca de 30% dos tumores no país. Já o melanoma, embora menos frequente, contabiliza aproximadamente 9 mil novos diagnósticos anuais, mas tem maior potencial de agressividade.

Um estudo global publicado no Jama Dermatology  demonstrou aumento de até 61% dos tipos mais comuns de câncer de pele — com crescimento  significativo da incidência em idosos em todo o mundo, não apenas pela maior longevidade — já que a radiação é cumulativa —, mas também baixa prevenção, especialmente em homens

Essa tendência epidemiológica se reflete na prática clínica, mostrando as consequências diretas das mudanças de comportamento — e reforçando a necessidade de fotoproteção em situações que a população ainda subestima.

“Beach tennis virou uma febre — e isso complica bastante”

Para Veridiana Camargo, oncologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e integrante do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer, o consultório tem revelado situações que ilustram bem o impacto da exposição solar intensa na rotina. Entre esses exemplos está o aumento de pacientes que praticam esportes ao ar livre em horários de maior radiação — como o beach tennis na hora do almoço — e acabam desenvolvendo lesões graves por conta dessa exposição.

“Beach tennis virou uma febre e isso complica bastante. Eu tenho paciente com melanoma que jogou um ano ao meio-dia e desenvolveu melanoma na mama porque jogava de top.” A especialista reforça que os torneios costumam ser realizados nos momentos de maior risco. A um paciente que é campeão de beach tennis e queria saber como fazer, já que os campeonatos são em geral na hora do almoço, sua resposta foi taxativa: “Você vai jogar só à noite.”

Ela explica que as exposições intensas, mesmo que curtas, são perigosas para o desenvolvimento de melanomas. E que tem aparecido paciente com melanoma junto com outros tipos de carcinomas, que resultam de exposição de décadas. “É uma evolução de 20, 30 anos, daquele sol que tomamos nas férias na nossa adolescência, quando éramos jovens e não nos cuidávamos. E continuam se desenvolvendo se a exposição solar seguir intensa na fase adulta.”

Como exemplo, relata um caso extremo de vida inteira sob radiação: um paciente de 94 anos que tem carcinoma basocelular no corpo inteiro. “Aquele cara branquinho que se expôs a vida toda.”

O sol que entra pela janela: se dá para enxergar sem acender a luz, há risco

Além da exposição óbvia ao sol quando se está ao ar livre, há outro ponto que exige atenção: a falsa sensação de proteção dentro de casa. Mariana Meireles, médica dermatologista do Centro de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e também integrante do Comitê Científico do Instituto, observa que muitos pacientes se surpreendem ao descobrir que estavam expostos mesmo em ambientes internos: “Os apartamentos hoje têm varandas envidraçadas, ambiente bastante claros em que entra muita radiação. A radiação UVB não passa pelo vidro, mas a UVA passa — e ela também causa câncer de pele.”

Ela recorda um caso bastante emblemático que acompanhou durante a pandemia. “Tenho uma paciente que já teve vários cânceres de pele, a cada dois anos tirava um. Na pandemia, ela veio para uma consulta e diagnostiquei seis lesões. Perguntei se estava usando filtro solar. Ela disse: ‘Não, dra., fico dentro de casa’. Ela ficava na janela — e estava sem proteção.”

Mariana Meireles explica de forma simples para decidir se é preciso se proteger mesmo em ambiente interno: “Você apaga a luz da sua sala de dia e enxerga tudo? Se você consegue ver, é porque tem a luz solar, e radiação.”

O uso incorreto do protetor é regra, não exceção

A dermatologista ressalta outro problema que está contribuindo para o aumento dos casos: o uso incorreto do protetor solar, que envolve desde a quantidade insuficiente até a falta do hábito de repassar. “A maioria não repassa. A pessoa coloca protetor solar pela manhã e acha que está protegida o dia todo, mas não está. Também se suar é preciso repassar”.

Sobre a quantidade, ela explica a relação entre o Fator de Proteção Solar e o uso correto: para proteger o rosto, por exemplo, deve-se passar o equivalente a uma colher de chá ou três dedos de protetor. “Se alguém usa filtro fator 70, mas não mantém a quantidade certa, o fator de proteção passa a ser 30, por exemplo. Por isso recomendo 70 aos meus pacientes, porque é difícil o uso correto. Porque se usarem um FPS 30, com menor quantidade, vai virar uma proteção 10, 8”.

Para as mulheres que utilizam protetor com cor, ela dá uma dica, já que é difícil chegar à quantidade certa sem formar uma espécie de “máscara”: usar uma camada de protetor sem cor, mais fluido, e depois passar o com cor.

Uma lembrança importante: usar filtro solar mesmo em dias nublados, não só quando vai à praia. A dica é deixar o filtro solar ao lado da escova de dentes. Acordou, vai escovar os dentes, passa. Depois do almoço, repassa. 

Proteção vai além de passar protetor

Ambas as especialistas ressaltam a importância da dupla proteção: além do protetor solar, usar chapéus, roupas de mangas — principalmente praticando esportes ao ar livre —, evitar se expor nos horários de maior risco — das 10 às 16 horas — e buscar locais com sombra. 

Os sinais de alerta estão na pele — precisa prestar atenção

Mariana Meireles ressalta que o câncer de pele é um dos mais fáceis de identificar, já que está ali, exposto. Por isso a observação é tão importante, não apenas da própria pele, mas das pessoas ao redor: companheira, companheiro, filhas e filhos. “Apareceu uma lesão nova? Ferida que não cicatriza em três semanas? Bolinha vermelha que sangra? Pintas que mudam de forma, cor, tamanho? Procure um especialista.”

Ela alerta que muitos melanomas sem cor são agressivos e passam despercebidos. “As pessoas acham que melanoma é só mancha escura. Mas tem os que não têm cor. Às vezes parecem espinhas — mas espinha não é eterna. Se não desaparece, procure um médico”. Chama atenção também para áreas que costumam ser esquecidas, como unhas, couro cabeludo, pálpebras, cílios, partes genitais. 

Para quem tem muitas pintas — que dificultam acompanhar pequenas alterações — ou fatores de risco — como histórico familiar —, é importante um acompanhamento com profissional especializado para fazer mapeamento anual com dermatoscopia digital. O exame pode durar até uma hora e inclui a análise de todo o corpo.

Veridiana Camargo avisa: melanoma é um tumor de pele grave, que se não for pego logo no início, tem chance alta de virar metástase para gânglios, especialmente no começo, e depois para qualquer parte do corpo. 

Diagnóstico: é essencial buscar profissionais de saúde especializados

Quando o assunto é câncer, o diagnóstico precoce é sempre a melhor opção para garantir a cura. No câncer de pele, uma forma de detectar precocemente é fazer acompanhamento anual com profissional especializado. 

Mas é importante entender um detalhe: nem todo médico que atua com dermatologia é dermatologista.

Mariana Meireles esclarece que um médico geral pode, por exemplo, colocar em seu cartão que atua na dermatologia, mas para identificar-se como dermatologista ele precisa fazer a especialização na área, o que traz mais preparo para lidar com cânceres de pele. 

A melhor forma de ter certeza é verificar o cadastro do profissional no site da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD.

Tratamento: avanços que mudaram o prognóstico

No melanoma inicial, a conduta principal é cirúrgica. Veridiana Camargo enfatiza que o critério decisivo é a profundidade da lesão, e não a sua extensão na superfície: “É preciso ampliar bem a margem de acordo com a penetração da pinta para dentro da pele. Não importa se horizontalmente ela é enorme; o que importa é quanto infiltrou para dentro da derme.”

Essa avaliação só é possível quando a biópsia é feita de maneira adequada: “Até para o diagnóstico precisa ser alguém que saiba. Não adianta fazer uma raspagem superficial — não vai trazer a informação correta. Ou faz um fuso e tira profundamente, ou faz um punch, que pega a profundidade da pele”, diz. “Se a penetração for muito alta, é preciso avaliar se há indicação de pesquisa do gânglio sentinela, que é o gânglio que drena aquela região.”

O tratamento do melanoma inicial pode ser realizado por dermatologistas experientes ou cirurgiões oncológicos de pele. É a partir desse ponto que o oncologista entra, decidindo se o paciente vai precisar de tratamento preventivo ou não. 

Os avanços recentes fizeram diferença sobretudo para os casos mais agressivos. “Para melanomas que já foram para o gânglio, usamos imunoterapia e temos tido resultados muito satisfatórios. Mesmo quando a doença evolui para pulmão, fígado ou cérebro, conseguimos curar melanoma — inclusive com metástase cerebral.”

Apesar de não ser simples e variar de caso a caso, os números são expressivos: hoje, 50% dos pacientes com doença estágio 4 podem ser curados. A oncologista afirma que há dez anos, isso era quase impossível.

A disparidade entre saúde pública e privada

No entanto, esses avanços ainda não chegam plenamente aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Antes dos avanços, o tratamento preventivo era feito com quimioterapia — que é o que há disponível no SUS. Imunoterapia só em estudo clínico. “Esses pacientes estão desassistidos. Temos como curá-los e não estamos curando”, lamenta a oncologista.

Ela destaca que biossimilares e perda de patentes devem facilitar o acesso futuro, e que ensaios clínicos são fundamentais para tornar essas drogas disponíveis no sistema público.

Quando procurar um oncologista?

Para Veridiana Camargo, qualquer diagnóstico de melanoma deveria acionar um especialista para avaliar se precisa ampliar margem, fazer sequência e verificar necessidade de pesquisa de gânglio. Melanomas muito iniciais (in situ) podem não exigir esse passo, mas é importante garantir que o diagnóstico foi feito por profissional capacitado.

Ela observa também que tumores como carcinoma basocelular são essencialmente cirúrgicos e podem ser encaminhados diretamente para cirurgiões oncológicos ou dermatologistas especializados. Nos grandes centros, equipes multidisciplinares de oncologia cutânea — dermatologia, cirurgia, oncologia — já atuam integradas, o que favorece diagnóstico e tratamento corretos.

Por fim, um alerta essencial: uma vez que você teve melanoma, sua pele é mais propensa. “Tendo uma vez, aumenta de meio a 1% ao ano o risco de ter outro.” Por isso, mesmo após o tratamento, o acompanhamento contínuo com especialistas é indispensável.

Texto escrito por Vivi Griffon

Publicação: 05/12/2025 | Atualização: 05/12/2025

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