“Estas novidades devem revolucionar o tratamento do mieloma múltiplo no país”, comemora o onco-hematologista Dr. Phillip Scheinberg. Ele se refere às novas opções que devemos ter em breve no Brasil, referindo-se principalmente ao CAR T-Cell – a perspectiva é que o tratamento para mieloma múltiplo comece em 2024 – e à terapia de biespecíficos. Ambos poderão ajudar especialmente pacientes recidivados em que já falharam as primeiras linhas de tratamento.
Biespecíficos, explica, é um anticorpo que aproxima a célula do sistema imune e a célula do mieloma, fazendo uma atacar a outra. “Isso é meio revolucionário”, afirma. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) acaba de aprovar o uso do primeiro agente terapêutico desta classe aqui no Brasil.
Essa possibilidade traz uma grande conquista: reduzir para menos de um ano o gap de chegada ao Brasil de tratamentos que já estão disponíveis em outros locais do mundo. Scheinberg ressalta que atualmente o tratamento do mieloma múltiplo no país já incorpora várias medicações disponíveis em outros países, como Estados Unidos, mas faltam algumas.
“Esse gap já foi maior no passado e tem reduzido. Medicações que eram aprovadas nos Estados Unidos demoravam muitos anos para chegar aqui, cerca de sete anos. Agora temos situações que levam um ano, um ano e meio. Há as exceções que demoram mais, mas na média não é como no passado”, diz. Ele acrescenta que ainda existe um atraso para novas terapias, principalmente para pacientes recidivados e refratários, isto é, em casos nos quais a doença voltou mais de duas vezes. “Há mais recursos fora do que aqui e são drogas que têm se mostrado bastante eficazes. O que conseguimos fazer, às vezes, é incluir pacientes em protocolos de pesquisa, quando são elegíveis para os estudos”.
Já para a fase inicial temos os tratamentos que são amplamente utilizados. “Em primeira linha, por exemplo, não deixamos a desejar para pacientes tratados em países desenvolvidos – usamos muito transplante de medula óssea autólogo, como é feito em outras partes do mundo. Também temos drogas para manutenção da doença, depois que recebeu as diferentes linhas de tratamento iniciais”.
Transplante: um recomeço
“Eu costumo dizer medula nova, vida nova”, afirma Marli Panão, contando como sua vida se transformou depois do transplante. Em 2015, em exames de check up, apareceu uma gamopatia, que ela seguiu acompanhando nos anos seguintes, até que em 2019 teve o diagnóstico de 60% de plasmócitos na medula.
Ela lembra que, em janeiro de 2017, por conta de um pré-diagnóstico errado, quase “queimou” dois anos de largada, ou seja, quase começou o tratamento antes do que era necessário, o que poderia limitar bastante os prognósticos. A paciente estava com anemia e a médica diagnosticou fissuras no braço direito e na bacia do lado esquerdo, definindo que deveria dar início ao tratamento.
Ao buscar uma segunda opinião, descobriu que não seria necessário iniciar naquele momento. “Tomei antioxidantes, suplementos, opções saudáveis e quando voltei ao consultório 30 dias depois para saber o protocolo a médica ficou chocada quando viu os exames: saí de uma anemia 8.9 para 13.4 e as fissuras não apareciam na ressonância”. Passado o susto, seguiu buscando levar a jornada com bom humor e alto astral. “Quando a psicóloga me perguntou ‘Como quer fazer a quimio?’, respondi: ‘Pode ser divertida?’”.
Paciente conhece seu corpo
Marli fez quimioterapia de junho a dezembro de 2019 e passou a se preparar para o transplante, que aconteceu em janeiro de 2020. Ela foi internada no dia 9 e voltou para casa no dia 30. Ela comemora o fato de ter passado muito bem durante todo o tratamento, com poucas reações. “Passei mais mal do intestino do que do transplante”, conta. Embora avisasse que tinha constipação, os médicos disseram que todos têm diarreia com o transplante. “Fiquei uma semana sem ir ao banheiro. Quando comecei a tomar remédio e fui, sangrava, muitas hemorroidas explodiram. Tive que fazer laser no ânus”. Dessa experiência, compartilha a lição: precisamos lembrar que o paciente conhece seu corpo.
Enquanto mostra o cabelo comprido, recorda que ficou ‘carequinha’ e revela que não cortou mais, porque pretende doar. Passou a doar também seu tempo e compartilhar seu conhecimento com pacientes que a procuram em busca de ajuda e inspiração. Além de fazer lives em suas redes sociais, participa do Comitê de Pacientes da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) e colabora com outras instituições.
“Eu trabalhava demais”
Depois de seis meses do transplante, Marli Panão começou a refazer as vacinas. Como estava bastante debilitada, tomou pausadamente, durante seis meses. Finalizou o calendário vacinal praticamente quando completou um ano de transplante. Estava também “vacinada” contra coisas prejudiciais que faziam parte da sua rotina antes e não estariam mais presentes na vida da nova Marli, como o excesso de trabalho.
“Eu trabalhava demais, como uma louca. Há quem diga que trabalhar não mata, mas mata sim, oxida, estraga as células. É um processo de envelhecimento que vai acabando com as pessoas”, pondera.
Proprietária de uma indústria de acessório de moda em Limeira, interior de São Paulo, chegava a fazer o trajeto de ida e volta para a capital paulista diariamente, somando 320 quilômetros. “Tinha mais de 150 funcionários e outro negócio agrícola que durante dez meses somava cerca de 15 a 20 funcionários, mas na época de colheita chegava a ter 300 funcionários. Nunca tirava férias. Fiz isso durante 15 anos da minha vida”. Quando o marido infartou, em janeiro de 2016, Marli precisou assumir ainda mais responsabilidades. “A conta chegou para eu pagar. Foi a época que mais desencadeou o mieloma”.
Uma nova vida, uma nova Marli
Depois do mieloma, tudo mudou. Afirma que aprendeu a falar não e que se reinventou, conhecendo um novo mercado: passou a trabalhar com marketing de relacionamento junto com o mercado financeiro. “Eu não conhecia, não dominava, mas aprendi muito. Tenho essa nova profissão que eu nem sonhava e isso faz toda diferença não só na minha vida, como em muitas outras vidas que eu consigo ajudar com um produto do mercado”
Aos pacientes, a dica é perguntar tudo para o médico, não ficar com dúvidas e se não tiver certeza sobre algum ponto, buscar uma segunda opinião. Também aconselha dividir com os amigos e familiares, ter uma rede de apoio, que torna tudo mais fácil e melhor.
Tratamentos para mieloma múltiplo
Dr. Phillip Scheinberg esclarece que atualmente existem três grandes classes de drogas para mieloma múltiplo:
– Imunomoduladores para estimular o sistema imunológico
– Inibidores de proteassomas
– Anticorpos monoclonais
Depois há o transplante, que é outra modalidade de tratamento.
O desafio para os médicos é quando essas opções já não respondem mais, com pacientes que são triplo refratários, transplante refratário e resgate refratário. “Para pacientes que usaram as três classes de medicamentos mais o transplante, a doença voltou, foram reexpostos à mesma classe de drogas de segunda geração, responderam por um breve período de tempo e voltaram à doença de novo, os biespecíficos poderão trazer esperança para esses casos em que só teríamos cuidados paliativos”, alerta Scheinberg. “Já tivemos bons resultados em estudos menores, com 50% a 60 de taxa de resposta de 12 a 15 meses de vida”. Agora os estudos estão em fase de ampliar o público.
“Existem biespecíficos que reconhecem algumas partes do mieloma e outros reconhecem outras partes. Podemos tentar um e, se falhar, usar outro. A pesquisa está indo por esse caminho”. Utilizando diferentes alvos é possível usar os anticorpos que conseguem reconhecer o mieloma de uma forma específica em diferentes opções, não apenas no mesmo lugar, com drogas que têm mecanismo de ação parecido, mas com alvos diferentes. E combinando com outros medicamentos já utilizados no mieloma múltiplo.
O hematologista revela que os dados preliminares dos estudos de biespecíficos são promissores, com boas respostas, que podem durar de 12 a 15 meses. Por isso, acredita, esse mecanismo de ação diferente pode revolucionar o tratamento do mieloma múltiplo, inclusive utilizando combinações com os medicamentos.
“Começamos a tratar pacientes no hospital BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, em estudos, e estamos tendo bons resultados. Agora que o biespecífico já mostrou que funciona, as agências regulatórias estão mais confortáveis para trazer para terceira e segunda linha’, comemora.
Viviane Pereira
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.