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Câncer de colo de útero provoca 23 mortes por mês no Amazonas e chama atenção de especialistas

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No Amazonas, os desafios começam ainda nos exames preventivos, realizados nos próprios municípios, mas que demoram muito para ficarem prontos.

 

Dificuldade de acesso à capital para fazer exames e falta de especialistas pioram cenário. “Casos são subnotificados – a maioria morre sem diagnóstico”, alerta ginecologista

“É inaceitável termos 23 mulheres morrendo por mês de câncer de colo uterino no Amazonas. É o que eu chamo de tragédia evitável”. O alerta é feito por Mônica Bandeira de Melo, ginecologista há 29 anos da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCecon). Ela conta que, em 2017, 293 mulheres morreram no estado pelo tumor; em 2018 foram 289 vítimas fatais da doença e em 2019, até outubro, o estado já somava 229 mortes pelo câncer de colo de útero. “E isso é só a ponta do iceberg”, lamenta a médica. “A maioria nunca fez sequer um exame e morre sem diagnóstico. Os casos são subnotificados e nossa cobertura é muito baixa. Por isso falamos que é só a ponta do iceberg”.

A estimativa do Instituto Nacional de Câncer (Inca) para 2018/2019 é de 16.370 novos casos de câncer de colo de útero no Brasil, uma taxa bruta de 15,43 para cada 100 mil mulheres. No Amazonas, estado com maior incidência, a taxa bruta é de 40,97 a cada 100 mil mulheres.

“Este é um problema bastante grave de saúde pública e possui muita relação com a falta de acesso a recursos”, ressalta o oncologista Fernando Maluf, um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer (IVOC). As questões que envolvem o câncer de colo de útero vão desde os baixos índices de vacinação contra o HPV, principal causa da doença, até a necessidade de alertar para a realização de exames ginecológicos preventivos, como o papanicolau, que podem detectar o tumor no início, quando as chances de cura são maiores. Uma das grandes dificuldades para o tratamento é o diagnóstico em estágios mais avançados.

No Amazonas, os desafios começam ainda nos exames preventivos, realizados nos próprios municípios de residência das mulheres. Mônica esclarece que por uma questão de gestão os materiais são enviados para Manaus e tem municípios que levam oito meses para receber os resultados. “Só tem 23 patologistas, apenas 11 com habilidades para trabalhar em laboratórios; o restante está no magistério. Dessa forma, muitas vezes as mulheres até coletam material, mas o resultado demora tanto que elas desistem”. 

“Quando o resultado de um preventivo dá alguma alteração, uma lesão pré-cancerosa, por exemplo, a paciente precisa fazer exames – colposcopia com biópsia – e só há em Manaus. Tem municípios tão distantes que para chegar na capital leva sete dias de barco. Com a limitação de acesso, fica difícil. Temos poucos recursos humanos. Colposcopista, por exemplo, só tem na capital”, afirma Mônica. “Quando a mulher chega em Manaus, temos quatro centros de referência que fazem colposcopia com biópsia, para atender todo o estado, todas as mulheres do Amazonas”.

A paciente precisa entrar em uma fila para fazer a colposcopia e depois esperar o resultado que, segundo a ginecologista, leva pelo menos 30 dias. “Não é fácil: a mulher está em Manaus e deixou a família no interior”.  Devido às dificuldades para conseguir um diagnóstico precoce, a maioria chega com a doença em estágio avançado, muitas com insuficiência renal, que acaba levando à morte: “90% das mulheres que chegam para fazer diálise são pacientes de câncer de colo uterino”, explica Mônica.

 

História de superação

 

O câncer de colo de útero estava no estágio nível 3 quando Fábia Cordeiro Monteiro, de 37 anos, recebeu em 2013 seu diagnóstico (a classificação é feita em graus 1, 2 e 3, em ordem crescente de agressividade. Ela fazia preventivo todo ano, mas nunca teve qualquer alteração em seus exames. Depois da gravidez, a menstruação irregular chamou sua atenção, levando-a fazer novos exames. “Foi triste, eu chorava dia e noite porque não queria aceitar. Já tinha perdido a minha mãe justamente por essa doença”, comenta, lembrando a mãe que teve o mesmo tumor e faleceu com 52 anos. “Eu achava que ia morrer também. Em todos os lugares em que eu ia, para fazer consultas, falar com os médicos, eram os mesmos locais que a minha mãe tinha passado”.

Fábia passou por tratamentos de radioterapia, quimioterapia e braquiterapia. “Há seis anos faço acompanhamento na fundação”, diz, referindo-se à Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCecon). A quem passa pela mesma situação, ela aconselha: “Tem que ter fé, confiança nos médicos de que vai dar tudo certo e fazer direitinho o acompanhamento. Eu fico feliz vendo meu filho crescer e estou mais perto da minha família”.

 

Luta para mudar o cenário

 

Mônica comenta que a diretoria da fundação tem investido em estrutura e aparelhagem para tentar melhorar esse cenário, diminuir a fila das mulheres que esperam para fazer a cirurgia, por exemplo. “A situação é grave”, lamenta a médica. Ela acredita que a situação poderia ser diferente com a manutenção da estratégia de vacinação contra o HPV (O HPV é a principal causa do câncer de colo de útero . “A vacinação contra o HPV no mundo ganhou força em 2006, 2007. Em 2013 fomos pioneiros na vacinação no Brasil. Nós dávamos palestras em escolas para divulgar, prepararmos professores e conseguimos adesão de 88% mesmo em municípios longínquos. No ano seguinte a vacinação foi instituída em todo o país, mas tiraram as vacinas das escolas. Pré-adolescente não vai em posto de saúde se vacinar”, avalia.

A ginecologista aponta importantes soluções para melhorar os índices do tumor, como a mudança no exame preventivo. “Não basta mais fazer apenas o papanicolau. É preciso ter também citologia em meio líquido, que possui vantagem em qualidade”. Ela defende ainda que a vacinação volte para as escolas, sugerindo que no Amazonas seja feita em rodízio nos sete distritos. Também considera ser importante abrir mais centros de referência nos municípios polo do estado para realização de exames, em mutirões semestrais, evitando deslocamentos para a capital. “Nossa cobertura de rastreio é de menos de 46% – e no interior chega a 30%. É dramático. As mulheres que mais precisam, não têm. Apresentamos o projeto ‘ver e tratar o colo uterino’, com essas propostas, para os secretários de saúde. Precisamos muito dessas resoluções aqui no Amazonas; é uma questão de desespero”.

 

Tratamento

 

Fernando Maluf liderou em outubro de 2019 um grupo de 200 médicos da América Latina, África, Oriente Médio e Europa Oriental, que elaborou o primeiro consenso mundial para tratamento do câncer de colo de útero e vulva em países em desenvolvimento. “Convidamos especialistas de países que concentram 95% dos casos destas doenças”, afirma. 

Para finalizar o documento, experts internacionais listaram uma série de 200 questões. A partir das respostas, traçaram as melhores estratégias para o tratamento do câncer de colo de útero em nações com poucos recursos para a saúde. O tratamento do câncer de colo de útero geralmente é cirúrgico. Quanto a doença está mais avançada, envolve radioterapia, em geral com quimioterapia. “Na doença em que esses tratamentos não resolvem, em alguns lugares do mundo já houve aprovação de imunoterapia, que tem se mostrado eficaz em doença avançada e já refratária a outras linhas de tratamento”, destaca Maluf.

Leia também: Panorama do câncer de colo de útero no Brasil e no mundo

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