Quais os caminhos mais comuns para uma pessoa descobrir que tem câncer de bexiga? O que ajuda a quebrar os tabus que envolvem esse tipo de tumor? Que impactos a bolsa coletora de urina provoca no cotidiano do paciente?
Entender os principais desafios e medos enfrentados pelos pacientes de câncer é a melhor maneira de saber suas necessidades e, a partir daí, promover melhorias em toda a jornada.
Esse é o objetivo do Instituto Vencer o Câncer com o Mapeamento da Jornada de Experiência do Paciente com Câncer de Bexiga, realizado em maio deste ano com o Patient Centricity Consulting, trazendo tanto a visão dos pacientes quanto a de médicos.
“Fizemos o levantamento para entender a experiência dos pacientes, considerando os vários aspectos que envolvem sua vida, seja físico, emocional, social ou espiritual. Nossa meta é ter um mapa, começando com a percepção dos primeiros sintomas e seguir a jornada pelos tratamentos, dificuldades enfrentadas com trabalho, convívio social, relações familiares, até a avaliação das perspectivas de futuro”, destaca Ana Maria Drummond, diretora do Instituto.
Para o mapeamento foi realizada uma pesquisa qualitativa com quatro médicos – um oncologista e três urologistas – e sete pacientes com câncer de bexiga em diversos estadiamentos – localizado ou avançado/metastático, e que foram tratados ou estão em tratamento com imuno-oncológicos.
A amostra contou com homens de meia idade, quase todos na saúde suplementar e moradores das regiões Sul e Sudeste.
O começo – e não o fim
A descoberta do câncer de bexiga costuma se dar a partir de consulta com urologista em busca de resolver problemas com alterações urinárias – não sendo incomum que os primeiros diagnósticos sejam outros, como cálculo renal, infecção e até alterações na próstata.
Com a realização de exames o paciente recebe o diagnóstico e é frequente associar o câncer à finitude da vida. Depois do primeiro impacto, e com acesso a informações, a desesperança dá lugar ao otimismo e a uma visão mais positiva.
Os médicos ressaltam o que é essencial para obter um bom diagnóstico: exames com qualidade e uropatologistas experientes, para afastar a possibilidade de erro e a necessidade de revisar e refazer os exames, o que provoca ainda mais desgaste no paciente. A falta de verba para realização de exames é uma das limitações para o diagnóstico no sistema público de saúde.
Susto e medo são as principais reações percebidas, no momento do diagnóstico, pelos profissionais de saúde, que sabem da necessidade de esclarecimentos para ajudar a reduzir o sofrimento.
Para isso, buscam facilitar a comunicação com técnicas mais acessíveis, como desenhos e analogias. Eles constatam que quando os pacientes são fumantes ou ex-fumantes vivenciam o sentimento de culpa, porque o tabagismo é um fator de risco para a doença.
Também avaliam que o impacto emocional varia de acordo com a gravidade do tumor e o nível de acesso à informação que o paciente tem.
As dúvidas mais comuns são em relação às chances de cura, sobrevida, possibilidades de tratamento e qualidade de vida. Uma preocupação comum é com o aspecto financeiro para suporte à família.
Há pacientes que relatam uma experiência difícil devido ao despreparo dos médicos em comunicar as notícias, como casos de comunicação de metástase por telefone ou diagnóstico sem preparo emocional prévio.
O que ajuda a jornada
- Médicos são considerados fontes de informações seguras e confiáveis;
- Informação na internet com linguagem acessível;
- Convívio com outras pessoas que passaram por tratamentos semelhantes;
- Divulgação de alguma personalidade que vivenciou situação semelhante ajuda a aceitar a doença.
O que dificulta
- Informações difíceis de compreender;
- Exames e procedimentos contínuos desgastam;
- Idade acentua impactos físicos do câncer;
- Doença de difícil acompanhamento devido à necessidade do controle contínuo mesmo na ausência de sintomas;
- Doença que onera o sistema de saúde devido às diversas intervenções necessárias;
- Limitação de recursos para o diagnóstico e tratamento no interior do país – é difícil o encaminhamento para grandes centros.
Barreiras de acesso
Os obstáculos para conseguir acesso aos tratamentos costumam estar entre os problemas que mais afligem os pacientes. Para os que têm convênio de saúde, as barreiras das liberações às vezes levam à necessidade de judicialização para conseguir o tratamento indicado. Há pessoas que precisam migrar do sistema privado para público pelo alto custo do tratamento.
No sistema público de saúde, as principais dificuldades são: barreiras regulatórias, elevada demanda nos serviços de saúde, necessidade de pagar por exames e consultas para agilizar o processo, residir em cidade de pequeno porte: falta de recursos, deslocamentos para acessar o tratamento, demora no diagnóstico e início do tratamento. A falta de articulação entre os serviços público e privado provocam atrasos no tratamento.
Há medicações promissoras que podem melhorar o cenário da doença, mas ainda não foram aprovadas para uso. Os pacientes do SUS enfrentam dificuldades de acesso à imunoterapia. Outro desafio é a falta de Imuno BCG no mercado.
Tratamentos
O tratamento, avaliam os médicos, vai variar de acordo com a gravidade da doença e será decidido em conjunto com a família, que é um elo fundamental nesta etapa. A opção pelo tipo de abordagem cirúrgica depende do perfil do paciente.
Uma equipe multiprofissional é importante para o compartilhamento de decisões, mas essa não é ainda uma realidade em todos os serviços.
A jornada destacou os tratamentos mais comuns e suas peculiaridades:
- RTU
A ressecção transuretral é considerada como um procedimento tranquilo, com recuperação pós-operatória rápida.
- Onco (Imuno BGC)
Pacientes relatam como tratamento doloroso e desconfortável.
- Quimioterapia vesical (gemcitabina) (GEMCITABINA)
Foi considerada uma alternativa melhor tolerada.
- Quimioterapia sistêmica
Considerado um processo difícil pelos impactos da medicação no âmbito físico.
Bem tolerada pelos pacientes metastáticos, com poucas menções aos efeitos negativos.
- Cistectomia radical
Considerado um procedimento de grande estresse cirúrgico e impacto na qualidade de vida, com dificuldades principalmente na adaptação e início do uso da bolsa coletora. É um momento crítico na jornada do paciente desde o pós-operatório imediato, promovendo limitação no convívio social e dificuldades para prosseguir com o trabalho, necessitando adaptações especialmente para atividades que exigem bastante movimentação corporal.
Muitas vezes o empregador não aceita as limitações do paciente.
A vida sexual também pode ser afetada, já que com a retirada da próstata e das vesículas seminais o homem fica com o orgasmo seco, o que abala a hombridade
Futuro
Depois do diagnóstico alguns pacientes melhoram seus hábitos de vida e passam a cuidar mais da saúde, cuidando da alimentação, da prática de atividade física e optando pela cessação do tabagismo.
De forma geral os participantes das entrevistas mostraram-se otimistas quanto ao prognóstico da doença, mas alguns apontaram o medo de recidiva.
O documento também lista sugestões para melhorar a jornada dos pacientes, entre elas:
- Aplicação de técnicas cirúrgicas menos invasiva;
- Individualização do tratamento com o uso da genética/biomarcadores;
- Tratamentos menos agressivos;
- Uso de terapia alvo, imunoterapia;
- Criar mecanismos de interface entre os sistemas público e privado;
- Capacitação dos profissionais de saúde quanto aos direitos sociais do paciente oncológico;
- Equipes multidisciplinares;
- Preparo dos médicos para comunicação de notícias difíceis;
- Reforço das campanhas de prevenção do tabagismo entre jovens e divulgação das repercussões do uso do tabaco em vários tipos de cânceres;
- Apoio multiprofissional especializado no suporte aos pacientes e suas famílias;
- Linguagem acessível das informações a respeito da doença, tratamentos e seus impactos;
- Suporte educacional e emocional para os familiares quanto ao manejo da cistostomia.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.