“Em 2022 o câncer de colo do útero matou sete vezes mais mulheres do que o feminicídio no Brasil. Em Pernambuco, foram quase seis vezes mais: 404 casos, mais de uma morte por dia. Esse número assusta”, alerta Jurema Telles de Oliveira Lima, coordenadora do serviço de oncologia de adultos do IMIP – Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira) Recife (PE) e coordenadora do programa Útero é vida, voltado ao diagnóstico e tratamento precoce do câncer de colo do útero.
Por conta da grandiosidade dos números e do impacto que a doença provoca na vida das mulheres, a oncologista clínica considera um chamado universal para agir na prevenção desse tipo de tumor, que é totalmente prevenível, como destaca. “Estamos respondendo localmente a uma chamada global por um problema de saúde pública em todo o mundo”.
A especialista se refere à ação realizada em Pernambuco como projeto piloto junto com a iniciativa Unidos pela Vacina HPV e Prevenção do Câncer, realizada pelo Instituto Vencer o Câncer e o Grupo Mulheres do Brasil, com parceria do Útero é vida.
“Se existe um câncer prevenível é o de colo do útero, e ainda assim temos muitos casos. Mesmo com a vacina preventiva, que resolveu esse problema, de maneira geral, nos países de primeiro mundo, não diminuímos a mortalidade”. Uma das explicações para essa diferença, avalia, é que esse tipo de câncer é bastante relacionado à equidade: enquanto nos países com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) alto o risco estimado desse tipo de tumor é de 11,3/100.000 mulheres, nos países com IDH baixo esse número é de 18,8/100.000. O índice brasileiro é de 16,35/100.000, superior à média da América do Sul (15,4/100.000).
A meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) lançada como Estratégia Global para acelerar a eliminação do câncer de colo do útero como problema de saúde pública é conseguir uma incidência máxima de 4 casos por 100.000 mulheres, com cobertura vacinal contra o HPV de 90%.
Novidades devem melhorar o cenário
Jurema Lima aponta as importantes mudanças que estão sendo implementadas na prevenção desse tumor, que devem melhorar os números tanto de incidência quanto de mortalidade. “Com as mudanças esperamos fazer uma cobertura vacinal de 90% da nossa população”.
- Adoção, pelo Ministério da Saúde, de esquema de vacinação em dose única contra o HPV.
- Promoção de vacinação nas escolas.
- Testagem molecular para detecção de HPV e rastreamento do câncer de colo do útero no Sistema Único de Saúde (SUS).
“Pensando em adolescentes, sabemos que é mais viável fazer a vacinação em escolas – esse era um apelo das entidades; as evidências mostram que os países que conseguiram vencer o câncer de colo de útero vacinaram nas escolas e também contaram com esse teste mais específico do HPV, aprovado na Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), em fevereiro, como novo rastreio no Brasil”, comenta. “Essas mudanças nos dão armas para vencer esse câncer, eliminar”.
O que muda no exame preventivo
A oncologista clínica afirma que o preventivo que é feito atualmente, o exame de citologia, é bom, mas bastante artesanal, podendo demorar às vezes meses para ter um resultado.
“O teste do HPV coloca uma lupa em quem realmente é paciente de risco, quem é HPV positivo de alto risco com infecção persistente. Essa é que adoece”, diz. “Representa menos de 10% dos casos e você consegue fazer citologia em um número muito menor de pacientes. Quem tem resultado negativo só irá repetir em cinco anos, e assim não sobrecarrega o sistema com citologias e colposcopias desnecessárias”.
Conforme a OMS, “embora a maioria das infecções por HPV se cure sozinha e a maioria das lesões pré-cancerosas se resolva espontaneamente, ainda há risco, para todas as mulheres, que a infecção por HPV se torne crônica e lesões pré-cancerosas evoluam para um câncer invasivo do colo do útero.
Para que o câncer do colo do útero se desenvolva em mulheres com sistemas imunológicos normais, são necessários de 15 a 20 anos. Em mulheres com sistemas imunológicos debilitados – as que estão infectadas pelo vírus HIV e sem tratamento –, o desenvolvimento do câncer pode levar apenas de 5 a 10 anos”.
“Entre 5 e 10 anos você tem muito tempo de fazer o exame preventivo e descobrir a tempo, antes que seja câncer”, acrescenta Jurema Lima.
- Em Pernambuco foram realizados mais de 3 mil testes, e destes, 200 pacientes precisaram de colposcopia. Dessas, quase 30 já tinham lesão precursora.
A testagem começou nas cidades com maiores taxas de mortalidade e incidência no estado, especialmente com quem nunca tinha feito preventivo ou estava há mais de cinco anos sem fazer. “Estamos usando as máquinas de PCR e toda a logística que era utilizada nos exames de COVID. Essa máquina faz até 6 mil exames por dia. É uma capacidade muito maior de testagem, com agilidade para dar o resultado.
As mulheres que têm resultado positivo são chamadas para fazer a citologia líquida, com o mesmo material usado no teste e, se for positivo, seguimos com a colposcopia em um lugar que já possa fazer a biópsia”, conta.
Mudança deve diminuir dificuldades e desafios das mulheres
“Aqui no Nordeste tem muitos lugares que fazem a colposcopia, mas não a biópsia, e as mulheres têm que colher duas vezes o exame. Outra vantagem é que o teste do HPV permite fazer a auto coleta, o que vai facilitar para pessoas que não conseguiam ir aos postos de saúde, porque o horário não era acessível”, revela.
“Têm locais em que a parte preventiva só funciona uma vez na semana por duas horas. Ouvimos histórias, por exemplo, de mulher que foi 14 vezes para tentar colher o preventivo e não conseguiu – quando chegou lá ou não era dia de exame, ou tinha reunião, era a hora errada, estava faltando material…”.
A coordenadora do programa Útero é Vida cita inclusive casos de mulheres em vulnerabilidade social que precisaram pagar pela biópsia. “Pagaram quando estavam sangrando, com muita dor. Situações em que a patroa pagou ou as pessoas da família e amigos se mobilizaram para ajudar. Pagaram para ela ter acesso ao diagnóstico, ao cuidado de saúde”.
“Com essas barreiras, nós ‘expulsamos’ essas mulheres de um sistema organizado de serviços que nós temos, com vacina e colposcopia”
Jurema Telles de Oliveira Lima, coordenadora do programa Útero é vida
Não basta ter a vacina e o exame: é preciso chegar nas mulheres
“Temos a vacina há 10 anos e nunca conseguimos a cobertura vacinal”, lamenta a especialista. “O rastreio organizado diz que não adianta só fazer o teste: tem que mobilizar a sociedade; educar os profissionais e a própria comunidade, e ter multiplicadores dessa informação”.
O projeto Unidos pela Vacina HPV e Prevenção do Câncer tem papel essencial para vencer essa barreira. “Muitas mulheres morrem de uma doença que não precisava ser assim, passam por um sofrimento desnecessário. Vemos tantos casos que chegam com câncer avançado. Essas mulheres muitas vezes não têm voz, então nós procuramos ser a voz delas.
Temos que nos preparar para aumento de quase 100% dos casos de câncer, no geral, até 2040, e a melhor forma de cuidar de todos é a prevenção”, pondera, reforçando que não tem nada mais prevenível, com o conhecimento que temos hoje, exames e vacina que já estão sendo disponibilizados, do que o câncer de colo de útero.
“Esse trabalho de conscientização e prevenção está ligado à história e ao DNA do Instituto Vencer o Câncer, e com campanhas e iniciativas como essa poderemos ter a primeira geração livre deste câncer”, afirma Jurema Lima.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.