Modalidade de tratamento que vem ganhando mais espaço, a vigilância ativa se mostra eficiente em muitos casos de câncer de próstata, tumor que tem no mês de novembro uma grande campanha para conscientizar sobre a importância do diagnóstico precoce.
Segundo tipo mais comum entre os homens no Brasil, o câncer de próstata pode até crescer rapidamente e se espalhar para outros órgãos, mas a maioria tem crescimento lento, podendo nem dar sinais durante toda a vida.
Os avanços de estudos e análises de casos possibilitaram aprofundar esse conhecimento e selecionar os pacientes mais elegíveis para seguirem na vigilância ativa do tumor até que alguma alteração indique o contrário (veja infográfico).
Um dos exemplo é um estudo, publicado no Jama Network com dados de registros eletrônicos de saúde dos Estados Unidos de mais de 20 mil homens com idade média de 65 anos. O levantamento demonstrou que enquanto em 2010 apenas 10% dos pacientes com câncer de próstata de baixo risco iam para a vigilância ativa – ou seja, 90% faziam prostatectomia radical ou radioterapia -, em 2014 o índice de vigilância passou para 26,5% e em 2021 chegou a mais da metade desses pacientes (59,6%).
Durante a vigilância ativa o paciente segue um rigoroso protocolo de acompanhamento, deixando o tratamento cirúrgico ou outras modalidades como radioterapia para quando a doença evoluir.
“Isso não é não tratar. É uma modalidade de tratamento”
Daniel Vargas, médico oncologista da Oncoclínicas Brasília e membro do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer ressalta a diferença entre realmente não tratar, que é não fazer nada e apenas observar se o tumor vai crescer, e a vigilância ativa, que é uma modalidade de tratamento com protocolo de acompanhamento validado e recomendado na literatura.
“É um acompanhamento sistemático, com critérios muito bem definidos para entrar, sair, como acompanhar, de quanto em quanto tempo é preciso realizar exames, a periodicidade para repetir a biópsia. É um protocolo mesmo”, diz. “Não é chegar e falar para o paciente: ‘Você não vai tratar, não precisa vir mais’. Pelo contrário. A vigilância ativa exige que o paciente seja aderente ao acompanhamento e à realização de exames periódicos. É literalmente vigiar ativamente”.
O médico explica que entre os exames periódicos estão coleta de sangue, muitas vezes também repetição de ressonância, nova biópsia depois de passado um tempo do diagnóstico para confirmar que continua estável e pode seguir com o monitoramento.
“Não temos muitos dados claros do Brasil sobre quantos pacientes seriam possivelmente elegíveis para essa modalidade, mas os dados norte-americanos sugerem que até um terço dos pacientes poderiam ser candidatos ao protocolo de vigilância ativa quando são diagnosticados com câncer de próstata”, revela. “Há estudos com mais de 5 mil pacientes, com mais de dez anos de acompanhamento mostrando que a chance de ter alguma complicação relacionada ao tumor da próstata nesses pacientes com doença menos agressiva é muito baixa, em torno de 1%. Realmente tem segurança validada na literatura”.
Não significa não tratar o tumor para o resto da vida – apenas não tratar naquele momento
O oncologista esclarece que se durante o acompanhamento surge alguma diferenciação do tumor, uma transformação que leve à indicação do tratamento, o paciente passa a ser tratado. A vigilância ativa proporciona segurança para atrasar o tratamento até que ele seja efetivamente necessário e essa ação adia a exposição do paciente aos potenciais efeitos colaterais.
Avanços permitem avaliar melhor pacientes aptos a essa modalidade
Segundo Daniel Vargas, há atualmente muito mais ferramentas para realizar a Oncologia de precisão, que possibilita individualizar o tratamento personalizado para cada paciente. Cita como opção disponível e que há cerca de cinco a dez anos não era utilizada como hoje a ressonância magnética da próstata. “Antigamente não era usada na rotina do screening desses pacientes e hoje em dia é mandatório ter ressonância magnética da próstata, porque traz informações que ajudam a decidir se o paciente é candidato a uma vigilância ativa ou não”.
Ele comenta ainda sobre ferramentas muitos mais modernas, como os testes de alterações genéticas, e destaca duas frentes de tipos de exames que estão disponíveis:
- Testes genéticos hereditários – que avaliam o DNA do paciente como um todo, ou seja, de todas as células do corpo e por isso pode ser coletado através de uma mostra de sangue. Avalia se o paciente tem alguma alteração herdada do pai ou da mãe que pode predizer que aquele tumor, mesmo que seja menos agressivo no momento inicial, poder ter mais probabilidade de evoluir para um tumor mais agressivo.
- Testes genéticos feitos só no material da biópsia tumoral, ou seja, só avalia o DNA do tumor. “Por essa avaliação de DNA do tumor temos duas ferramentas principais que estão disponíveis comercialmente e nos permitem avaliar a agressividade que se apresenta no paciente com muito mais informações do que só olhar biópsia, PSA a esses outros métodos”.
Segundo o especialista, quando há a confirmação, do ponto de vista genético, do baixo risco, a expectativa é que o paciente permaneça muito mais tempo na vigilância ativa.
Diálogo médico-paciente é fundamental
Importante em qualquer modalidade de tratamento, na vigilância ativa o diálogo médico-paciente se faz ainda de maior importância para o paciente entender que está sendo tratado e se sentir seguro de que é a melhor opção para o seu caso – até porque essa é uma decisão que deve ser tomada em conjunto.
“No Brasil, infelizmente, a Medicina tem um aspecto muito paternalista. O paciente muitas vezes tem uma postura um tanto quanto passiva durante o tratamento oncológico, em que basicamente escuta e acata o que o médico coloca para ele, tem receio às vezes de fazer questionamento, de esclarecer dúvidas e até mesmo de relatar sua insegurança”, avalia.
“É uma decisão compartilhada. O médico tem os dados técnicos para orientar da melhor maneira possível, mas no final das contas quem vai ter todas as repercussões da escolha que está sendo proposta é o paciente”.
Grande vantagem é poupar dos efeitos colaterais
Daniel Vargas conta que a adesão no exterior tem crescido e há dados dos Estados Unidos demonstrando que atualmente até cerca de 60% dos pacientes que poderiam receber vigilância ativa estão aceitando participar desse protocolo. “Temos publicação brasileira única, que tem como primeiro autor o urologista Marcelo Wroclawski, que atua no Hospital Israelita Albert Einstein e na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo. A pesquisa mostrou que no Brasil essa noção ainda é um pouco menor, em torno de 50%. Precisamos conscientizar o paciente sobre a segurança desse tipo tratamento”.
A grande conquista dessa modalidade, pontua, é poupar o homem com diagnóstico de câncer de próstata dos efeitos colaterais do tratamento. “Os principais efeitos colaterais e mais temidos são tanto a incontinência urinária quanto a impotência sexual”, afirma. “Contudo, com as novas técnicas, radioterapia de alta tecnologia que temos atualmente, cirurgia minimamente invasiva como as que são auxiliadas por robô, a cirurgia robótica da próstata, melhorou muito, mas ainda assim o risco não é zero. Se pudermos poupar o paciente de correr esses riscos, sempre que possível é favorável utilizar a estratégia de vigilância ativa”.
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.