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Câncer e coração: uma relação delicada

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Três anos após o diagnóstico, o câncer de mama está sob controle. Rose Oliveira, 53 anos, só precisa de acompanhamento em relação ao tumor. Mas o coração, que foi afetado devido ao tratamento com quimioterapia, nunca mais voltou a ser o mesmo. “Na parte de neoplasia, só faço acompanhamento. Depois da retirada da mama não precisei fazer mais nada, tomar nenhum medicamento”, explica a paciente. “Mas hoje tenho esse problema cardíaco, é para toda a vida. Ainda estou no prazo de cinco anos do câncer; os médicos não vão fazer nenhum procedimento cardíaco por enquanto”. 

A relação entre o desenvolvimento de problemas cardíacos e o tratamento oncológico tem sido objeto de maior interesse da classe médica, ganhando destaque em publicações da área, como o artigo publicado este ano no Journal of Clinical Oncology concluindo que mulheres com câncer de mama tiveram maior incidência de eventos cardiovasculares e morte relacionadas a essas doenças quando comparadas com mulheres sem câncer de mama, e que o risco varia de acordo com o tipo de tratamento.

Também este ano a Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) lançou sua primeira diretriz sobre cardio-oncologia para trazer mais informações à equipe de saúde que atua com pacientes oncológicos. O documento lança um olhar durante toda a jornada, antes, durante e depois do tratamento, com recomendações para prevenir problemas cardiovasculares relacionados às doenças oncológicas.

O cardiologista Leandro Echenique, do Hospital Israelita Albert Einstein, ressalta que o tratamento do câncer, com alguns quimioterápicos, pode, em alguns casos, elevar o risco de toxidade para o coração. Ele pondera ainda que muitos fatores que aumentam o risco de câncer também estão relacionados ao surgimento de doenças cardiovasculares. “São fatores de risco comuns às duas doenças: tabagismo, sedentarismo, idade, dieta e obesidade são alguns deles”.

Por conta dessa condição, Leandro Echenique alerta que o paciente que já teve ou está com câncer deve dar atenção especial ao estilo de vida e controlar os fatores de risco cardiovascular. “As medidas de prevenção são muito importantes, pois irão reduzir o risco do surgimento da doença cardiovascular e até de um segundo tipo de câncer no futuro”, diz. “Um paciente com câncer e tabagista, por exemplo, ao não interromper o hábito, não modificar sua dieta e nem sair do sedentarismo, terá maior risco de apresentar um infarto, um acidente vascular cerebral e até mesmo um novo tipo de câncer”. 

Cuidados ajudam a preservar o coração do paciente

Além da indicação de uma alimentação mais saudável e a prática de atividade física, para evitar complicações cardíacas, os pacientes oncológicos devem dar atenção a alguns relevantes tópicos ligados à saúde em geral, como controle do estresse, da pressão arterial, do colesterol, triglicérides e glicemia. “A avaliação médica periódica é fundamental, com alguns exames importantes na detecção precoce da doença cardiovascular”, esclarece o médico, lembrando que o cardiologista tem papel fundamental, orientando o paciente sobre as medidas de promoção da saúde cardiovascular e o tratamento intensivo dos fatores de risco cardiovascular. Outra atuação importante desse profissional, pondera, está no diagnóstico precoce das complicações cardiovasculares que podem ocorrer durante ou após o tratamento quimioterápico ou radioterápico. 

O trabalho conjunto de uma equipe multidisciplinar é a abordagem mais indicada para acompanhar pacientes oncológicos com diferentes diagnósticos, não apenas para prevenir complicações, como as doenças cardiovasculares, mas também garantir o melhor resultado no tratamento. “A equipe multidisciplinar é muito importante e atua em vários aspectos que contribuem para reduzir o risco das doenças cardiovasculares. 

O psicólogo atua no tratamento dos Transtornos de Ansiedade e depressão, aumentando inclusive a aderência do paciente ao tratamento, o fisioterapeuta e o educador físico orientam a melhor forma de realizar a atividade física, o nutricionista ajuda com a prescrição da dieta adequada, com redução da gordura saturada, baixo índice glicêmico e rica em alimentos protetores do sistema cardiovascular, e o médico coordena o tratamento medicamentoso dos fatores de risco cardiovascular”.

Saúde cardíaca ficou abalada 

Rose não imaginava os problemas de saúde que precisaria enfrentar após o diagnóstico de câncer de mama triplo negativo em 2018. A demora em saber do que se tratava o nódulo em sua mama direita levou a um diagnóstico em estágio avançado. “Descobri quando estava no nível três, os médicos dizem que é um estágio mais difícil”, comenta frustrada, já que fazia acompanhamentos anuais com exames de rotina e levou mais de seis anos desde a primeira vez em que sentiu o nódulo, por volta de 2012, até saber do tumor. “Eu via o nódulo crescer, todo ano crescia um pouco, mas o resultado do exame dizia sempre o mesmo. As imagens mudavam, mas a conclusão era copiada do ano anterior, porque eu fazia na mesma clínica e levava os resultados anteriores”, lamenta.

O nódulo aumentou e ficou mais evidente; depois estava arroxeado e endurecido, como se ela tivesse levado uma pancada. “Quando fiz a biópsia, não sentia dor no nódulo, mas havia sintomas no meu corpo, como ínguas que apareciam. Eu tinha problemas na voz, que vira e mexe falhava. Também tive queda de cabelo”, recorda a paciente. “Uma época começou a sair água e eu fiquei apavorada. Abriu uma coisa horrível de ser ver”. 

Diante dos sintomas, os médicos especializados no hospital em que Rose procurou atendimento emergencial já imaginavam do que se tratava, mas fizeram biópsia, que confirmou o tumor. Ela tomou antibiótico enquanto esperava o resultado e fez ainda mais alguns exames.

O tratamento começou no dia 1º de agosto de 2018, com seis sessões de quimioterapia. Nas duas primeiras sessões não teve qualquer sintoma. Quando começou um novo tipo de medicamento, uma quimioterapia mais longa, passou a sentir fraqueza no corpo, tonturas, azias e ânsias. O tratamento seguiu até dezembro e foi quando Rose percebeu que sua situação estava mais delicada, pegou uma gripe forte, tinha dores nas costas, tosse e ficou inchada. “Foi de uma hora para outra. Quando fiquei muito ruim, do final de janeiro para começo de fevereiro, voltei no hospital. Meu abdômen tinha enrijecido, eu não fazia nem urina nem fezes e não conseguia comer. Pediram um raio-X porque viram que algo não era normal. Eles só sabiam me dizer que eu tinha água no pulmão do lado direito, o coração estava inchado e com os batimentos muito fracos. Fiquei internada à base de antibióticos e soro”.

Durante a internação começou um tratamento cardiológico, foi desinchando e ficou no hospital até início de março, quando teve uma pré-alta, até retornar para controlar a pulsação cardíaca, melhorar a respiração e acertar a medicação, através de exames. Devido à dificuldade de estabilizar suas condições e com a situação delicada do coração, não podia realizar a retirada da mama naquele momento. “Tudo reação da quimioterapia. Saí com várias patologias. Eu tenho insuficiência cardíaca, taquicardia, disfunção ventricular, miocardiopatia devido agentes externos pós-quimioterapia”.

Com a saúde cardíaca estabilizada, fez a cirurgia de retirada de toda a mama e esvaziamento de axila. “E estou aqui hoje”, comemora. Toma medicamentos para o coração, sabe que precisa estar atenta a alguns cuidados, como a quantidade de líquido que ingere e situações que possam acelerar o coração, fortes emoções. “Às vezes tenho sintomas, quando me esforço muito. Não sou a mesma pessoa de antes. Não posso correr, levantar peso, levar susto ou ficar ansiosa. Quando vi o valor da aposentadoria, eu realmente quase infartei. A tosse voltou, o abdômen às vezes enche de água. Eu não posso falar que estou bem. Sigo acompanhando o coração, mas vamos que vamos!”.

Depois de tudo que viveu no processo, sugere às mulheres que prestem atenção aos seus corpos, cuidem de qualquer mudança que percebam. E que procurem estar com a cabeça boa, sem tentar ser forte. Recorda que quando recebeu o diagnóstico, manteve-se firme, disse ao médico que estava tudo bem, mas depois descobriu que não se sentia assim tão forte. O importante, acredita, é fazer o que precisa, exames, tratamentos, seguir com a cara e a coragem. “E seja o que Deus quiser”.

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