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Câncer de pulmão na era da terapia personalizada

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Aline, de 23 anos, mantinha a rotina de bailarina, com a disciplina de ensaios e apresentações, quando um cansaço fora do comum começou a trazer problemas para cumprir as tarefas do dia a dia. Depois de muitas idas e vindas a consultórios médicos e centros de diagnóstico, os exames finalmente revelaram o que parecia impossível: um raro tipo de câncer de pulmão se desenvolvia nessa jovem bailarina, que jamais fumou.

Dessa história, é possível extrair várias lições. A primeira contraria o senso comum e ensina que o câncer de pulmão pode, sim, acometer indivíduos que nunca fumaram. A arquiteta Maria Emília também ilustra uma história como essa. Ela recebeu o diagnóstico em 2011, então aos 50 anos, sem qualquer antecedente de tabagismo. A doença veio silenciosa e quando a grande lesão pulmonar foi identificada, o tumor já havia se espalhado para o fígado e o mediastino, com as temidas metástases que costumam acompanhar a evolução do câncer.

Em comum, as histórias de Aline e Maria Emília contam um novo capítulo no tratamento da doença. Em tempos de seleção molecular e terapias alvo, o câncer de pulmão finalmente ingressa na era da medicina personalizada. É cedo para celebrar uma grande revolução, mas sem dúvida é um primeiro passo em direção a um futuro mais promissor.

O câncer de pulmão continua a desafiar a comunidade científica como a primeira causa de morte por câncer no mundo, mas a compreensão das bases moleculares começa pouco a pouco a transformar o panorama da doença, com diagnósticos mais precisos e intervenções mais efetivas. [relacionados]

“Os avanços de biologia molecular impactam de forma definitiva o manejo de pacientes com câncer de pulmão. Os estudos recentes tornaram mais claros os mecanismos fundamentais da tumorigênese e da biologia das neoplasias. A correlação entre marcadores tumorais, o prognóstico e a sensibilidade individual de pacientes a tratamentos específicos pode modificar significativamente as rotinas da prática oncológica”, confirma Riad Younes, uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, médico coordenador da Cirurgia Oncológica do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes (COAEM).

Outra boa notícia é que o câncer de pulmão tem altas taxas de cura se diagnosticado na fase inicial, quando a cirurgia é a melhor arma contra a doença. “Nesse cenário, cerca de 70% dos pacientes podem ser curados com a remoção cirúrgica do tumor”, ensina Younes.

O problema é que a doença avança silenciosa ou com sinais como tosse e emagrecimento, que muitas vezes não costumam despertar a atenção para a necessidade de uma visita ao médico. Como resultado, o diagnóstico quase sempre acontece na fase avançada.

Nova geração

A identificação de diferentes assinaturas genéticas encontradas em biópsias de tabagistas e não tabagistas abriu as portas para a era da seleção terapêutica no tratamento do câncer de pulmão. Nos últimos 15 anos, a descoberta de genes que mantêm a célula cancerosa proliferando sem parar (os chamados driver genes) inaugurou uma nova geração de terapias-alvo, drogas desenhadas para atuar de forma mais individualizada em mecanismos genéticos e moleculares.

E o saldo de toda essa transformação deixa médicos e pacientes diante de uma nova realidade. Agora, as bases moleculares do diagnóstico têm impacto na decisão terapêutica e na escolha do tratamento, além de papel central também na detecção precoce de lesões pré-neoplásicas.

Aline voltou a dançar e mantém a doença estável. Seu raro tipo de câncer apresenta uma mutação específica, que pode estar presente em cerca de 5% das neoplasias de pulmão. Ela teve a oportunidade de receber um medicamento alvo, desenvolvido para atuar especificamente nessa falha genética.

Maria Emília se mantém profissionalmente ativa e cheia de planos depois de alcançar o que parecia um verdadeiro milagre: o tumor primário e todas as metástases não são mais detectáveis em exames de Pet Scan. “É a chamada resposta radiológica completa”, explica a oncologista Carolina Kawamura Haddad, do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes (COAEM). A médica esclarece que a seleção molecular fez toda a diferença na escolha do tratamento de Maria Emília, que traz uma mutação presente em cerca de 20% dos casos de câncer do pulmão não escamosos. Ao identificar a mutação, foi possível também selecionar a droga-alvo, que, neste caso, garantiu o sucesso do tratamento.

Infelizmente, nem todos os pacientes de câncer de pulmão trazem uma mutação conhecida, mas em pacientes nunca fumantes, um defeito genético pode ser identificado em aproximadamente 50% dos casos. Histórias como as de Aline e Maria Emília enfatizam que em alguns cenários a equipe médica deve investir em painéis moleculares e explorar janelas de oportunidade.

“O papel do cirurgião torácico se tornou central na obtenção, preparo e adequação de biopsias de tumores de pulmão, para identificar informações relevantes e reprodutíveis relacionadas à biologia molecular. A realização de procedimentos apropriados e rotineiros, através de broncoscopia, EBUS, videotoracoscopia ou cirurgia aberta, permite disseminar o conceito de tratamento individualizado baseado no perfil das alterações genéticas encontradas. Na atualidade, mutações de EGFR, ROS1, HER-2, BRAF e traslocação do ALK, entre outras, são facilmente detectadas em laboratórios de patologia no Brasil, a tal ponto de fazerem parte do relatório completo de patologia”, esclarece Younes. O especialista lembra que novos estudos científicos estão em andamento com a proposta de introduzir indicações inovadoras, “baseadas no perfil molecular de mutações especificas”, sinaliza.

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