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“O câncer que dá para ver e que é difícil de engolir”: as emoções e os cânceres de cabeça e pescoço

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Os cânceres de cabeça e pescoço são mais comuns do que imaginamos. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a cada ano poderemos ter mais de 1,5 milhão de casos destas doenças no mundo. Os cânceres mais prevalentes são os de boca, laringe, faringe e tireoide, assim como alguns tumores de pele na região da cabeça e do pescoço.

Estes dados costumam ser amplamente divulgados nesta época do ano porque, no mês de julho, as instituições de saúde e veículos de comunicação abordam o Julho Verde – mês de conscientização do câncer de cabeça e pescoço. No entanto, pouco se fala sobre os aspectos emocionais dos pacientes que vivenciam os mais diversos tratamentos para combater esse tipo de doença oncológica.

O câncer de cabeça e pescoço costuma ter uma série de impasses que envolvem as emoções daquele que o vivencia e as dos familiares que acompanham esse processo. O paciente, por vezes, tem a possibilidade de experimentar sintomas de depressão e ansiedade em diversas etapas do tratamento.

O nosso rosto é o nosso maior “cartão de visitas” e é por meio dele que nos comunicamos, nos expressamos e nos identificamos. Essas três palavrinhas parecem bem simples a “olhos nus”. No entanto, elas dizem muito mais do que podemos imaginar e ganham um significado ainda maior para os pacientes que passam pela experiência do câncer de cabeça e pescoço.

A depender da localização da doença, o paciente pode ser submetido a uma série de tratamentos que podem envolver as famosas “quimio” e “radioterapias”, além da também conhecida cirurgia. E é no momento do tratamento que muitas repercussões emocionais podem passar a ocorrer!

Apesar de muitos pacientes vivenciarem o sofrimento emocional devido aos sintomas desse tipo de câncer (exemplo: dor, dificuldades para engolir, perda de peso e convivência com feridas de difícil cicatrização), essa dor emocional pode se apresentar de maneira ainda mais pungente durante o tratamento ou, até mesmo, depois dele.

A cirurgia ainda se mostra como uma modalidade de tratamento que costuma trazer muitos benefícios, mas, também, um sofrimento de ordem psicológica e social, pois, a partir do momento em que o paciente vê seu rosto ou pescoço com alterações advindas do procedimento, muito daquilo que o ajudava a se identificar enquanto uma pessoa ativa, ou a forma como o paciente se comunicava e se expressava, têm a chance de se perder ou de sofrer alterações importantes. Essas alterações podem se dar na fala, na maneira como o paciente deverá comer dali pra frente, na voz ou, até mesmo na própria imagem do rosto (a depender da extensão da cirurgia).

Diante disso, vale abordar novamente as três palavras que citamos acima: expressão, comunicação e identificação. Elas estão associadas ao conceito de imagem corporal. A imagem corporal é algo que criamos desde a nossa tenra infância até a nossa velhice. Ela está diretamente atrelada a maneira como nos identificamos, à forma como nos comunicamos e à maneira como expressamos nossos sentimentos aos outros. A imagem corporal envolve uma imagem psicológica que criamos de nós mesmos a partir das interações sociais que fazemos e a partir das potencialidades do nosso corpo físico. É a partir dessa imagem que damos significado às nossas emoções e que mostramos para as outras pessoas o que sentimos e somos.

Tendo em vista este conceito da imagem corporal, podemos ver que o paciente que vivência o câncer de cabeça e pescoço, por vezes, necessitará de uma reformulação dessa imagem e de recursos emocionais para se adaptar às novas demandas que o tratamento poderá trazer (ou trouxe).

Muitos pacientes podem apresentar sintomas importantes de depressão e ansiedade pelo fato de não conseguirem comer como comiam antes do adoecimento, ou por não poderem falar e usar a voz como usavam, ou por conta da mudança que pode ter ocorrido na região da face de forma a fazer com que o autorreconhecimento seja prejudicado e, consequentemente, a sua imagem corporal.

Frente à estas demandas algumas dicas podem ser válidas para auxiliar o paciente e os familiares a enfrentarem essa nova realidade e as possíveis implicações que o tratamento pode trazer:

  1. Quimio, radio e cirurgia: todo o tratamento que foi proposto visou um benefício importante, por esse motivo, se apoiar nesse objetivo maior (a cura ou o controle da doença) é fundamental.
  2. “O câncer que dá pra ver”: é difícil vivenciar uma alteração na região da face, cabeça e pescoço, e isso é inegável! No entanto, é importante observarmos que somos pessoas dotadas de diversas qualidades. É preciso aprimorar e valorizar todas as nossas qualidades e potencialidades que não são vistas a olhos nus.
  3. Acolha seus sentimentos: ficar triste, ansioso ou chateado faz parte de qualquer tratamento e de qualquer situação de vida que nos gere transtornos ou alterações que não queríamos em nosso corpo. Haverá momentos em que alguns sentimentos relacionados à tristeza poderão ocorrer e isso não é ruim ou errado, faz parte do processo de adaptação. Porém, se esses sentimentos forem constantes e de difícil controle, peça ajuda a um profissional habilitado.
  4. “O câncer difícil de engolir”: para os pacientes que podem ter alterações na voz e na deglutição, é de fundamental importância o acompanhamento com psicólogo e fonoaudiólogo em conjunto. As adaptações e reabilitações física e emocional andam juntas e uma pode potencializar a outra. Comer e falar não são apenas formas de comunicação e alimentação, mas são questões sociais, afetivas e relacionais. Por isso, uma boa reabilitação tende a adaptar o paciente não só para as atividades básicas/ fisiológicas, mas, também, para se relacionar com a vida e com as pessoas.
  5. “Não quero que me vejam assim”: essa é uma frase comum vinda de pacientes, principalmente quando estão em fase de adaptação às intervenções cirúrgicas e de radioterapia. No entanto, é importante ressaltar a importância de continuar as suas atividades (trabalho, estudos, relações sociais). Parte de dar conta de um processo difícil e que alterou a autoimagem é se reinserir na as atividades e na vida. Afinal, você lutou pelas suas conquistas, pelo seu lugar e pelas relações que você construiu e, por isso, é importante assumi-las novamente enquanto se reabilita.
  6. Cigarro e bebida alcoólica: muitos pacientes que faziam uso dessas substâncias antes do diagnóstico, podem apresentar dificuldades em deixar o cigarro e a bebida. Por esse motivo, vale pensar que a mudança de hábito pode contar com a ajuda de medicações específicas, bem como do acompanhamento psicológico ou participação em grupos de pacientes. A intervenção de psicoterapias de grupo tem demonstrado grande efetividade, propondo, até mesmo, estratégias comportamentais para cessar o uso e auxiliar no manejo das emoções que, por vezes, estão associadas à tristeza, ao estresse, à ansiedade e irritabilidade;
  7. Espiritualidade: a espiritualidade é uma ótima ferramenta para ser utilizada por pacientes e familiares durante e após o tratamento. Ela pode trazer a sensação de bem estar emocional e pode ser uma grande aliada em momentos difíceis.
  8. Orientações para a família: o suporte familiar é fundamental para o enfrentamento do paciente durante toda a jornada do tratamento. Prestar o apoio ajuda o paciente a atravessar o processo de adoecimento e tratamento de maneira menos dolorosa. Contudo, o autocuidado do familiar também é importante! Uma vez que o familiar tem a oportunidade de ter um tempo para si, de cuidar das próprias questões emocionais durante o tratamento do paciente, a tendência é que ambos consigam passar por esse processo de maneira mais adequada.
  9. Procure um profissional de psicologia habilitado: cada paciente terá a sua jornada com demandas específicas. No caso do paciente que vivencia ou vivenciou um câncer de cabeça e pescoço, as demandas podem ser muito diferentes e que vão requerer a presença de um profissional treinado: o psico-oncologista (psicólogo atuante na área de oncologia).

Caio Henrique Vianna Baptista
Psicólogo e Psico-Oncologista
CRP: 06/116554
Mestre em Ciências – Faculdade de Medicina da USP (FM-USP)
Especialista em Psicologia Hospitalar pelo Hospital das Clínicas da FM-USP
Especialista em Saúde do Idoso pela UNIFESP
Presidente da Estadual São Paulo da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO)

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