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Câncer de rim: mapeamento da desafiadora jornada desta doença silenciosa

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Em 2023, o Dia Mundial do Câncer de Rim é realizado no dia 15 de junho

A jornada de um paciente pode servir como exemplo, inspirar, demonstrar a outros pacientes que ele não está sozinho. Essa é uma das percepções que o Mapeamento da Jornada de Experiência do Paciente com Câncer de Rim, realizado pelo Instituto Vencer o Câncer com o Patient Centricity Consulting, nos apresenta.

Isso acontece do início ao fim do processo, desde o desafio do diagnóstico diante de uma doença silenciosa, que nem sempre apresenta sintomas, até o compartilhamento de medicamentos quando se tem mais do que necessita e é possível ajudar outro paciente que não conseguiu o que precisava para o seu tratamento, além do fantasma da hemodiálise.

O objetivo do estudo é contribuir para a compreensão dos aspectos subjetivos envolvidos na vivência do câncer de rim por um paciente e também a doença pela perspectiva de médicos oncologistas e nefrologistas que atuam na área.

Como a maior parte dos pacientes são assintomáticos, 75% acabam sendo diagnosticados por acaso quando fazem exames de rotina, como ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética.

O levantamento demonstra que o otimismo, o medo e a ideia de finitude da vida se misturam nas percepções dos pacientes, que encontram facilidades e dificuldades de acesso ao tratamento, como a expectativa de fazer a cirurgia em uma semana em confronto com a necessidade de precisar esperar um mês para o convênio liberar o procedimento.

Perfil dos pacientes

O câncer de rim ocorre mais em homens do que em mulheres e a maioria dos pacientes é diagnosticada entre 65 e 74 anos. Os médicos relatam que eles comumente não fazem exames de rotina, são tabagistas ou ex-tabagistas e sedentários.

O mapeamento tem uma abordagem qualitativa, sendo realizado com sete pacientes com câncer de rim e quatro médicos – dois oncologistas e duas nefrologistas – que atuam com esse tipo de tumor.

Sintomas podem confundir

Em grande parte dos casos o câncer de rim não apresenta sintomas e quando há sinais, as alterações físicas nem sempre são associadas ao rim e podem aparecer de forma repentina. Os sintomas mais comuns são sangramento na urina, emagrecimento, fraqueza, alteração de apetite.

Também ocorrem dor leve na região lombar, alterações no aspecto da urina, cólica renal, prostração, tontura, náusea, visão turva e perda de peso. Alterações no hemograma ou no hepatograma são sinais de alerta que levam à investigação.

No levantamento, pacientes relatam desmaio associado a anemia, vômito, fraqueza, cólicas e coágulos de sangue expelidos pela urina, além de dores intensas. Houve casos em que o sintoma de dor leve nas costas se confundiu com problema já existente na coluna ou, para outra paciente, com o fato de ficar muito tempo com o filho bebê no colo.

Como os sintomas são bastante diversos, é comum a busca, em um primeiro momento, por variados especialistas. Também é motivo de maior surpresa quando chega a notícia inesperada do diagnóstico, provocando um grande impacto emocional nos pacientes que sequer imaginavam que seus sintomas poderiam ser por causa de um tumor.

Diagnóstico

O diagnóstico normalmente é feito por exames de imagem, de forma acidental ou quando o paciente apresenta sintomas como sangramento na urina. Pela ausência de sintomas, geralmente não é diagnosticado em fase inicial.

“Eu tive três (tumores malignos) diferentes um do outro, nenhum por metástase do outro. Isso é meio inédito. Seria o intestino, o rim e a próstata que estão (com tumor) agora. É um diferenciado do outro, não tem nada a ver um com o outro”. A fala de um dos participantes do mapeamento demonstra que, por vezes, o paciente descobre outros tumores no momento do diagnóstico do câncer de rim, nenhum por metástase. E a metástase pode ser constatada já no momento do diagnóstico ou acometer os pacientes posteriormente.

A partir do diagnóstico, o sentimento de negação se confronta com a necessidade de buscar informações, que podem ser centradas no médico ou envolver ainda o contato com conhecidos, amigos e pessoas que já tiveram câncer, chegar pela Internet, no Google e biblioteca científica virtual.

A escolha do local para ter acesso a dados faz bastante diferença no suporte ao paciente, como demonstra um dos depoimentos: “Se você for pelo Google já ia morrer, a média de vida era de dois anos. Então eu nem abria esse trem aí, já ia para uma base científica, porque dá mais conforto”.

Os pacientes chegam aos oncologistas espontaneamente ou encaminhados por especialistas, principalmente pelos urologistas. De forma geral, os oncologistas recebem pacientes com diagnósticos já definidos e acompanham principalmente os metastáticos, enquanto os que têm câncer de rim localizado costumam ter acompanhamento do urologista.

A chegada ao consultório dos nefrologistas costuma se dar por encaminhamento da unidade básica, pelo clínico geral ou pelo médico de saúde da família. Os nefrologistas acreditam que por desconhecimento das atribuições de cada especialidade recebem esses pacientes, os encaminhando para o urologista, que diagnostica e faz o tratamento.

Segundo os médicos, os pacientes costumam chegar ao consultório assustados, preocupados pelo estigma da doença e a maior parte não possui conhecimento prévio da suspeita de neoplasia, não tem conhecimento de que podem estar com câncer ou da gravidade da situação em que se encontram. Alguns apresentam medo da hemodiálise.

Por vezes, os médicos percebem que os pacientes homens parecem ter medo e vergonha de fazer perguntas relacionadas à virilidade e sexualidade.

Tratamento

Após o diagnóstico, os pacientes partem para o tratamento, por vezes cirúrgico, por nefrectomia total ou parcial. Em casos de pacientes em graus mais avançados e metastáticos, o tratamento é realizado com quimioterapia, radioterapia, radiocirurgia, ITK e imunoterapia.

Para quem tem tumor localizado o tratamento preventivo com imunoterapia deve ser avaliado, pois os efeitos colaterais podem ser graves. Se o paciente apresenta metástase, há necessidade de tratar com imunoterapia. Pacientes metastáticos e sintomáticos podem se beneficiar com o tratamento cirúrgico. Para pacientes com tumor pequeno e metástase, a cirurgia não é uma obrigatoriedade na ausência de sintomas renais.

Os médicos constatam que a imunoterapia isolada no geral é mais tolerável pelos pacientes quando comparada à imunoterapia combinada com inibidor de tirosina quinase.

Independente do perfil de toxicidade das medicações, os pacientes optam por fazer o tratamento considerando as chances de cura, mesmo que mínimas.

Por vezes, ao vivenciarem os efeitos colaterais e apresentarem impacto na função dos rins, há interrupção do tratamento. Nessas situações o nefrologista acaba enfatizando a possibilidade de cuidados paliativos.

Há pacientes que relataram a busca por tratamentos alternativos em conjunto com o medicamentoso, citando acupuntura, auriculoterapia, fisioterapia, homeopatia, entre outros. A maioria possui comorbidades pré-existentes, como hipertensão e diabetes, fazendo uso contínuo de outros medicamentos.

Os efeitos colaterais dos tratamentos às vezes tiram a independência do paciente e também têm impacto negativo emocionalmente: “Os efeitos colaterais baqueiam muito e eu desejo que sejam controlados, isso para mim tem um peso muito alto porque não ter qualidade de vida em um tratamento contínuo é muito desanimador por mais força de vontade que você tenha, passar mal cansa”; “A dor rouba tudo de você, o que ela tem para tirar ela tira”.

Impacto financeiro: da busca por medicamento em outros países a doação de outros pacientes

As diferentes realidades financeiras provocam variados impactos nos tratamentos e na vida dos pacientes. A necessidade de parar de trabalhar por conta da doença pode tornar ainda mais difícil a situação financeira.

A cobertura por planos de saúde e convênios é um grande facilitador de acesso ao tratamento. Em outras situações, a compra dos medicamentos requer a venda de bens, como casa própria e carro.

O mapeamento demonstrou também a busca por soluções alternativas para superar esses desafios, como viajar para outros países para adquirir medicamentos por um preço menor. “Os meus ex-cunhados, como são donos de hospital, eles compram a medicação de provedores e tal […] começamos a ver que na Argentina era muito mais barato. Na Argentina eu compro três, no Brasil eu compro uma. […] Eu passei a comprar na Argentina. […] Qual que é a minha rotina agora: vou para Cascavel a cada 42 dias fazer os exames de sangue em um dia, no outro dia fazer a consulta, está ok, vou para o Paraguai no hospital e eles aplicam para mim a medicação com uma ordem do médico lá (da cidade onde faz o acompanhamento)”.

Os pacientes costumam buscar apoio financeiro com familiares e amigos; às vezes esse suporte vem também de doações de empresas e até de outros pacientes com câncer que repassam medicamentos que receberam e não precisarão utilizar. “conheci uma pessoa que teve o mesmo câncer que eu em Minas Gerais que o juiz concedeu a liminar para ele em 10 dias só que ele não teve a resposta que eu tive […] Ele tinha duas doses da medicação e ela (irmã da pessoa) doou para mim”. “Ai dentro do hospital mesmo tem um paciente que reduziu a dose por não precisar usar, do quimio oral, ai ele doava para mim uma caixa, e essa caixa dava para o mês inteiro, então um mês eu comprava, um mês eu ganhava. […]”.

Boas e más experiências no contato com profissionais de saúde

Há relatos tanto de bons quanto de difíceis momentos com médicos e outros profissionais de saúde: casos em que os pacientes encontram apoio, confiança e segurança e também de experiências negativas, como situações em que os médicos deram o diagnóstico sem cuidado, sem preparar o ambiente, como registra um dos depoimentos.  “Antes de ir para o hospital X eu fui para uma consulta particular e o médico só olhou a minha tomografia e ele falou para mim: – Você tem um câncer renal estágio IV, com metástase de fígado e pulmão, pela característica da imagem você já não encaixa mais em cura, você não tem cura, você tem uma expectativa de vida de cinco anos, nós fazemos imunoterapia, o único tratamento que pode responder, mas pode não responder e o custo aqui na nossa clínica é 300 mil reais”.

A multidisciplinaridade é um importante apoio na doença, como para pacientes que recebem acompanhamento farmacêutico para monitoramento e orientação com relação aos efeitos adversos. Também é um suporte para informar sobre hábitos saudáveis para pacientes rim único, pela importância da manutenção e preservação saudável do rim que permanece, evitando terapia de substituição renal

Repercussões físicas, emocionais e sociais

> A ideia de morte em decorrência do diagnóstico impacta emocionalmente ao refletir decisões e trajetórias de vida;

> O medo da metástase se faz presente, porém o foco é no otimismo no cotidiano;

> Parar de trabalhar repercute negativamente nas relações sociais e pode provocar tristeza;

> O convívio com todas as imposições da doença pode gerar um comportamento diferente das pessoas do convívio cotidiano;

> Quando os amigos possuem entendimento sobre o que o paciente está vivenciando, o convívio social se mantém com qualidade;

> Em algumas situações, há estigma ligado ao câncer. Pacientes relatam dificuldades com relação à aparência e ao comportamento esperado socialmente de um paciente portador de câncer, bem como dificuldades nos relacionamentos;

> O câncer também traz boas repercussões para os pacientes, como conhecer pessoas especiais;

> Os pacientes procuraram manter atividades de saúde e bem-estar que lhes conferiam qualidade de vida após o diagnóstico, como prática de exercício físico, trabalhos manuais, acompanhamento com nutricionista, realização de exames de acompanhamento e terapias;

> Depois do início do tratamento costuma ocorrer melhora na qualidade de vida, com volta ao trabalho e independência;

> Um suporte fundamental é o apoio, preocupação e respeito da família, além de antigos amigos, grupos no WhatsApp e correntes de oração;

> Pacientes podem ressignificar diferentes aspectos da vida a partir das vivências com a doença;

> Os pacientes sentem-se frustrados nos casos em que precisarão de tratamento por toda a vida, pela incurabilidade da doença, o que impacta na qualidade de vida;

> Pacientes que fazem hemodiálise acabam tendo mudanças de rotina impostas pelo tratamento e suas consequências que impactam no convívio social e na saúde mental;

> A presença de aspectos religiosos contribui para o enfrentamento diante do tratamento e para a saúde mental dos pacientes;

> A espiritualidade acompanha os pacientes e também a família na trajetória com a doença.

Futuro

De onde vem a motivação para prosseguir?

O levantamento constatou que as motivações principais vêm da família, do trabalho e da vontade de viajar. Também surge a partir da maior sensibilidade em contemplar as pequenas coisas, da maior confiança em si mesmos, da fé, das palavras de incentivo e do apoio de amigos que vivenciaram a mesma doença.

Dentro das perspectivas futuras destacam-se viajar e não ter câncer novamente. Curtir a vida, a família e os amigos, poder ter acesso gratuito à medicação, viver o presente e levar uma vida tranquila.

Considerando as inovações da Medicina, acredita-se que biomarcadores para o câncer de rim, evolução contínua na imunoterapia, são importantes tratamentos para pacientes em estágio mais avançado, para a melhoria da sobrevida e para controle da doença, com menos efeitos colaterais e alteração de rim.

O futuro da oncologia mudou com a possibilidade de tratar a partir da identificação da digital da doença. “Cada dia mais vamos buscar isso. O câncer é uma doença causada por uma célula que pertence a um indivíduo e ela tem uma impressão digital, identificando isso você tratará melhor e curará o paciente”, revela um dos médicos participantes do mapeamento.

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