Apesar do grande progresso no tratamento clínico do câncer de pulmão com a inclusão de tratamentos inovadores (terapia alvo e imunoterapia), este tipo de tumor ainda é associado à alta morbidade para muitos pacientes, com grande impacto físico e emocional. São comuns sintomas como dispneia, fadiga, tosse, dor, sarcopenia e insônia, que impactam muito a qualidade de vida dessas pessoas. Por outro lado, a atividade física insuficiente e o sedentarismo são comuns e predominantes em pacientes de câncer de pulmão.
A Fisioterapia pode auxiliar no tratamento de paciente de câncer de pulmão, sob a ótica de uma abordagem multidisciplinar de medicina personalizada. E, especialmente neste contexto, temos observado muitos avanços nas pesquisas, respaldando o papel da fisioterapia na reabilitação através do exercício físico.
Estudos revelam que, durante o tratamento do câncer, apenas 26% dos pacientes atendem aos níveis de atividade recomendado. Já se sabe que a reabilitação pulmonar tem indicação “padrão ouro” no tratamento para indivíduos com câncer de pulmão em todos os estágios da doença, uma vez que é comum que a capacidade funcional diminua progressivamente após o diagnóstico.
Idealmente, a Fisioterapia deve ser iniciada precocemente, a partir de uma anamnese e avaliação minuciosa desde o momento do diagnostico (pré-tratamento ou pré-reabilitação), inserindo-se no programa de reabilitação pulmonar no local do tratamento. A fisioterapia atua da mesma forma, no pré e pós-operatório das cirurgias pulmonares para evitar complicações cirúrgicas e potencializar a recuperação.
As pesquisas têm mostrado por exemplo, que a reabilitação pulmonar melhora significativamente a função física antes mesmo de procedimentos cirúrgicos com menos complicações pulmonares pós-operatórias, menor tempo de internação hospitalar e melhor qualidade de vida. Além disso, sabemos que muitos pacientes de câncer de pulmão possuem histórico de tabagismo associado e doenças pulmonares prévias como as DPOC (doenças pulmonares obstrutivas crônica), com uma incidência que varia de 40 a 70% dos pacientes.
Os pilares da reabilitação pulmonar têm como objetivo a melhora da ventilação e expansão pulmonar e alívio da dispneia (sensação subjetiva de falta de ar), integrando manobras respiratórias de re-expansão dos pulmões, desobstrutivas e de higiene brônquica:
- Exercícios respiratórios;
- Exercícios aeróbicos;
- Exercícios de fortalecimento muscular respiratórios;
- Treinamento de musculatura inspiratória;
- Desobstrução brônquica;
- Exercícios posturais.
Estilo de vida saudável na prevenção de doenças
Hoje os guidelines mostram que Fisioterapia e a prescrição de exercício físico são indiscutivelmente um dos pilares de todo o continuum da doença oncológica, e que, juntamente com uma alimentação adequada, tem um grande papel nesse processo e na própria prevenção do câncer. Inúmeros estudos científicos têm demonstrado o quanto o nosso destilo de vida é um verdadeiro remédio na prevenção de inúmeras doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e neoplasias.
Outro aspecto importante é que as prescrições de exercício, assim como tratamento do câncer de pulmão, são cada vez mais personalizados, baseados na medicina de precisão. Este modelo de assistência fisioterapêutica ajuda o paciente a ter um programa personalizado e individualizado mostrando quais os exercícios serão necessários, com qual dosagem e intensidade devem ser realizadas.
Assim com a medicina personalizada trata cada individuo com câncer de pulmão com um tratamento específico, o mesmo vale para a prescrição do exercício físico: como um remédio, com dosagem certa. Neste sentido podemos pensar, qual seria a melhor dosagem? Ela irá depender de cada indivíduo, do tratamento proposto, da aptidão física e da resposta do individuo de acordo com o que chamamos de FITT: ou seja a frequência, modo, tempo, intensidade.
Há algumas diretrizes e consensos internacionais baseados em evidências sobre os benefícios do exercício físico em câncer nos diferentes contextos, suas especificidades e níveis de segurança. Com relação ao aspecto da duração da atividade, esta segue as recomendações do ACSM para indivíduos saudáveis, de se realizar um mínimo 150 minutos semanais, 75 min de exercícios de força/ resistência, e alongamentos. Especial atenção deve ser dada ao aspecto da massa e força muscular, pois essa diminui ainda mais durante e após o tratamento do câncer de pulmão, levando a quadros de sarcopenia e caquexia.
Embora o treinamento de resistência não melhore realmente os níveis de condicionamento físico em adultos saudáveis, pacientes com câncer de pulmão podem se beneficiar do treinamento de resistência, pois pode fortalecer os músculos que foram enfraquecidos devido a doenças ou tratamentos. Da mesma forma, podem ser benéficos os exercícios compostos – exercícios que usam vários grandes grupos musculares – como agachamentos de pernas, exercícios de cadeira. O paciente pode começar com curtos períodos de atividade moderada várias vezes ao dia, como uma caminhada de 10 a 15 minutos, três vezes ao dia. O objetivo é se exercitar por pelo menos 30 minutos, pelo menos cinco dias por semana e começar a acumular alguns dos benefícios.
Outras linhas de pesquisa têm apontado possíveis efeitos do exercício físico, tanto no metabolismo geral do indivíduo, reduzindo, por exemplo, o aspecto da inflamação crônica, como diretamente no microambiente tumoral, atuando no sistema imunológico, modulando a intensidade de resposta e aumentando a resposta de células de defesa como os macrófagos, linfócitos, células natural kilers.
Apesar do perfil favorável da atividade física ao longo do continuum do câncer, ainda existem controvérsias quanto a dose ideal de atividade física necessária para impactar na redução do risco de câncer, na dose ideal de atividade física necessária para melhorar sistemas fisiológicos específicos ou na redução dos efeitos colaterais do tratamento e nos casos de cânceres de pulmão em estadios mais avançados.
Ainda muitos profissionais médicos e pacientes desconhecem os benefícios potenciais do exercício físico orientado e praticado de maneira regular, mas nos últimos anos este entendimento vem mudando rapidamente. Tivemos por exemplo, muitos trabalhos apresentados na ASCO de 2020. No passado, achava-se que apenas os pacientes mais saudáveis e com maior capacidade funcional com câncer podiam se exercitar, e que a reabilitação deveria focar mais nos aspectos respiratórios. Sabemos que exercício deve ser realizado sempre e em todos os momentos e que trará benefícios a todos os indivíduos, independentemente do estadiamento e da capacidade física.
Uma boa adesão a um programa regular de exercícios pode melhorar os níveis de fadiga e demais sintomas, a função cardiovascular, a performance e tolerância ao exercício, além aumentar o bem-estar e a qualidade de vida dessas pessoas, mesmo na doença avançada.
Clinicamente a abordagem dos pacientes deve ter como base uma avaliação global detalhada, que leve em conta o histórico atividade física, tratamentos realizados, vigente e das propostas de seguimento terapêutico, mas principalmente levar em consideração os gostos e metas de maneira personalizada, para se montar o programa de exercícios mais adequado e ter os melhores resultados.
Existem suficientes níveis de evidência de que exercícios físicos supervisionados, realizados de maneira regular, com uma prescrição personalizada, segura, dentro de um programa adequado de exercícios melhora a performance dos sistemas cardiovascular e pulmonar (uma vez que, ganhar e manter volumes e capacidade respiratórios é fundamental, além de melhora sua capacidade de transportar oxigênio).
A aptidão aeróbia – um marcador da função cardiorrespiratória através da realização de exercícios aeróbicos (caminhada de média intensidade (caminhada rápida), pedalar, nadar…os alongamentos e treinamentos de força e endurance) pode ajudar estes indivíduos, elevando os níveis de energia, e melhorando a tolerância ao tratamento, principalmente naqueles pacientes que tratam cronicamente. Há uma base crescente de evidências que sugerem o exercício, como caminhada rápida, produz menos sintomas e efeitos colaterais durante o tratamento e atrasa a taxa na qual os sistemas fisiológicos são afetados.
Podemos citar como alterações sistêmicas:
- Melhora sistema imunológico:
- Prevenir, reduzir níveis de sarcopenia (redução de massa e fraqueza muscular e redução de função);
- Redução e gerenciamento da fadiga, do estresse e ansiedade;
- Melhorar o humor e níveis de energia e relaxamento;
- Gerenciamento do sono e melhora do apetite;
- Reduzir o risco de depressão;
- Melhorar a saúde óssea.
Da mesma forma, conseguirmos o rastreamento e o diagnóstico mais precoce do câncer de pulmão é ainda um grande desafio no nosso país e no mundo. O mesmo vale para a reabilitação física precoce, pois apesar de termos fortes evidências quanto aos benefícios que o exercício pode promover, poucos pacientes conhecem esses aspectos ou praticam exercícios físicos.
Cabem a todos da equipe multidisciplinar encorajar os pacientes a iniciar e a manter hábitos de vida mais saudáveis, especialmente o exercício físico, garantindo assim uma maior sobrevida e mais qualidade aos pacientes.
Referências:
Avancini A, Sartori G, Gkountakos A, Casali M, Trestini I, Tregnago D, Bria E, Jones LW, Milella M, Lanza M, Pilotto S. Physical Activity and Exercise in Lung Cancer Care: Will Promises Be Fulfilled? Oncologist. 2020 Mar;25(3):e555-e569
Edbrooke L, Granger CL, Denehy L. Physical activity in lung cancer. Aust J Gen Pract 2020;49(4):175–81.
Jessica M. Scott, Lianne B. Dolan, Larry Norton, John B. Charles, Lee W. Jones, Multisystem Toxicity in Cancer: Lessons from NASA’s Countermeasures Program Cell, 179(5), 2019:1003-1009,
- Kendall, P. Abreu, P. Pinho, J. Oliveira, P. Bastos. The role of physiotherapy in patients undergoing pulmonary surgery for lung cancer. A literature review, Revista Portuguesa de Pneumologia. 2017; 23(6): 343-351,
Tania Tonezzer
- Mestre em Ciências da reabilitação -FMUSP
- Fisioterapeuta Especialista em Oncologia e Linfoterapia – Crefito128763-F
- Coordenadora do serviço de fisioterapia Oncológica da ABCC
- Membro Diretora da Associação Brasileira de Fisioterapia em Oncologia- ABFO
- Membro da APTA (American Physical Therapy Association)
Kamila Adorni
- Fisioterapeuta formada pela Universidade Bandeirantes em São Paulo;
- Pós-Graduada no Aparelho Locomotor do Esporte – Unifesp;
- Formação em Exercise Training Guidelines for Individuals with Cancer pela Academy of Oncology Physical Therapy (MIAMI);
- Mestra em Saúde da Mulher – Unisa;
- Formação em Terapia Física do Edema e Linfedema – Método Vodder;
- Membro da Associação Brasileira de Fisioterapia em Oncologia;
- Membro da American Physical Therapy Association (APTA ).
O Instituto Vencer o Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada pelos oncologistas Dr. Antonio Carlos Buzaid e Dr. Fernando Cotait Maluf, com atuação em 3 pilares: (1) Informação de excelência e educação para prevenção do câncer. (2) Implementação de centros de pesquisa clínica para a descoberta de novos medicamentos. (3) Articulação para promoção de políticas públicas em prol da melhoria e ampliação do acesso à prevenção, ao tratamento e à cura do câncer.