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De uma morte a cada hora e meia à erradicação do tumor do colo de útero: proposta ousada une Instituto Vencer o Câncer e Grupo Mulheres do Brasil

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De um lado, um dado alarmante: a cada 90 minutos uma mulher morre por câncer de colo de útero no Brasil. De outro, informação de valor: esse tipo de tumor pode ser eliminado, ou seja, a incidência chegar a um nível tão baixo que caracterize a erradicação. 

“É diferente de outros cânceres, que não conseguimos erradicar. Em muitos casos podemos diagnosticar precocemente, tratar na fase inicial, mas eliminar um tipo de câncer é um sinal de avanço muito grande”, salienta Ailma Fabiani de Andrade Larre, cirurgiã e ginecologista especializada em câncer ginecológico, que atua na BP – A Beneficência Portuguesa, no Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC) e faz parte do comitê do projeto Unidos pela Vacina HPV e Prevenção do Câncer, realizado pelo Instituto Vencer o Câncer e o Grupo Mulheres do Brasil.

  •  A iniciativa tem o objetivo de demonstrar como essa doença pode ser evitada e tratada precocemente para não provocar mortes. Terá 3 focos:

1 – Disseminar informações

2 – Campanhas de vacinação com alto impacto e alta cobertura

3 – Evolução para testes preventivos mais modernos

Fabiana da Mota Almeida Peroni, diretora de projetos e parcerias do Grupo Mulheres do Brasil, lembra que quando o Instituto procurou a organização com essa problemática, o dado sobre a morte das mulheres chamou atenção. 

“É um índice alto para uma doença que tem como prevenir e tratar precocemente. E não é qualquer mulher que morre: é a mulher preta, periférica, pobre, que não teve acesso. Isso mobilizou todo o grupo, principalmente os comitês de saúde que já trabalhavam ações pontuais. Agora estamos em um grande movimento de mobilizar toda a nossa rede nacional para valorização da vacina HPV e prevenção do câncer de colo de útero”.

Essa grande rede, com mais de 120 mil mulheres em 154 núcleos no Brasil e pelo mundo, agrega uma importante força para atingir os objetivos da iniciativa, que é disseminar informações de qualidade ao público feminino.

O projeto Unidos pela Vacina HPV e Prevenção do Câncer possui um comitê gestor – formado por representantes do Instituto Vencer o Câncer e Grupo Mulheres do Brasil, e um comitê técnico-pedagógico, com uma equipe interdisciplinar responsável pela elaboração dos materiais e aulas técnicas.

Além de Ailma Larre, estão neste grupo os médicos Renato Kfouri, Luis Fernando Correra e Andréa Gonçalves; a diretora do Instituto Vencer o Câncer, Ana Maria Drummond; a coordenadora do Projeto Útero é Vida (PE), Letícia Katz; a representante do Núcleo Recife do Grupo Mulheres do Brasil, Viviane Gomes e a enfermeira obstetra Herla Furtado; e Aniara Corrêa, Aline Pedrazzi, Cristina Magnabosco e Lucia Chibante, representantes da WM Conecta.

O projeto conta, ainda, com os trabalhos da WM Conecta, consultoria responsável pela criação do material técnico-pedagógico que será utilizado no trabalho com líderes comunitárias, professores, adolescentes e pais ou responsáveis.

1 – Informação é a palavra-chave para conscientizar

Ailma Larre afirma que informação é a palavra-chave para levar o alerta da prevenção a todas a mulheres. “As pessoas têm direito à informação; precisam entender o que é essa doença e o que podem fazer para evitar”, diz. 

“Fala-se pouco em câncer de colo de útero, até pelo fato de muitas vezes ser relacionado à transmissão sexual; algumas ficam constrangidas por questões religiosas, culturais, que impedem um debate mais aberto. Não se pode confundir vacina com sexualidade; essa vacinação é uma questão de saúde como todas as outras, uma vacina que previne câncer é algo grandioso”.

  • Na primeira fase o objetivo é informar sobre este e outros cânceres causados pelo HPV.

Para Fabiana Peroni, um ponto importante é trabalhar o conhecimento para que a informação chegue de forma efetiva e sensibilize. “Mais do que apenas realizar campanhas de comunicação, buscamos apresentar de forma diferenciada. Por exemplo, não chamamos de palestra, mas de roda de conversa de mulheres para mulheres. Sabemos que é preciso fazer diferente para mudar essa realidade”, detalha. 

“Buscamos formar lideranças comunitárias que sejam multiplicadoras desse conteúdo. Assim não será apenas o profissional falando, mas também aquela pessoa que é reconhecida na comunidade”, diz Fabiana. Além de experimentar novos formatos, o grupo leva às mulheres informações sobre empoderamento, direitos básicos e outros temas relevantes.

2 – Vacinação já reduz incidência pelo mundo

A cirurgiã ressalta que as pessoas precisam entender que a vacinação contra o HPV aplicada gratuitamente no sistema público é um direito. “É importante usar esse direito. É uma vacina caríssima, com tecnologia avançada. Foi um progresso relevante conseguir no Brasil”, avalia, lembrando que na maioria dos países foi lançada em 2007 e que só chegou ao Brasil em 2014 e, por isso, estamos atrasados diante de locais que já diminuem a incidência desse tumor.

No sistema público a vacinação é feita dos 9 anos 14 anos para meninas e meninos;

No sistema privado, homens e mulheres podem se vacinar até os 45 anos. 

Ailma Larre considera esse dado muito valioso, principalmente porque há desinformação sobre esses detalhes. Explica que quanto mais cedo a pessoa receber a vacinação melhor, porque a imunidade está mais ativa e ela ainda não entrou em contato com o vírus. Entretanto, reforça que na fase adulta continua sendo importante – mesmo que já tenha ocorrido contato com o vírus, nem sempre é do mesmo tipo da vacina, que dará uma proteção altíssima. E ainda que tenha havido contato com vários tipos de HPV, a vacina tem eficácia comprovada para redução de doenças provocadas pelo vírus de forma geral, inclusive outros tipos de câncer.

  • As mulheres vacinadas devem continuar indo ao ginecologista e fazendo o exame Papanicolau.

Outra iniciativa fundamental para expandir a ação coletiva é apoiar a volta da vacinação nas escolas. As dificuldades da rotina familiar muitas vezes dificultam para os pais levarem os filhos para cumprir todas as doses. “Os países que conseguiram uma cobertura vacinal alta, vacinaram nas escolas”, afirma Ailma Larre.

3 – Exame que ajuda a salvar vidas pode chegar à rede pública ainda este ano

Atualmente o rastreamento para diagnóstico precoce do câncer de colo de útero é feito com o exame Papanicolau, indicado a todas as mulheres dos 25 aos 64 anos. Segundo a ginecologista, é uma técnica antiga e, apesar de eficaz, está mais sujeita a falhas. “Precisamos avançar e ter o teste molecular no sistema público”.

Mais avançado, esse exame que já existe no Brasil há muitos anos, realizado no sistema privado, é bastante efetivo porque seleciona a paciente que faz parte da população de risco e necessita ser investigada de forma mais detalhada e rigorosa para detecção do tumor. Pode ser feito com o mesmo material colhido para o Papanicolau, contudo, utilizando outra tecnologia para identificar o HPV. 

  • Por que apesar de o exame estar disponível para quem tem plano de saúde, nem todas as mulheres com acesso realizam?

Para adotar o teste molecular é preciso seguir algumas diretrizes e como ainda não estão bem determinadas no país, há médicos que não solicitam. “Precisamos uniformizar essa forma de prevenção. Há protocolos internacionais para aplicação do teste molecular, mas no Brasil ainda não existem. As diretrizes estão em construção”, avisa Ailma Larre, e faz uma ressalva: considerando que esse tipo de tumor é mais comum em mulheres pobres, que usam o sistema público, é fundamental a incorporação do teste.

O resultado vai indicar a periodicidade com que devem ser seguidos os exames de rastreamento.

Importante: mesmo que o teste defina que a paciente pode espaçar a realização de Papanicolau, deve continuar com as visitas periódicas ao ginecologista, para ser avaliada.

A especialista traz uma boa notícia: “Creio que 2024 será um ano muito importante em relação ao teste molecular. Talvez já tenhamos alguns estados iniciando o uso como rastreamento”. Ela conta que há um grande programa piloto do Ministério da Saúde, em associação de organizações nacionais e internacionais, em Recife (PE), chamado Útero é Vida, que começou no ano passado, além de outras ações paralelas pelo país. 

“Há um projeto anterior em Indaiatuba (interior de São Paulo) que tem uma publicação muito importante, de grande impacto com teste molecular, demonstrando redução da incidência de câncer e de doenças do HPV”, comemora. “Já existem projetos e estudos acontecendo de forma isolada. O que precisamos é que se torne um protocolo e o teste de Recife pretende dar esse passo. Temos esperança de que o avanço aconteça ainda este ano”.

Projeto vai crescer e se fortalecer

As ações do projeto estão sendo realizadas, em um primeiro momento, com uma atuação forte em Recife (PE) e em São Paulo – capital e interior. Há ainda pequenas atividades que ganharão força em outros estados. 

  • A meta é ser uma ação nacional com grande impacto.

Para atingir os objetivos são promovidas diversas iniciativas ao longo do ano, em escolas, divulgação nas redes sociais, promoção de diálogo com profissionais especializados, ações de sensibilização e educação em saúde sobre vacinação, HPV e prevenção do câncer, especialmente o de colo de útero. 

Fabiana Peroni explica que estão sendo preparados grupos de apoio regional para fortalecer e organizar a rede por região, engajando as voluntárias para que essa informação de forma clara e acessível chegue aonde precisa chegar. 

“Fazemos inclusive um trabalho de escuta na ponta, conversamos com adolescentes, professores e familiares para entender o cenário e como obter bons resultados”, afirma. “A comunicação deve ser acessível, falada de jovem para jovem. Estamos trazendo adolescentes, influencers”.

A inovação estará nas escolas, com ações de esclarecimento sobre vacina e câncer na grade curricular, preparando os professores para levarem essas informações. A proposta é engajar toda a comunidade escolar na discussão.

Fabiana Peroni acrescenta que há um trabalho também fortalecendo o sistema de saúde, para que a população encontre os serviços quando for realizar exames ou vacinação. “Trabalhamos também junto com o poder público para eliminar barreiras de acesso. Sabemos que muitas mulheres não fazem Papanicolau porque trabalham 40 horas por semana, nos horários em que funcionam as unidades de saúde. Precisamos encontrar alternativas para trazer essa mulher”.

Já começam a surgir iniciativas tentando resolver esse problema, como o projeto piloto do Ministério da Saúde de autocoleta para diagnosticar HPV, convidando cerca de mil mulheres de cinco cidades brasileiras, uma de cada região: Maringá (PR-Sul), Ouro Preto (MG-Sudeste), Goiânia (GO-Centro Oeste), Natal (RN-Nordeste) e Manaus (AM-Norte).

No projeto do Instituto Vencer o Câncer, Recife conta com várias iniciativas sendo realizadas – reunindo a atuação em escolas e junto à comunidade, a estimativa é atingir 4.800 pessoas diretamente e cerca de 20 mil considerando o impacto indireto. 

O projeto se fortalece este ano em São Paulo, com previsão de atingir 14 mil alunos e 7 mil mulheres diretamente. A campanha também passará a ter mais ações de advocacy relativas a HPV e vacinas contra o câncer nas três esferas: federal, estadual e municipal.

Imagem mostra: banner da campanha Unidos pela vacina HPV e prevenção do câncer

Leia também: A importância da Vacina contra câncer por HPV

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