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Câncer de ovário: propagar informação para combater a doença e melhorar o desfecho do tratamento

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“É uma doença muito traiçoeira, geralmente diagnosticada em estágio avançado. A chance de uma mulher morrer de câncer de ovário é muito maior do que de câncer de mama”. O alerta da oncologista Graziela Zibetti Dal Molin, membro do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer (IVOC), mostra a face perversa desse tumor e reforça a necessidade do alerta feito no dia 8 de maio, World Ovarian Cancer Day, data escolhida para chamar atenção para a necessidade de divulgar informações sobre a doença.

“Pesquisadores do mundo todo têm se esforçado para tentar, de alguma forma, aumentar a porcentagem de diagnósticos precoces e, consequentemente, melhorar a sobrevida dessas pacientes. As pesquisas não devem parar no sentido de encontrar melhores maneiras de se rastrear o câncer de ovário e diminuir a mortalidade das pacientes com esse diagnóstico”, explica o oncologista Fernando Maluf, um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer. No final do texto, em uma entrevista, o médico comenta os estudos desenvolvidos sobre o assunto, a relação das questões genéticas e hormonais com esse tipo de tumor e as boas perspectivas de tratamento.

Juliana Carelli, 40 anos, e Thamara Camargo Silva, 31 anos, vivenciaram em suas experiências como o câncer de ovário pode ser realmente traiçoeiro, até quanto aos fatores de risco, já que um deles é a idade mais avançada. A oncologista Zibetti Dal Molin diz que habitualmente esse tumor acontece na faixa etária de 55 a 60 anos. “Em geral, não é uma doença de pacientes jovens”. Apesar disso, Thamara tinha 24 anos quando descobriu a doença, e Juliana, 29 anos.

 

Do desengano à esperança

Era o meio do ano de 2009 quando Juliana saía de uma quermesse com o noivo e sentiu uma dor muito forte no abdômen, que a levou a sentar-se no chão. Tomou um remédio para o estômago, mas como a dor continuou, foi ao médico, que diagnosticou intoxicação alimentar, porque ela havia comido um pastel. Com a medicação a dor passou, até que 15 dias depois voltou forte e Juliana chegou a curvar o corpo de dor enquanto dava uma aula. “Eu não conseguia levantar nem sair do lugar. Minha diretora me levou ao pronto-socorro, pediram raio-x do abdômen, o médico falou que eu estava com prisão de ventre e receitou óleo mineral”, recorda. “Antes eu dizia que era assintomática, mas depois que soube quais eram os sintomas, descobri que tive sintomas comuns e nenhum médico, principalmente naquele momento em que eu tinha 29 anos, iria relacionar a câncer de ovário”.

Na visita de rotina ao ginecologista no mês seguinte, ela já estava com a mão na maçaneta para sair do consultório quando o médico perguntou se ela era casada; sabendo que estava com casamento marcado para dezembro, olhou seu papanicolau e resolveu pedir ultrassom transvaginal. “Esse momento me marcou muito. Sempre falo que tem uma esfera superior que me ajudou nessa minha trajetória”.

Durante o exame, a forma como a médica fazia perguntas levou Juliana a perceber que havia algo errado, o que se confirmou quando foram chamados mais três médicos e uma enfermeira para avaliar. “Eu não compreendi o que eles falavam, mas sabia que era algo grave porque ninguém entra para fazer exame de rotina e sai com indicação de exames pré-operatórios”.

A cirurgia foi realizada em outubro de 2009. “Eles me informaram que seria retirado apenas um ovário e me mostraram um exame que parecia uma árvore – era aquilo que estava preocupando. Naquele momento nada fazia sentido e hoje sei que aquela característica foi determinante no meu caso. Mas eles precisavam tirar para investigar. Quando quis saber se era câncer, o médico disse que não poderia dizer sim ou não, não descartava, mas não estava trabalhando com aquela hipótese. Acho que foi mesmo para eu me acalmar, porque não iriam falar nada sem resultado da biópsia”.

O resultado sairia em 40 dias, depois da data em que estava agendado o casamento de Juliana, 5 de dezembro. Quando voltou para tirar os pontos, o médico explicou que pediu urgência para que ela tivesse o resultado antes do casamento. “Foi muito difícil quando eu recebi o diagnóstico; eu fui com um primo meu que estava de férias, porque era só para tirar os pontos. Eu queria ter minha mãe e meu noivo comigo”.

Seria preciso nova cirurgia e complemento com quimioterapia, porque havia infiltração no outro ovário e foco na cavidade pélvica. “Descobri no meu noivo uma pessoa melhor até do que eu achava que tinha ao meu lado. Falei para ele viver a vida, darmos um tempo e aguardar e ele disse que não mudaríamos nada. E de fato não mudamos”.

O casamento aconteceu na data marcada apenas com os familiares mais próximos sabendo da doença, para não estragar o clima da festa. A noiva queria viver com felicidade o momento.

Logo depois descobriria que não conseguiria realizar o sonho da maternidade biológica, pois os médicos recomendaram tirar o outro ovário e também o útero. Eles explicaram o motivo: o sonho de ser mãe era tão grande que em uma gestação, se ela tivesse que escolher, sabiam que escolheria o bebê ao invés da própria vida. “Eles me mostraram os prós e contras e eu assinei um termo de que depois do tratamento quimioterápico voltaria ao centro cirúrgico para fazer a histerectomia total”.

Ela fazia exames de acompanhamento havia três meses quando descobriu três nódulos hepáticos – tratava-se de uma metástase. Voltou para quimioterapia e tinha estimativa de cirurgia para remoção parcial do fígado, para tentar preservar a vida. “No SUS não há uma médica que nos acompanha. Quando levei a carta pedindo a interrupção parcial da quimioterapia para fazer a cirurgia, a médica que me atendia naquele dia olhou a imagem e disse que não ia liberar porque nada mais que eu fizesse daria jeito, o tumor era muito agressivo e que eu tinha poucas possibilidades. Aquilo me deixou bastante triste, porque a gente precisa acreditar que tem possibilidade”.

Era o ano de 2011; em vez de desanimar, procurou opções e conseguiu uma vaga no Icesp, onde os exames foram refeitos e a opção foi não operar nem fazer quimioterapia. Está há nove anos em remissão da quimioterapia e só não tem alta por conta dos nódulos, que precisam ser monitorados.

Depois do que passou por falta de informação, defende a ideia de que esse tumor precisa ser mais divulgado. “Câncer de mama todo mundo conhece, mas de ovário mata mais”, destaca, comentando seus aprendizados. “Digo que o câncer me deu um par de óculos, porque enxergo a vida com outros olhos. Esse momento de pandemia traz um pouco isso, para todos valorizarem as pequenas coisas, a casa, a família. Claro que há as dificuldades, mas saímos pessoas melhores”.

 

Diagnóstico é sempre difícil

Assim como Juliana, Thamara também teve dificuldades para conseguir seu diagnóstico. Em fevereiro de 2014 sentiu cólicas e um pouco de dor de estômago. Na época tinha feito dieta, emagreceu, estava correndo e mesmo assim começou a engordar. Passou a sentir tanta falta de ar que não conseguia mais correr. Depois de duas a três semanas com os sintomas, chegou uma noite em que não pode dormir devido à dor no estômago.

Na época exercia sua atividade de fisioterapeuta em um hospital e logo que chegou passou por consulta, em que o médico disse que não parecia ser apendicite e a encaminhou a um hospital geral, já que a especialidade ali era cardiologia. No hospital, o raio-x não acusou nada e o ultrassom indicou uma grande ascite (acúmulo anormal de líquido no interior do abdômen).

Sem descobrir a causa, os médicos a encaminharam a um ginecologista do pronto-socorro e apesar de a dor ser mais forte do lado direito, um ultrassom transvaginal indicou cisto no ovário esquerdo: estava tão grande que puxava os ligamentos e refletia do outro lado, além da ascite que aumentava a dor.

Depois de enfrentar espera para internação pelo SUS conseguiu realizar ressonância, que demonstrou estar restrito ao ovário esquerdo. Thamara passou por cirurgia para retirada do ovário e trompa e 40 dias depois foi buscar a biópsia, quando descobriu que tinha um tumor endodérmico raro que precisaria de quimioterapia. “Eu fiquei três meses entre passar de um hospital a outro e nesse tempo cresceu um tumor na pelve de 3,5 centímetros. O primeiro tinha 10 centímetros”.

Com 28 sessões de quimioterapia o tumor diminuiu, mas precisou ser retirado com cirurgia, em fevereiro de 2015.  “Comecei a quimio em junho, fiz até novembro. Em janeiro passei por outra cirurgia. Disseram que eu não poderia ter filho, mesmo preservando o ovário direito.

No final de 2018 o ginecologista liberou Thamara para tentar engravidar, o que aconteceu dois meses depois. “Eu achava que se fosse acontecer, iria demorar. Quando vi o resultado, nem acreditei. A família inteira ficou cheia de emoção. Graças a Deus acredito que nunca mais vou ter isso. Adiei os exames que faria agora por causa da pandemia, já entrei no quinto ano de remissão e se tiver tudo normal, vão me dar alta”, comemora, enquanto se prepara para levar o pequeno Lucas, de sete meses, ao pediatra.

 

Obstáculos a superar

A oncologista Graziela Zibetti Dal Molin esclarece que a demora no diagnóstico do câncer de ovário se dá porque não existe exame de rastreamento eficaz, diferentemente do câncer de colo de útero, que tem o papanicolau. “A paciente começa com sintomas inespecíficos e quando faz diagnóstico já está em estágio bastante avançado da doença. Isso obviamente tem impacto na sobrevida”.

O principal tratamento, avisa a médica, é uma cirurgia extensa associada à quimioterapia – como ambas têm efeitos associados, provocam grande impacto na vida da mulher, tanto físico quanto emocional, porque é uma doença que tem chance de sobrevida menor.

Um ponto que considera importante é o empoderamento da mulher de conhecer os sintomas, junto com maior propagação de informações sobre a doença. “Muitas vezes a paciente está com gases, dor abdominal, sangramento e procura um clínico geral ou um gastroenterologista, nem sempre um ginecologista, e nem mesmo esses especialistas aventam a possibilidade de câncer de ovário como diagnóstico inicial”, comenta.  Entre os sinais que merecem atenção, destaca aumento do volume do abdômen, dor no abdômen, alteração intestinal evoluindo para constipação e episódios de sangramento vaginal.

 

A seguir, entrevista com o oncologista Fernando Maluf, um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer.

 

A implantação de efetivas políticas públicas para o câncer de mama mudou a história da doença no país e no mundo. Quanto ao câncer de ovário, por suas características, de ser um tumor silencioso e sem opções de rastreamento, ainda enfrentamos o grande problema do diagnóstico tardio. O que tem sido feito no mundo e o que poderíamos implantar no país para melhorar o cenário desse tumor?

Atualmente sabemos que, infelizmente, a maioria das mulheres com câncer de ovário são diagnosticadas em um estágio avançado da doença. Dessa forma, pesquisadores do mundo todo têm se esforçado para tentar, de alguma forma, aumentar a porcentagem de diagnósticos precoces e consequentemente melhorar a sobrevida dessas pacientes. Foram divulgados estudos que testaram a estratégia de se dosar o marcador tumoral Ca125 e submeter às pacientes a ultrassonografia transvaginal de forma periódica. Esses são exames de baixo custo e de fácil acesso. Esses estudos mostraram que o rastreio com tais exames não se mostrou eficaz no sentido de diminuir mortalidade das pacientes, além de que levou a grande quantidade de resultados falso-positivos, que por sua vez levaram a outros exames e procedimentos desnecessários e invasivos. Portanto esses exames falharam em propiciar benefício de diagnóstico precoce com consequente redução de mortalidade para pacientes com neoplasia de ovário.

Existem aquelas mulheres que sabidamente têm um grande risco de desenvolver câncer de ovário, como por exemplo as portadoras de mutação BRCA. Alguns autores advogam que se realizem exames anuais como a ressonância magnética para diagnóstico precoce nessa população, entretanto ainda não há nenhum grande estudo que embase essa estratégia na prática clínica.

As pesquisas não devem parar no sentido de encontrar melhores maneiras de se rastrear o câncer de ovário e consequentemente diminuir a mortalidade das pacientes com esse diagnóstico.

 

A falta de diagnósticos precoce faz com que esse câncer tenha alta letalidade. Há opções para que os gestores de saúde possam estudar formas de diminuir essas taxas?

Na falta de exames de rastreio efetivos que ajudem essas pacientes, a principal estratégia no combate ao câncer de ovário concentra-se no investimento em tratamento. Nesse sentido, temos tido grandes avanços nos últimos anos. Em primeiro lugar devemos deixar claro que a cirurgia é de enorme importância e desta forma é fundamental que seja realizada em centros com grande experiência por cirurgiões especializados nesse tipo de tratamento.

Já em relação ao tratamento com medicações podemos destacar como um grande avanço o surgimento dos inibidores de PARP, estes já têm aprovação da ANVISA, porém não foram incorporados ainda no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde) e não são usados rotineiramente no SUS. Tal classe de medicação atua especificamente em enzimas responsáveis por corrigir defeitos no DNA. Sua principal indicação concentra-se naquelas pacientes que têm mutação nos genes BRCA 1 e 2, porém alguns estudos já têm demonstrado que pacientes sem a mutação também podem se beneficiar do uso, de forma que uma grande parte das pacientes com dianóstico de câncer de ovário acabam tendo algum ganho com o uso dessa medicação.

Por último, pesquisadores têm se esforçado para encontrar algum cenário em que a imunoterapia apresente-se eficaz no tratamento de câncer de ovário. Até o momento tivemos apenas resultados modestos com esse tipo de estratégia, porém este ainda é um campo com espaço para novas pesquisas.

 

A questão genética é considerada um fator de risco. Os avanços de estudos nessa área são promissores para esse tumor?

Sem dúvidas os avanços na área genética permitiram melhorar o cenário da doença. Sabemos que cerca de 10% das pacientes com diagnóstico de câncer de ovário têm como principal causa fatores genéticos. Destacamos aqui as tão comentadas mutações nos genes BRCA 1 e 2 que conferem às mulheres portadoras um aumento bastante significativo na chance de desenvolver câncer de mama e ovário ao longo de sua vida. Tais mulheres que carregam este tipo de mutação têm indicação de retirar a glândula mamária e os ovários de forma profilática, isso é, sem ter desenvolvido câncer. Tal recomendação pode parecer agressiva, porém comprovadamente diminui mortalidade dessa população. Devemos nos atentar à história familiar e pessoal de câncer das nossas pacientes e ao identificar aquelas que potencialmente têm risco de carregar a mutação devemos recomendar uma avaliação genética.

Todas as pacientes com diagnóstico de câncer de ovário precisam realizar avaliação genética, que vai se traduzir em aconselhamento familiar e uso de estratégias específicas direcionadas para mutação como por exemplo os inibidores da PARP, citados anteriormente.

É importante lembrar que todas as mulheres devem manter hábitos saudáveis de vida, independentemente de ter ou não a mutação. Essa é a principal medida para prevenção de qualquer tipo de câncer.

 

As questões hormonais também rondam essa doença. O que dizem os estudos sobre isso?

É muito claro que a maior exposição aos hormônios femininos ao longo da vida de uma mulher traduz-se em aumento de risco de desenvolver câncer de ovário. Existem diversas maneiras pelas quais as mulheres podem ter essa exposição aumentada. Dentre elas podemos citar a nuliparidade (as mulheres que não têm gestação ao longo de sua vida ou que têm apenas em idades mais avançadas), não amamentação, tratamento para fertilidade, terapia hormonal após a menopausa (principalmente naquelas que fazem reposição de estrogênio sem progesterona) e obesidade (claramente tem maior produção de hormônios femininos).

Em contrapartida, estudos recentes demonstraram que o uso de pílulas anticoncepcionais levam a um menor risco de desenvolver câncer de ovário. O risco diminui quanto mais tempo os anticoncepcionais são utilizados.

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