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Especial Dia das Mães – paciente celebra gravidez e novos rumos profissionais depois de tratamento contra câncer de mama e cirurgia no ovário

Paciente celebra gravidez depois de tratamento contra Câncer de Mama

 

O que fazer quando a gente descobre que o sonho que acalentamos durante anos – e pelo qual muito batalhamos – não é o melhor para nós? Insistir? Desistir? Mudar? Ou construir um sonho novo? Esse foi o dilema diante do qual Roberta Perez se viu no meio de um tratamento de câncer de mama.

A história desse sonho teve início bem antes, quando a jovem de 18 anos, estudante de Fisioterapia, decidiu que queria fazer carreira no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Incor – HCFMUSP). “Tudo o que eu fazia era em função disso. Hoje tenho consciência de que sacrifiquei muito da minha vida por essa meta profissional”, diz, recordando a dedicação necessária para fazer um ano de residência no hospital, depois mais um ano se preparando enquanto esperava o teste para uma vaga – trabalhando em outro hospital – e mais quatro anos atuando onde sonhou, na UTI adulta e pediátrica. 

“O foco na minha carreira era tão grande que negligenciei muito de mim mesma, da minha saúde e do meu lazer, para estar lá. Era uma escala intensa que eu fazia, vivia dentro do hospital. Era bem workaholic. Perdi muitos encontros com minha família, coisas que me faziam bem. Chegou um momento que eu nem sabia mais o que me fazia bem”, conta. “Hoje dou graças a Deus porque existem pessoas que conseguem lidar com tudo isso. Eu sou muito emocional, sempre tive muita empatia pela dor dos outros e ver pessoas morrendo me feria”.

Quando saiu da sua casa em Santos mudando para São Paulo a fim de seguir seu coração, ouviu da mãe um ensinamento que anos depois faria muito sentido: “Filha, não se torne uma pessoa fria”. Com pouco mais de 20 anos e um mundo para conquistar, aquelas palavras teriam que esperar a hora certa para servir de lição. E o aprendizado veio em um momento bastante difícil, um pouco antes de Roberta receber o diagnóstico que mudaria sua vida.

“Estava com um estagiário e falávamos de um bebê com doença crônica, internado há muito tempo, e eu disse que era um caso sem chance, que ele não sobreviveria. Quando o estagiário me perguntou como eu sabia, respondi que pela experiência, observando a evolução do paciente”, recorda. A criança sobreviveu e está bem até hoje. Roberta percebeu como havia deixado tudo em processos automáticos. “Vamos nos acostumando tanto que as coisas passam e nem percebemos. Tentamos de tudo, fazemos todos os esforços, mas os pacientes morrem; é uma dor muito grande e com o tempo você precisa se acostumar com a doença e a morte, e parece que o mundo gira em torno disso. Esse é o perigo do profissional de saúde, achar que esse é o normal, deixar de torcer, de ter fé e de acreditar que tudo pode ser diferente e as coisas podem ser boas. Eu estava consumida e sabia disso, que não estava bem”.

 

“Ela tem 26 anos e está com câncer de mama. Nunca vi isso acontecer”

Comendo e dormindo extremamente mal, aproveitando os momentos de lazer e de folga para comemorar e beber com amigos, sedentária e acima do peso, Roberta desconfiava que estava doente. “Hoje entendo o peso dos hábitos. Era bem negligente com minha saúde, fiquei quatro anos sem ir ao médico nem fazer exames”, revela.

O alerta veio por meio de um post no Facebook, de uma colega do Ensino Fundamental, que contou ter descoberto um câncer de mama aos 26 anos. “Ela tem 26 anos e está com câncer de mama. Nunca vi isso acontecer. Renata, eu não estou me cuidando. Nem lembro a última vez que fui ao ginecologista”. Este foi o desabafo com a irmã ao telefone, que marcou o início de um pacto de ambas se cuidarem. A partir daquele dia, passou a fazer autoexame nas mamas diariamente durante o banho. Ela não sabia se substituiria os exames clínicos, mas a consciência ficava um pouco mais tranquila por não ter tempo de ir ao médico. 

Tentou também melhorar a alimentação e marcou endocrinologista – mas o ginecologista continuou sendo adiado, até que sentiu um nódulo. Era o mês de maio de 2016 e Roberta tinha 27 anos. “Na hora já sabia que era câncer. Meu marido disse que eu estava impressionada com o post”. 

Na consulta, o mastologista e ginecologista avaliou que pela idade e sem histórico familiar, provavelmente não era um tumor. Apesar disso, percebendo a preocupação da paciente, pediu uma biópsia. “A espera às vezes é mil vezes mais difícil do que a própria notícia, porque nessa fase criamos um mundo muito pior do que realmente é, com tudo ampliado. Fiquei extremamente estressada, frágil e com imunidade baixa”.

A dúvida chegou ao fim no dia 7 de julho de 2016, no carro, enquanto voltava para casa com o marido depois de pegar o resultado. Roberta afirma que naquele momento se desesperou e chorou. Diz que não teve aquela cena bonita, calma, perguntando o que teria para fazer. “Eu questionei por que estava acontecendo comigo, questionei minha fé, como se fosse um castigo, e me senti muito culpada”. As palavras do companheiro, de que o câncer de mama tem cura na maioria dos casos, a ajudou a retomar o equilíbrio.

“Era tão viciada no trabalho que mandei mensagem para minha chefe, que sabia do exame, avisando que não trabalharia no dia seguinte, sexta-feira, porque não tinha condições, mas iria no plantão de domingo. Ela me respondeu: ‘Amor, você está com câncer. Vai se cuidar’. Foi importante para eu perceber que se não lutasse pela minha própria saúde, ninguém iria lutar”.

 

Medos, dores e dúvidas

O diagnóstico foi de carcinoma medular em estágio 3 e era preciso tratar rapidamente. Roberta conta que a consulta com a oncologista a ajudou a entender bem não apenas suas chances e prognóstico, mas o que caberia a ela fazer em seu próprio tratamento. 

Logo após a primeira quimioterapia vermelha foi liberada e programou a viagem em comemoração de um ano de casamento. Mal acabou de fazer as malas e percebeu o cabelo caindo. “Foi muito triste ver aquilo acontecendo um ano depois do meu casamento. Você fica com a autoestima abalada, se perguntando se o amor vai durar, resistir. Sabia de histórias de abandono. Tinha medo de perder o cabelo e não me reconhecer, não me gostar”. 

A viagem foi cheia de tensão, evitando lavar a cabeça para que o cabelo não ficasse todo no ralo, e disfarçando, de vergonha das camareiras. Mesmo com o apoio do marido, não conseguiu relaxar até chegar o final de semana e o casal emendar uma visita a amigos que moram no litoral. Depois de desabar e chorar muito, Roberta viu o momento como uma despedida: queria raspar a cabeça, mas não pretendia fazer isso enquanto estivesse desesperada. Queria cortar o cabelo consciente de que fazia parte da sua cura. Extravasou e no dia seguinte, bem consigo mesma, depois de uma boa ducha, abraçou o marido e foi raspar a cabeça.  Do momento, guarda boas recordações, de conseguir sorrir e gostar de se ver careca, sentindo-se bonita e aliviada.

O tratamento seguiu com mais três sessões de quimioterapia vermelha, que a deixavam bastante enjoada e fraca, precisando da ajuda da mãe ou da sogra na semana em que recebia a medicação, aplicada em ciclos de 21 dias. “Elas me ajudavam a fazer tudo, até para ir ao banheiro eu não tinha forças. Precisei muito dessa rede de apoio”.

A esperança de melhorar com o início da quimioterapia branca terminou quando sentiu fortes dores no corpo. “A médica explicou que eram dores como de academia e eu disse que aguentava. Quando senti as dores, achei que ia morrer. Lembro de estar na cama e falar ao meu marido: ‘Acho que não consigo chegar até o final. Meu corpo não vai aguentar’ Parecia que estava sendo corroída pelos ossos”. Foi a única vez em que teve essa dúvida.

 

Sentindo-se viva e saudável como nunca antes

O convite do esposo para dar uma volta no parque para tentar aliviar a dor traria um mundo de novas possibilidades que Roberta sequer imaginava. Depois da primeira caminhada, voltou sentindo-se revigorada. Como fisioterapeuta, logo teve a ideia de que havia algo além do contato com a natureza que estava lhe fazendo bem. 

Retornaram no dia seguinte e a paciente, querendo testar sua teoria, saiu correndo pelo parque, devagar, sob os protestos do marido que seguiu atrás, por dois quilômetros. Quando parou de correr, desabou a chorar, mas dessa vez com um misto de emoções. “A maior ironia é que eu me senti viva e saudável fazendo aquilo doente, como nunca tinha me sentido antes, quando não tinha doença”.

O esposo relatou a peripécia na consulta e ouviu da médica a explicação que fazer atividade era muito bom e importante quando os pacientes têm condições físicas, já que melhora não apenas os efeitos colaterais, mas também o prognóstico, reduzindo a chance de o tumor voltar. Era o que Roberta queria ouvir. “Não sabia que podia fazer alguma coisa. Agora ninguém me segura”, avisou.

Esse fazer algo pelo seu tratamento incluía, além da atividade física, cuidar da alimentação, assumindo sua parcela de responsabilidade em estar bem. A sedentária deu lugar a uma praticante assídua de exercícios, que começou correndo e incorporou a ida à academia. No dia 27 de dezembro de 2016, terminou sua última quimioterapia. No dia seguinte correu 8 quilômetros.

 

“Tinha medo de sair por aí vivendo”

No dia 11 de janeiro de 2017 fez mastectomia bilateral. Como teve muita perda de sangue, o pós-operatório foi difícil, precisava de ajuda para tudo e essa sensação mexeu novamente muito com seu emocional. Devido a um problema de cicatrização precisou de mais duas cirurgias, em fevereiro e março e, como define, ficou “murcha” com a sensação de nunca estar bem nem chegar ao fim. Às pessoas que diziam para ter calma porque sua vida voltaria ao normal, respondia que não queria esse retorno ao que era antes, porque durante o tratamento descobriu qualidade de vida. 

Estava de licença e não pretendia retomar o trabalho no hospital nem viver como vivia, mas não sabia por onde começar nem o que era capaz de fazer. “Minha faculdade inteira foi em torno do Incor. Não sabia fazer nada. Tinha medo de sair por aí vivendo”. Entrou em depressão, o psicólogo recomendou que procurasse um psiquiatra, e ela percebeu que tinha muita resistência pelo preconceito em relação ao tema. Por isso hoje faz questão de falar sobre o assunto. “O câncer faz vencedores, guerreiros; as doenças psiquiátricas fazem de você um fracassado, negligenciado pela sociedade que não quer saber quem está bem ou mal. Quer saber quem é forte. Precisei tomar remédio e achava que estava sendo fraca, que estava ‘roubando’ e deveria ficar bem por conta própria”.

Buscando formas de melhorar, descobriu a meditação, que a ajudou a se sentir menos ansiosa e foi fundamental para enfrentar o que estava por vir.

 

Quando a vida literalmente capota

Após a série de cirurgias, apareceram problemas ginecológicos. Ela estava com os hormônios alterados e nos exames descobriu um tumor de 11 centímetros no ovário direito. Todos achavam que era novamente um câncer; ela acreditava que não – o que não impedia de sentir medo e insegurança até o momento da cirurgia para retirar o ovário, que seria em junho de 2017.

Na consulta prévia, o médico pediu autorização para, no momento da cirurgia, caso se confirmasse que era câncer e tinha se espalhado, fazer histerectomia, deixá-la com bolsa de colostomia, tirar tudo em um único procedimento. Roberta se negou a assinar, avisou que preferia ser acordada para entender o que estava acontecendo e poder decidir. “Para mim não é cura a qualquer custo; precisa ter qualidade de vida”.

Uma semana antes da cirurgia, em suas corridas rotineiras no parque, só fazia chorar sem parar. Ela e o marido decidiram voltar para casa e na esquina um carro atravessou o cruzamento direto, bateu na porta do lado em que Roberta estava, e eles capotaram. “O carro parou de ponta cabeça, fiquei em choque, veio a ambulância e em um momento eu meio que ri, pensando: ‘Deus está me mostrando que não precisa ser de câncer que as pessoas morrem’. Foi uma percepção muito grande, porque quando temos câncer ele vira o centro da nossa vida. Parece que vamos morrer de câncer, viver com câncer e tudo vai acontecer em função disso. Naquele momento percebi que não sabemos de nada e vamos morrer disso ou de outra coisa. Me ajudou a tirar o foco e foi bom ver que havia tanta coisa na vida além do câncer”.

Com a retirada do ovário descobriu que o tumor não era cancerígeno e, um mês depois, estava feliz voltando a treinar. Um pouco antes da cirurgia, em maio, tinha participado de uma corrida de 10 km. Em setembro de 2017 correu 15 km e fez a segunda parte da reconstrução mamária, sua última cirurgia.

 

Muitos novos recomeços

Roberta ainda não sabia o que iria fazer para iniciar do zero sua vida profissional, mas já tinha certeza do que não queria mais. Nem por isso foi menos difícil encarar o dia 1º de maio de 2018, quando pediu demissão do Incor. “Eu gostava do que fazia e não estava saindo por não querer, mas porque vi que não era para mim. É difícil quando se percebe que o que amamos não nos faz bem”.

Por conta da meditação, resolveu fazer formação em Yoga, o que percebeu ser uma grande oportunidade, aliando seu conhecimento de fisiologia e anatomia. O trabalho de conclusão de curso foi voltado a mulheres mastectomizadas e começou a dar aulas voluntariamente a pacientes oncológicas. 

Apaixonada pelo novo caminho que decidiu trilhar, fez outra formação em Yoga, abordando na conclusão a influência da prática nos sintomas de depressão em pacientes. Fez também pós em yogaterapia, o que a levou à Medicina Integrativa, que estudou em um curso do Hospital Israelita Albert Einstein e é o tema do mestrado que planeja fazer na USP, com a tese de como viabilizar um centro completo em unidades de saúde, para possibilitar o acesso à população. Passou a dar aulas particulares de yoga online e continua se aprimorando. 

Enquanto a vida profissional de Roberta toma novos rumos, a vida pessoal também ganha novos contornos. Alertada pelo médico de que precisaria congelar óvulos caso decidisse ter filhos no futuro, na primeira vez em que recebeu a indicação, logo após a descoberta do câncer, chegou a marcar consulta com esse objetivo, mas se sentiu forçada a fazer algo que não queria, como se fosse obrigada a ser mãe, sem sequer pretender engravidar. Esse foi um assunto que conversou com o companheiro logo após o pedido de casamento. Em todos os momentos ele confirmou que a apoiaria fosse para engravidar, adotar ou não ter filhos. Com o problema no ovário o tema voltou, com a informação de que ela estava na reta final caso quisesse gerar um filho. Como não era sua intenção, decidiu não congelar.

Sem poder tomar anticoncepcional e querendo evitar preservativo, no final de 2020 decidiu que colocaria diafragma. Acreditando que provavelmente nem estaria mais fértil, relaxou e no dia do seu aniversário, 26 de janeiro, descobriu que está grávida. Conta que foi um choque, desesperador no início, porque se deparou com várias percepções sobre maternidade que nem sabia ter. “Parecia um diagnóstico de que minha vida tinha acabado, nunca mais conseguiria trabalhar. Eu me desesperei e como sempre meu marido mostrou o outro lado, que meu corpo está funcionando bem”. A oncologista confirmou essa percepção de que mesmo com apenas um ovário, sobrecarregado, aos 32 anos, após 16 quimioterapias, endometriose e ovários policísticos Roberta conseguiu fazer de seu organismo uma máquina saudável.

Sentia-se culpada por não ter a reação de felicidade diante da gravidez que as pessoas esperavam. Com os enjoos, estava debilitada e sem poder treinar. Quando melhorou, liberada para retomar as atividades, decidiu se empoderar novamente da própria saúde e se tornar uma mãe saudável. “Ontem corri 5 km e outro dia 8 km”, comemora, enquanto conta que aprendeu a ressignificar e, finalmente, sentiu-se feliz em ser mãe. Ajudou bastante nesse processo a conversa com outras mães que não planejaram a gravidez e vivenciaram também medo e culpa.

 

“Vai por mim”

O empoderamento do paciente tornou-se a bandeira que Roberta levanta em sua vida, considerando que é preciso fazer sua parte não como garantia de que haverá cura, mas porque faz bem e torna a vida mais saudável, com ou sem doença. “É difícil falar com pacientes com câncer, porque geralmente se sentem culpados e as pessoas ficam com pena dessa culpa. Acho que ninguém precisa se sentir culpado; tem que pensar em responsabilidade sobre tudo o que fazemos na vida e sair do lugar de pena”.

Durante o tratamento passou a compartilhar suas experiências na rede social, no perfil que denominou “Vai por mim”, em referência à expressão que usava quando as pessoas não entendiam como aquela moça com câncer, careca, corria pelas praias de Santos, ao que respondia: “Gente, vai por mim que está muito bom”. Logo começaram a dizer quando a viam: “Olha a ‘vai por mim’ chegando”. 

Para compartilhar os benefícios que sentiu com a prática da atividade física, pesquisou mais sobre o assunto, sabendo que nem sempre o que faz bem para um será bom para outro. Muitas pessoas mesmo sem diagnóstico a procuram para receber dicas de saúde, inspirando-se em suas mudanças de hábitos. “Nunca quis passar nas redes sociais a ideia de uma vida maravilhosa, mas uma vida real. Quando eu estava mal dizia: ‘desculpe, não vou aparecer aqui hoje porque não consigo levantar da cama’. Muitos entravam em contato dizendo que se sentiam culpados por estarem assim e percebi quanto isso é comum com pacientes de câncer”.

Pesquisou sobre depressão pós-câncer e estudou sobre o enfrentamento positivo da doença. “Falo nas minhas palestras que todo mundo sofre e escolhemos viver com sofrimento ou além do sofrimento. Escolhi viver além. Sofro, mas tem muita vida além disso”. Abriu uma empresa que presta serviço na área de responsabilidade e empreendedorismo social, reinserção no mercado de trabalho, gerenciamento de estresse e medicina integrativa. 

Segue entusiasta da prática de atividade física para o bem-estar, na doença e na saúde. “Até hoje, toda vez que corro fico emocionada porque lembro daquela primeira corrida no parque, em que mesmo na doença me senti saudável e viva, em que tive essa sensação pela primeira vez na vida. E penso: estou aqui. Até o dia da minha morte, eu estou viva”.

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